(In)consequências do viver

(In)consequências do viver

Você pensa que não estamos em guerra?

Saiba que é tamanha a violência nas vias públicas a barbarizar nosso cotidiano, que os índices de obituários são impressionantes. Segundo os dados do ano 2017, apontados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1,2 milhão de pessoas, anualmente, perdem a vida no trânsito, especialmente no grupo de homens entre 15 e 29 anos, isso sem contar o número de inválidos ou feridos gravemente, situado entre 20 e 50 milhões. Um verdadeiro descaso à vida.

A violência, seja homicídio, seja suicídio ou acidente de transporte, conota baixo índice de humanidade, de educação e de compreensão do valor significativo da vida. Considera-se, aqui, que a falta de conscientização sobre a vida e o desconhecimento sobre si mesmo como potência humana são os fatores que contribuem para o maior índice de mortes causadas, especialmente em acidentes de trânsito.

Dentre os países recordistas em mortes no trânsito, o Brasil aparece em quinto lugar, atrás da Índia, China, Estados Unidos da América (EUA) e Rússia. Em dados mundiais mostra-se um panorama de iniquidades em relação ao impacto de acidentes no trânsito entre regiões e grupos sociais. De modo geral, os países de baixa e média renda, que respondem por quase metade da frota mundial, concentram mais de 90% das mortes causadas no trânsito, enquanto os países de alta renda apresentam tendência decrescente desde as décadas de 1960 e 1970.

            Em estudos comprova-se que entre as principais causas dos acidentes de trânsito com mortes estão:

falta de atenção – uso de celular enquanto dirige, música muito alta, preocupação em excesso, discussões no interior dos veículos, fazer outra atividade enquanto dirige, enfim, desatenção é uma causa gravíssima;

velocidade incompatível – querer se autoafirmar utilizando o carro, como domínio do homem sobre a máquina, num ato de poder, é um dos maiores equívocos e representa atitude de desvio de si mesmo, por não conseguir se posicionar diante de si mesmo;

ingestão de álcool – encontrar-se adequadamente sóbrio e capaz de não colocar em risco a própria vida e a dos outros deveria ser uma constante atitude ética. Mas os excessos – enquanto ponto de fuga da realidade – têm causado danos extremos à vida humana, a falta de clareza e discernimento tem sido uma das fraquezas do ser humano;

Desobediência à sinalização, ultrapassagens indevidas e sono – um dos fatores que corroboram a desobediência é a falta de respeito ao coletivo e a si mesmo, pois, sabe-se que, para bem viver coletivamente, é preciso que haja regras, princípios norteadores de convivibilidade[1].

Nesse sentido, tomamos a liberdade de trazer Giddens (1990)[2], que irá pontuar a noção de “segurança ontológica”, que nada mais é do que a instauração da “confiança” em si mesmo; em termos emocionais, restaurar, na maioria da população humana, a estabilidade de sua autoidentidade (ou noção de si mesmo) e a dos contextos em que se vive. Saber respeitar-se é um dos princípios de educação de si.

Trazemos para o diálogo uma forma provocativa de repensar os postulados descritos acima: como somos/estamos hoje? Sem dúvida, essa é uma atitude de reflexão que produz deslocamentos sobre si e sobre os entornos. É pensar em quanto afetamos e somos afetados; é, metafisicamente, entornar o tempo para repensar a (trans)formação de si e dos modos de existência que queremos deixar para as futuras gerações. É causar o desassossego no ato de interrogar si mesmo, fazendo com que o sujeito/ser humano resista à sedução de suas fraquezas e fragilidades ofertadas.

Sabemos que se debruçar sobre si mesmo, ressignificando-se, demanda esforço contínuo e complexo para dimensionar o que pode e deve ser feito consigo mesmo. Compreende-se que, ao se elaborar, metaforicamente, o ato de ver a si próprio, pode ocorrer um desdobramento entre a pessoa e a imagem exterior de si própria. Trata-se do registro do imaginário, que assume caráter de instância constitutiva da experiência perceptiva de si, técnicas/práticas de si, pois os efeitos de vontade de verdade reverberam para a construção de si mesmo como sujeito ético.

Esperamos, com essas reflexões, provocar em vocês, leitores, desconstruções na procura constante da diferença e da perda de si mesmo, para que possam se reencontrar na singularidade como sujeitos de uma verdade de si, (re)constituídos como obra de arte. E, quiçá, tenhamos, por fim, amenizado a violência, a barbárie, pelo que há de mais sagrado em si, a humanidade.

Que ensinamentos estamos deixando para as gerações futuras?

O que a escola tem priorizado em relação ao respeito à vida?

O que os pais têm exemplificado aos filhos em relação à valorização da vida?

 

Profa. Ma. Leny Pimenta

Profa. Dra. Elaine Assolini


[1]MORIN, E. Os sete saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. 8. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: Unesco, 2003.

[2]GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. Unesp, 1990.

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