"Cantinho" de leitura: que espaço é este?

"Cantinho" de leitura: que espaço é este?

É conhecida a importância da leitura e “contação” de histórias para crianças. A Psicologia e a Pedagogia apontam seus benefícios há tempos e propõem que, como atividade lúdica, ela amplia a imaginação, organiza a fala e o pensamento, expande o vocabulário, possibilita o entendimento e a solução de conflitos e enriquece, de maneira geral, as experiências infantis.

Sendo assim, é preocupante a realidade que se apresenta quando, ao tomarmos os dados do Censo Escolar (2013), deparamos-nos com a informação de que, apenas 35% das escolas brasileiras, possuem biblioteca.

Em alguns casos, quando não existem bibliotecas disponíveis, escolas públicas e privadas valem-se dos denominados “cantinhos da leitura.”

A observação atenta de alguns desses cantinhos, de sua organização e modo de funcionamento tem nos deixado inquietas, posto que, algumas vezes, são representados e tratados inferior e secundariamente, como se pelo fato de serem “cantinhos”, no diminutivo, devessem dispor de livros de duvidosa qualidade (“livrinhos”), dos muito velhos, rasgados, em péssimo estado de conservação, os inadequados para a faixa etária das crianças, dos que não promovem interesse ou motivação alguma, ou, ainda, daqueles que foram adquiridos pelos próprios professores, num esforço solitário. É possível observar, também, em alguns “cantinhos”, revistas de diferentes natureza, livros didáticos, catálogos, fôlderes e outros materiais impressos,  misturadas aos livros infantis, sem critério ou seleção alguma.

Nessas condições, os “cantinhos de leitura” constituem-se espaços empobrecidos, descontextualizados e pouco atraentes, afastando estudantes e professores dos livros e da leitura.  A tentativa de fazê-los substituir a biblioteca escolar agrava a situação, pois, antes de ter acesso, conhecer e vivenciar experiências em bibliotecas escolares, propriamente ditas, a criança, desde cedo, pode construir o imaginário segundo o qual “cantinho de leitura” e “biblioteca escolar” seriam sinônimos. Não são. Há equívocos e distorções nesse entendimento. Voltaremos a falar sobre biblioteca escolar, no Brasil, em breve.

Por ora, salientamos que, se escola conta apenas com o “cantinho de leitura”, que ele seja, então, belo, atraente, pródigo e generoso em livros, revistas e materiais adequados à idade das crianças daquela sala de aula. Que sejam cuidados, conservados, acessíveis, que possam ir e vir das mãos dos estudantes e de suas casas para a escola e vice-versa. Assim, o “cantinho” poderá crescer, ampliar-se, elevar-se, correspondendo ao universo de informações, aprendizagens, descobertas, sonhos e magia que os livros e a leitura nos trazem. O desenvolvimento do gosto pela leitura e de suas infinitas possibilidades de (res) significação de sentimentos, emoções, compreensão da vida e dos acontecimentos podem mudar a vida de uma criança. Todos sabemos disso.

 Mas, não poderíamos deixar de ressaltar o papel do sujeito-professor, enquanto profissional a quem cabe auxiliar os estudantes no processo de mediação da leitura. A mediação docente é imprescindível, podendo contribuir tanto para que os estudantes se apaixonem pelos livros e pela leitura, quanto pelo seu afastamento ou desinteresse.

Quando a escola promove a alfabetização, mas não o gosto pela leitura de diferentes gêneros discursivos, compromete negativamente o nível de letramento do estudante, nível que não atingirá patamares elevados.

 Práticas pedagógicas motivadoras e intervenções criativas realizadas pelo professor poderão transformar um mero “cantinho” em espaço diferenciado, na sala de aula, por onde circulem sentidos (im)previstos, pela escola, enquanto instituição escolar, que, muitas vezes, censura e interdita diferentes interpretações.

 Se esse espaço, pode ser vasto em seu acervo, bonito, colorido e agradável aos olhos, se pode reunir estudantes e professores para a deliciosa experiência de inusitados e múltiplos gestos interpretativos, se é acessível, por que chamá-lo de “cantinho”?  Como poderíamos nomeá-lo, caro leitor, a fim de que seu nome fizesse juz às possibilidades que traz para a formação leitora e de vida de crianças e professores?

 Elaine Assolini e Camila Carrari

 

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