CRIANÇAS: como as encontramos hoje?

CRIANÇAS: como as encontramos hoje?

As crianças estão, de fato, grande parte do tempo, debruçadas sobre seus celulares como se esses dispositivos fossem uma extensão do próprio corpo.

Elas são afetadas pela alteração dos modos de existência, moldados por uma sociedade em que o Zeitgeist[1] pode ser definido pelo insaciável desejo de ser visto. Ao nosso ver, trata-se de situação sintomática, do adoecimento do sujeito pelo modo compulsivo de ser visto, um fragmento de existência que se dá a partir do olhar escópico.

Esse contexto é corroborado pelo quase desaparecimento da infância e de suas características tão peculiares de desenvolvimento, do ponto de vista sociobiológico, comprometendo o desenvolvimento físico e emocional, a capacidade de interagir e respeitar o outro. É marcado, também, por dificuldades na fala, na escrita e na motricidade – pela fragilidade da estrutura muscular e óssea –, redundando em silêncio e solidão. Acrescenta-se, ainda, a presença-ausência dos pais, o desaparecimento das reuniões familiares, substituídas, muitas vezes, por televisões, tablets ou celulares, os quais aparecem até mesmo durante as refeições: todos tendem a olhar, a escutar e, consequentemente, a se calar. Nessas condições, a criança reprime curiosidades, acontecimentos e descobertas que gostaria de compartilhar, de expressar. Concordamos com Larrosa (2002, p. 23)[2], quando o autor nos revela que

A velocidade com que nos são dados os acontecimentos e a obsessão pela novidade, pelo novo, que caracteriza o mundo moderno, impedem a conexão significativa entre acontecimentos. Impedem também a memória, já que cada acontecimento é imediatamente substituído por outro que igualmente nos excita por um momento, mas sem deixar qualquer vestígio.

Nesse sentido, pode-se afirmar, crianças que passam mais tempo ouvindo histórias contadas, por meio dos livros infantis, são as que melhor respondem ao desenvolvimento socioemocional, intelectual e cognitivo, pois, além de ser entretenimento que possibilita a identificação com os personagens, favorece o contato afetivo, promove melhor compreensão de si mesmo e libera a imaginação, fecundando-a. É necessário e urgente estimular a leitura, a contação de histórias, para tanto, recomenda-se a leitura dos contos. Nesse processo, o leitor realiza um trabalho ativo na construção de sentidos que, por sua vez, trespassam as experiências humanas, demandando curiosidade espontânea, pois o modo como se aprende a ler pode instigar ou não as ações transformadoras pessoais e o seu entorno.

É por meio do diálogo entre a criança e o texto que é possível ocorrer o entrelaçamento dos efeitos das experiências anteriores, apreendidas no convívio social, um processo de interlocução fundado em interações sociais anteriores, que enriquecem o arquivo de memórias. São essas práticas socioculturais dos modos de ler que possibilitam outros gestos instigantes de leituras subjetivadoras.

 

 Profa. Ma. Leny Pimenta

Profa. Dra. Elaine Assolini

 

[1]O Zeitgeist é o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as características genéricas de um determinado período do tempo.

[2]LARROSA, J. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista brasileira de educação, Espanha, n. 19, p. 20-28, jan./fev./mar./abr. 2002.

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