BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: o que vem pela frente

BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR: o que vem pela frente

Pensando o futuro próximo e distante da Base Nacional Comum Curricular, penso em destacar alguns eixos que deverão sofrer alterações e mudanças. Antes de discorrer sobre elas, vale lembrar que a Base é um documento que indica o que as escolas públicas e privadas devem ensinar a cada ano, em toda a educação Básica, Educação Infantil e Ensinos Fundamental e Médio.

Esse documento foi criado para que os alunos de escolas públicas e privadas aprendam o mesmo conteúdo. O Índice da Educação Básica, IDEB, mostra que há desequilíbrios gritantes entre as diferentes redes, escolas e, até mesmo, salas de aula de um mesmo ano, que funcionam em uma mesma escola.

Cumpre ressaltar que não somos nem ingênuos, nem românticos, a ponto de acreditar que um documento que se pretende único e basilar possa responder às necessidades, demandas da Educação Básica brasileira. Todos os que estão comprometidos com a educação brasileira sabem que não são poucos os problemas a serem enfrentados e os desafios com os quais temos de lidar e superar, diariamente.

Tendo em vista o objetivo deste artigo, ou seja, discorrer sobre o que vem pela frente, no que respeita à Base Nacional Comum Curricular, saliento a formação inicial de professores. Os cursos deverão ter seus currículos e programas adequados à base, até o final de 2019. Uma pergunta importante a ser feita é a seguinte: será mesmo que essas mudanças são necessárias e pertinentes? Como essas mudanças são possíveis diante da heterogeneidade que marcam os cursos de formação inicial, no que diz respeito às legislações, demandas e carências?

Pensemos na formação continuada de professores. Os cursos deverão ser alterados até o fim de 2019. O Ministério da Educação promete implantar novos cursos por meio de forte aparato tecnológico. As lacunas, brechas e problemas dos cursos de formação continuada oferecidos pelo MEC vêm repetindo alguns erros, como, por exemplo, os que dizem respeito ao não reconhecimento dos saberes teórico-práticos, acumulados pelos professores. Além disso, como bem mostra o trabalho de Iniciação Científica da pedagoga Maria Júlia Bocchio (2017): “a formação continuada está estruturada a fim de solucionar, por meio de competências estritamente técnicas do professor, a intempéries da educação, ao passo que marcará, através do discurso reformador do trabalho, o aprisionamento de sua autoria e autonomia” (BOCCHIO, 2017, p. 45). Em outras palavras, a ilusão de que a formação continuada pode contribuir com o professor sem considerá-lo sujeito de seu dizer, de suas escolhas, saberes e práticas é um engodo, que provoca a expropriação do sujeito professor de um fazer que o constitui, bem como a possiblidade de reflexão e posicionamento” (BOCHIO, 2017, p. 110).

Em relação aos livros didáticos, um edital de livros do 6º ao 9º ano deve ser preparado em 2018, para que as obras alteradas cheguem às escolas em 2020. É pertinente atenção e cuidado dos professores, no que diz respeito às supostas mudanças a serem realizadas. Nessa linha de pensamento, destaco a importância de os professores tomarem o livro didático como um dos muitos materiais de apoio de que pode se valer para o preparo de suas aulas e para o desenvolvimento de atividades pedagógicas, em sala de aula. Não são poucos os estudos que mostram os efeitos negativos de ações pedagógicas pautadas somente no livro didático, que, em alguns casos, ainda é tomada como uma “bíblia” a ser seguida, resignadamente. Se de fato, queremos um ensino melhor, estudantes críticos e capazes de estranhar, que alcancem melhor desempenho escolar, é fundamento análise criteriosa e requintada do livro didático.

No que diz respeito aos currículos, deverão ser adaptados pelas redes escolares e escolas, ao longo dos próximos dois anos, devendo estar prontos em 2020. O ensino Fundamental é composto por 5(cinco) áreas do conhecimento: Matemática, Linguagens, Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Ensino Religioso. A Educação Infantil, por sua vez, conta com dois eixos estruturantes: Interações e Brincadeiras.

Os estudos sobre Sociologia do Currículo mostram-nos que as formações ideológicas e os processos de naturalização de sentidos por ela produzidos têm no currículo um grande aliado, um instrumento poderoso, capaz de manipular, persuadir e transformar mentes e corações, (de)formandos-os de acordos com os objetivos explícitos ou implícitos. Sabemos, portanto, que não existe neutralidade alguma, em currículo algum. Como bem mostram os estudos de Althusser (1994) trazidos no brilhante texto Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado, a escola ensina o know-how, mas sob formas que asseguram a submissão à ideologia dominante. Assim, os alunos permanecem na posição de sujeitos enunciadores, que repetem incansavelmente discursos prontos, legitimados, que não lhe fazem sentido algum.

Em relação à Base do Ensino Médio, o texto do MEC deverá ser enviado ao Conselho Nacional de Educação, CNE, no 1º semestre de 2018. Uma possível mudança no Enem ficaria somente para depois da aprovação e homologação do texto. O ideal seria que os professores que ministram aulas no Ensino Médio fossem chamados a participar dessa reta final do processo. Quem está na sala de aula e vivencia seus problemas e desafios diários tem muito a dizer e a contribuir.

Sobre a questão gênero e sexualidade, o CNE deve emitir normas sobre orientação sexual e gênero, após o MEC ter enxugado o tema. É imprescindível que os professores estejam atentos, conscientes de que esses temas são delicados e precisam ser compreendidos a partir das contribuições de estudos científicos. Especialmente com essas questões-problema não é possível para o professor permanecer inserido nas formações discursivas do “achismo”.

A revisão da base, outra ação a ser feita, deverá ocorrer em cinco anos, após a implementação efetiva do documento, prevista para 2020. Sendo assim, em 2025, a Base Nacional Comum Curricular deverá ser revisitada e, se necessário, receber e incorporar alterações.

Diante do exposto, fica mais ou menos explicitada a importância de os educadores, de maneira geral, conhecerem a fundo esse documento. É somente a partir do conhecimento profundo, de análises criteriosas e críticas, fundamentadas em teorias científicas reconhecidas, que poderão contribuir para que suas vozes sejam ouvidas e, assim, talvez, as possíveis alterações sejam incorporadas.

Sabemos que a História, em geral, é contada do ponto de vista do dominador. A voz do outro -o dominado- é abafada, silenciada. Entretanto, seu eco permanece, nos vãos, nas brechas, nas fissuras do sistema, esperando a oportunidade de ser ouvida.  Que os professores brasileiros possam juntos encontrar caminhos para que se efetive a escuta dessas vozes silenciadas, abafadas, que, apesar de muitos movimentos e esforços, ainda permanecem inaudíveis para uma parte significativa da sociedade.

 

Profa. Dra. Elaine Assolini

Compartilhar: