A COVID-19 E A EDUCAÇÃO 2.0.

A COVID-19 E A EDUCAÇÃO 2.0.

Prof. Me. Rogério Dutra Bandos

Profa. Dra. Elaine Assolini

 

A pandemia da COVID-19 deve entrar para a história como um dos eventos de maior importância na história da humanidade, ao menos para a era contemporânea. Seu impacto e alguns ecos que beiram o apocalíptico, trouxeram e trazem mudanças nas principais áreas: sociais, econômicas, culturais, políticas, científicas e educacionais. Essas transformações serão determinantes para a atual geração e as futuras, e talvez, serão melhor compreendidas apenas quando tudo isso for passado. Por hora, o mister é sobreviver, adaptar-se, cuidar-nos um do outro como sempre, mas agora de modo mais crucial, até que tenhamos um tratamento eficaz ou imunização coletiva e abrangente (via vacina ou não), que detenha o novo coronavírus.

Na área da educação, o impacto da COVID-19 também foi meteórico. Dados da Unesco mostram que, na segunda quinzena de abril de 2020, 1.6 bilhões de estudantes do mundo, em quase duzentos países, ficaram sem aulas presencias, o que corresponde a mais de 90% desta população. Em um cenário educacional quase caótico, conceitos e prioridades educacionais também devem ser revistos, cabendo aos professores, coordenadores e pensadores da educação aprender a nova realidade e suas exigências, e sem perder tempo, pois a imprevisibilidade dos acontecimentos assim o exige. Se toda ação tem uma reação (ou deveria ter), qual deverá ser a da educação frente às demandas causadas pela COVID-19? O que a pandemia tem a nos ensinar?

Em um contexto mais amplo, a pandemia nos mostrou que o que era comum talvez não fosse normal. Seguíamos desenfreados em uma direção perigosa. Faltava sentido, e só agora ela nos ensinou como isso era óbvio. A COVID-19 também fez repensarmos nossos valores, e ver o que de fato importa: saúde, família, relacionamentos, serviços e profissões vitais. Destas, os a arte de ensinar deve ser alçados ainda mais à condição de fundamentais na sociedade, pois fizeram e fazem falta aos distantes e confinados discípulos.

Na nova Educação-20, outro aspecto, que antecede a COVID-19, mas agora volta à tona, é o debate sobre e a função da educação para a vida. Etimologicamente, a palavra educação, do latim – educere –, significa a atividade de conduzir para fora, ou seja, preparar para o mundo. O processo de educação nasce com a humanidade e evolui ao longo do tempo, adquirindo novos métodos e teorias. Podemos perguntar se ela nos preparou para uma situação como essa, pois pandemias não são novidades na história, e esta não será a última. O que está sendo útil, nesses novos tempos onde, às duras custas, aprendemos que (ao menos deveríamos já ter aprendido), o essencial é mais importante, e o supérfluo é secundário?

 A resposta é difícil; tema para o pensador da complexidade, Edgar Morin: “a educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a assumir a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão”. Assim, a função da educação não é só informar, mas também formar este cidadão e profissional, consciente e engajado, que contribua para a sociedade. Essa formação é também cultural, pois educação e cultura são conceitos que muitas vezes se (con)fundem, e talvez seja dever da primeira cuidar, aprimorar e por vezes infundir-se na segunda. Frente a um desafio como essa pandemia, a postura de um povo pode fazer toda diferença, haja visto os hábitos culturais, no mínimo incautos, envolvidos na gênese do problema, ainda que a ciência já havia nos alertado dos perigos do surgimento de um novo vírus com potencial pandêmico.

Tomemos como exemplo alguns países do leste asiático, cujas populações têm o hábito cultural de usar máscaras há tempos, mesmo para um simples resfriado. Há nesse ato um gesto civilizado e altruísta, pois a pessoa já está acometida, mas se preocupa com o outro. Isso não se via (ou vê) na maior parte do mundo, mas deverá ser, a partir da COVID-19, um novo aprendizado, que podia ter sido, há anos, parte da educação básica. Por certo, esse hábito encontraria menos resistência em uma situação como essa, de modo a ser incorporado à cultura, para o bem de todos. Em países como Itália, Estados Unidos e Brasil, o uso da máscara nas ruas era (e ainda é) motivo de estranheza, vergonha, exagero, indício de fraqueza ou medo infundado, de modo que ficava praticamente restrito a pacientes em quimioterapia. Esse preconceito, ou por dizer, essa característica comum aos ocidentais, custou muitas vidas nesta pandemia, sem falar na gripe que muito matou e ainda mata, apesar da vacina. A nova vergonha deveria ser não usar máscaras.

Um povo bem educado é também capaz de compreender melhor situações delicadas como a atual, e outras menores rotineiras, mas também importantes. É mais capaz de saber utilizar as fontes de informação, sabendo fugir dos profetas de plantão e das notícias falsas. Compreensão é sinônimo de entendimento, percepção, apreensão, assimilação, condescendência e flexibilidade, atributos tão importantes nestes dias, que levam não só à adesão às recomendações médicas e dos órgãos de saúde, mas também, comportando-se como cidadão prudente e propagador, mesmo coma boca fechada e por debaixo de uma máscara, da importância das medidas de controle da pandemia.

Por outro lado, os perigos da má educação são muitos. O papel da educação, que tem o poder de mudar hábitos e práticas que passam a fazer parte da cultura de um local ou país, não pode ser negligenciado; antes, deve ser mais valorizado após essa pandemia, pois os comportamentos sociais, culturais e políticos são fortemente determinados pelo que se ensina na escola. Montesquieu já nos advertia no prólogo de seu célebre livro Do espírito da leis, de 1748: “Não é indiferente que o povo seja esclarecido. Os preconceitos dos magistrados começam por ser os da nação. Numa época de ignorância, não existem dúvidas, mesmo quando se cometem os piores males.”

Cabe-nos, cidadãos conscientes, assumir uma postura pessoal adequada, com uso e abuso de virtudes como calma e resiliência, além de inteligência racional, emocional e espiritual, para tomar ciência dos fatos, evitando, no entanto, tanto o desespero quanto o negacionismo, assim como a politização passional e a ideologização da questão; todas nocivas como o próprio vírus. Educar através do exemplo continua sendo importante, não só para estudantes e filhos, mas para todos em uma sociedade com muitas janelas. O papel da escola e dos currículos também devem ser exemplares, com conteúdos que sejam de fato relevantes à vida. Ética cívica seria um bom nome para uma nova disciplina, nesse admirável e frágil novo mundo.

Outra mudança de ordem prática que a COVID-19 trouxe à Educação-20 foram a recorrência às aulas à distância. Antes (e ainda) vistas com reservas, passaram a ser por vezes a única alternativa de ensino. Plataformas de comunicação em grupo, até então subutilizadas, já fazem parte do dia-a-dia de muitos professores, permitindo comunicação visual, auditiva, escrita e gráfica, além dos recursos que o mundo digital oferece. Para os críticos da modalidade ensino-aprendizagem à distância, responde-se que fazer algo é melhor que não fazer nada.

Para os adultos em níveis de educação mais adiantados, esse processo de ensino-aprendizagem mediado por telas pode funcionar com menores prejuízos em relação ao ensino presencial, mas, para jovens e crianças, sem contar aqueles sem acesso à internet de qualidade, há uma grande diferença, e as perdas educacionais deverão ser maiores. Sem comunicação, não há educação. Além de água encanada, energia e esgoto, uma das metas de políticas públicas deve ser oferecer aos lares, sobretudo aqueles onde hajam estudantes, a informatização com acesso à internet (de preferência, sem fio). Essa nova realidade parece querer ocupar na pirâmide hierárquica das prioridades humanas de Maslow, que vai, da base ao ápice, desde as necessidades básicas fisiológicas como alimentação e sono, passando pela segurança, relacionamentos saudáveis e autoestima, até a realização pessoal.

Para diminuir os prejuízos de uma educação não presencial, deve-se prover materiais e métodos bem elaborados e consistentes, capacitar professores e alunos dentro do possível e, por vezes, também os pais e responsáveis, para viabilizar o ensino que contemple web aulas em tempo real, que permita um grau satisfatório de interação, incluídos espaços para perguntas, respostas e eliminação de dúvidas. A avalição do aluno, que sempre foi um dos itens mais importantes e difíceis da educação, é outro desafio que o ensino à distância enfrenta.

De toda forma, todos os envolvidos, alunos e professores, estão aprendendo juntos a lidar com a nova situação, e, acredita-se, que quando as aulas presenciais voltarem, ao menos seremos mais hábeis no uso de ferramentas de ensino à distância, e o mundo, um lugar diferente. 

 

 

 

 

 

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