CONDIÇÕES DE TRABALHO DO SUJEITO-PROFESSOR: MAL-ESTAR DOCENTE E ALGUNS SINTOMAS

CONDIÇÕES DE TRABALHO DO SUJEITO-PROFESSOR: MAL-ESTAR DOCENTE E ALGUNS SINTOMAS

A escola está inserida na sociedade contemporânea, marcada pelo avanço tecnológico e digital; pelas mudanças na forma de se relacionar com os outros, com o mundo e consigo mesmo; e pelas demandas de cada novo sujeito-aluno. Observamos, então, que alguns sintomas transbordam por entre as salas de aula das escolas públicas, repercutindo na saúde, no bem-estar e na formação dos professores, considerados, aqui, autores de um trabalho pedagógico.

No âmbito educativo, observamos que o(s) sintoma(s) ecoa(m) nas mais corriqueiras situações e se apresentam aos sujeitos-professores por meio dos problemas de escolarização e aprendizagem, do fracasso escolar, da cultura superexcitada e conectada dos adolescentes, do desinteresse, da desistência, da evasão, além das diferentes formas de mal-estar e padecimento por parte dos docentes, como a inibição em ensinar, as angústias, as desordens relacionadas à oralidade e à adicção, e os comportamentos referentes ao transtorno borderline. Por isso, julgamos pertinente refletir sobre os seus indícios e o impacto que eles podem causar nas práticas pedagógicas dos professores e, consequentemente, na aprendizagem dos alunos.

Para Freud (2011), o mal-estar “está sempre presente, num lugar ou outro por detrás de todo sintoma”; nesse sentido, podemos presumir que o mal-estar docente surge em virtude de uma série de fatores a que sujeitos-professores estão expostos no cotidiano de seu trabalho e que, no conjunto, constituem uma vertente do sintoma, pois além de gerar angústias reais nesses profissionais, podem, também, impactar o processo de ensino e aprendizagem, influenciando a didática e a forma com que os conteúdos específicos são ministrados.

Ao propor uma reflexão sobre o(s) sintoma(s) gerado(s) pelas condições de trabalho, decorrentes das práticas pedagógicas de sujeitos-professores, é importante pontuar a partir de qual posição o significante SINTOMA será, aqui, abordado. Dessa forma, propomos tal reflexão a partir da interface Psicanálise e Educação, pois acreditamos que os sintomas na atual educação guardam estreitas relações com as expectativas sociais, principalmente as que dizem respeito ao papel da escola no processo educacional (CECCARELLI, 2017, p. 231).

Com isso passaremos a considerar o sintoma como um problema, mas, também, um operador pelo qual o sujeito busca recobrir a angústia e mal-estar gerado e, ao mesmo tempo, constitui-se inscrevendo seu desejo. Tentaremos sintetizar essa abordagem considerando que o sintoma deixa então de ser visto somente como uma doença ou patologia, e passa a ser um fenômeno subjetivo e constituído pela realização incompleta do desejo; portanto, acreditamos que a escola e os profissionais da educação são afetados por essa conjuntura - fato que justifica nossa filiação ao referencial teórico escolhido.

Assim consideraremos que o sintoma é, para o professor, “ao mesmo tempo, aquilo que não anda bem, já que lhe causa sofrimento; mas também aquilo que lhe cabe bem, já que ele passa a gozar e a se instituir no sintoma (PEREIRA, 2017, p. 07).”

Considerando que o trabalho não pode ser visto única e exclusivamente como um fim, posto que se trata de uma ação histórica, de uma atividade humana dedicada a um fim, podemos inferir que o trabalho docente é, na realidade, um meio. Um meio que precisa ser adequado, repensado e reformulado para alcançar seu objetivo final como, por exemplo, que o aluno compreenda o mecanismo dos cálculos estequiométricos durante uma aula de Química, ou, ainda, que ele consiga interpretar e refletir sobre um texto durante uma roda de leitura. O professor torna-se, então, autor desse trabalho, pois é ele quem executará a ação de ensinar (PARO, 2012, p. 34).

Mas onde essa ação irá ocorrer? Na escola. Local este, destinado ao desenvolvimento do trabalho docente. Contudo, discutimos aqui um trabalho de âmbito social; nesse sentido, o ambiente, as relações, as formações discursivas e as condições de produção que circundam este trabalho se tornam inerentes ao desenvolvimento do trabalho docente.

Dessa maneira, as condições de trabalho, ou melhor, as condições em que o trabalho se desenvolve podem marcar positiva ou negativamente as práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores. Trazemos aqui duas pesquisas recentes que revelam a atual condição das escolas públicas brasileiras, nos diferentes estados, bem como as condições de trabalho a que os docentes estão submetidos. A primeira delas[1] está disponível no livro Por Dentro da Escola Pública, do Prof. Dr. Vitor Henrique Paro, e a segunda foi realizada pelo Comitê para a Educação e publicada pela UNESCO[2].

Em resumo, os resultados das supracitadas pesquisas demonstram uma série de problemas relacionados à infraestrutura, espaço físico, falta de manutenção, produtos de limpeza ou higiene, ausência de materiais e recursos pedagógicos como giz, apagador, livros, biblioteca, internet, entre outros. Além disso, há os problemas relacionados às políticas públicas com novas medidas e alterações na legislação, a contar, também, a falta de segurança nas escolas; de assistência alimentar ou merenda insuficiente; a falta de professores e sobrecarga de outros; jornadas de trabalho exaustivas; número excessivo de aulas, de turmas e de alunos; distância entre a escola e a casa do professor; e desprestígio da profissão.

Os fatores mencionados acima compõem um quadro de incertezas, instabilidades, despreparo e falta de proventos que impactam a escola, a comunidade e a sala de aula. É impossível não considerar o resultado de alguns desses fatores na rotina dos alunos e dos professores. A junção desses fatores, ao longo do tempo, pode gerar um mal-estar capaz de constituir um sintoma, que, por sua vez, atravessa as práticas pedagógicas desse professor, produzindo uma marca no processo de ensino e aprendizagem.

Propomos, então, que para se desvencilhar de seus sintomas, o professor busque pela formação continuada, que ele se debruce para apre(e)nder novos saberes. Com isso, ele poderá diversificar suas aulas e driblar as adversidades causadas pelas más condições de trabalho.

A formação continuada, além de proporcionar novos horizontes em relação à aprendizagem, pode melhorar também a forma como o trabalho é desenvolvido, aumentando as possibilidades de adequação, impactando a vida do professor como um desvio do mal-estar, além de privilegiar a produção do conhecimento, que ocorre via transferência.

Prof.ª Jéssica Vidal Damaceno

Prof.ª Dr.ª Elaine Assolini

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

CACCARELLI, P. R. Sintoma e Educação: breves reflexões sobre esta formação de compromisso. In: Os sintomas na educação de hoje: o que fazemos com “isso”? Editora Scriptum, p. 226-232 , 2017.

 

FREUD, S. O mal-estar na civilização. São Paulo: Editora Penguin Classics Companhia das Letras, 1ª ed., 2011.

 

PARO, V. H. Por dentro da escola pública. São Paulo: Editora Cortez, 4. ed., 2016.

 

PEREIRA, R. M. Psicanálise, educação e sintoma. In: Os sintomas na educação de hoje: o que fazemos com “isso”? Editora Scriptum, p. 07-11, 2017.

 

RIOLFI, C. O que faz um bom professor: um decálogo. In: Os sintomas na educação de hoje: o que fazemos com “isso”? Editora Scriptum, p. 272-281, 2017.

 


[1] Pesquisa inicialmente apresentada como tese de livre docência junto ao Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo pelo professor doutor Vitor Henrique Paro, que posteriormente foi incorporada ao livro POR DENTRO DA ESCOLA PÚBLICA, em 2016, Editora Cortez, 4ª edição.

[2] Pesquisa realizada pelo Comitê para a Educação, órgão das Nações Unidas para educação, Ciência e Cultura, e publicado pela UNESCO em 2014; Perfil dos professores brasileiros da educação básica, Paris.

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