CONFLITOS NA ESCOLA: POR QUE NÃO OS QUEREMOS?

CONFLITOS NA ESCOLA: POR QUE NÃO OS QUEREMOS?

Quando um grupo de gestores foi convidado a refletir sobre os sentimentos e emoções que sentem quando leem a palavra conflito, a maior parte respondeu sentir tristeza, angústia, desgaste e cansaço. Acreditam que a escola sem conflitos diminuiria tais sentimentos. A questão, então, é resolver os conflitos, mas o que seria resolver os conflitos? Eliminá-los. Todavia, é possível uma escola sem conflitos?

Queremos iniciar um diálogo sobre os conflitos na escola. Apoiadas no livro “Conflitos na escola: modos de transformar” e na perspectiva da análise do discurso pecheuxtiana que nos constitui enquanto pesquisadoras, respondemos que não épossível uma escola sem conflitos. Aliás, não há organizações sem conflito. Isso quer dizer que o conflito não é uma característica única e exclusiva do universo escolar, pois o conflito é constitutivo. Há conflitos dentro de nós e entre nós, pois eles “são inerentes às interações e, portanto, não podem ser eliminados” (CECCON et al.,2009, p.30). 

A definição de conflito não é consenso entre os autores e nem entre os sujeitos, pois depende de inúmeros fatores. Se solicitarmos aos sujeitos que definam “conflito”, aparecerão diferentes definições que não se categorizam em “certas” ou “erradas”, pois o interdiscurso, memória, história, lugar social e posição que os sujeitos estão inseridos influenciam e constituem o seu dizer. No entanto, acreditamos que a forma como o sujeito concebe e interpreta o conflito influenciará no seu manejo (mediação). Assim, pretendemos discutir sobre o conflito e não temos a pretensão de defini-lo e “passar a ideia” de que há uma verdade absoluta, mas possibilitar que a comunidade escolar escute/olhe para o conflito a partir de outra perspectiva e que esta possibilite deslocamentos.

Somos seres sociais e, portanto, relacionamo-nos. Somos inseridos em uma linguagem que nos permite simbolizar, inserindo-nos no mundo. Nesse ponto, precisamos nos atentar ao fato de que a linguagem não é sinônimo de fala e não é apenas um instrumento de comunicação. Na perspectiva discursiva, a linguagem é linguagem porque faz sentido. E a linguagem só faz sentido porque se inscreve na história (Assolini, 2016).

Os sentidos não são iguais para os sujeitos, aspecto que faz a linguagem ser opaca, dito de outro modo, a linguagem não é transparente (Orlandi, 2000). Isso quer dizer que o que eu falo não será compreendido pelo outro da forma como eu compreendo, valorizo e imagino. O outro entenderá o que lhe é (im)possível a partir de sua história, ideologia, inconsciente, lugar e posição. Isso não é uma questão de “melhorar” a comunicação ou utilizar outras palavras. Sabemos que outras formas de expressão, escolher outras palavras ajudam no processo de comunicação, mas não eliminarão a opacidade da linguagem, pois a linguagem não é um sistema linear e transparente como muitos de nós imaginamos que ela seja.

  Se não somos iguais e a linguagem não é transparente, o que temos em comum é a DIFERENÇA. O interessante é que o conflito surge da diferença e por isso dissemos que não é possível eliminá-lo, aliás, esse não deveria ser um desejo da comunidade escolar. Mas, como uma de suas definições está atrelada a sentimentos “tristes”, violências e situações relatadas como negativas, um movimento comum é se distanciar, tentar evitá-lo. Ilusão, pois os conflitos fazem parte de nossa rotina diária.

Os conflitos provocam mudanças, no entanto a forma como lidamos com ele é que definirá se as manifestações serão construtivas ou destrutivas. O conflito pode ser uma grande oportunidade para o aprendizado ou um grande passo para a violência.O que está em jogo é a capacidade dos sujeitos em suportar e lidar com situações conflituosas de uma forma que elas não evoluam para a violência.

Uma prática importante, principalmente aos gestores, é identificar e refletir sobre os conflitos que emergem no espaço escolar. O que ocorre com mais frequência é “varrer os conflitos para debaixo do tapete” ou não perceber que o que se está vivendo é um conflito. Assim, o primeiro passo é identificá-lo, pois “o que parece ausência de conflito em um grupo pode estar sinalizando ausência de diálogo” (CECCON et al.,2009, p.30). 

O diálogo pode transformar conflitos em aprendizagem, ou seja, acreditamos que a “palavra” pode regular o conflito. Contudo, dialogar não significa somente falar com outro, o diálogo é um espaço de tensão, pois o que está em jogo são relações de sentidos e como dito acima, os sentidos não são os mesmos para os sujeitos em interação. Segundo Prezotto, Ferreira e Reis (2017, p.10)

dialogar é articular, pelo confronto de muitas vozes sócio-historicamente definidas, em condições de interação - compreensão/expressão – determinadas situações que podem tornarem-se novas bagagens de teorias/experiências que podem ser utilizadas de diferentes maneiras no cotidiano da escola.

Dessa forma, o diálogo que desencadeia o conflito também o regula. É imprescindível que a comunidade escolar tenha a capacidade de conviver com o diferente, ou seja, descobrir que o diferente é válido, importante e ressignificar o discurso dominante de que as “diferenças” são inferiores, negativas e/ou tristes.

 

Merielen Cunha

Elaine Assolini

 

REFERÊNCIAS

ASSOLINI, Filomena Elaine Paiva. Grupo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Letramento- Gepalle- 2016.

CECCON, Claudia. et al. Conflitos na escola: modos de transformar: dicas para refletir e exemplos de como lidar / apresentação Rubem Alves; ilustrações ClaudiusCeccon. – São Paulo: CECIP: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2009. 208 p.: il.

ORLANDI, EniPurcinelli.Análise de Discurso: princípios e procedimentos.Campinas: Pontes Editoras, 2000.

PREZOTTO, Marissol; FERREIRA, Luciana Haddad; REIS, Marciene Aparecida Santos. Escuta, Olhar e Diálogo Sensível na Formação Reflexiva do ProfessorRev. Ibfe: Tend. eInov. em Educ., Campinas, v. 1, n. 2, p.4-14, jan/jun 2017.

 

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