A EDUCAÇÃO PELO VIÉS DA PSICANÁLISE EM INSTITUIÇÃO – UMA EXPERIÊNCIA NA ONG SARA

A EDUCAÇÃO PELO VIÉS DA PSICANÁLISE EM INSTITUIÇÃO – UMA EXPERIÊNCIA NA ONG SARA

O trabalho com crianças e adolescentes em instituições de qualquer segmento não escapa das questões educacionais, quando pensamos a educação como aquilo que possibilita que advenha um ser humano, membro de uma sociedade e de uma cultura, um sujeito singular e insubstituível (CHARLOT, 2013).

Com a ONG SARA – Serviço de Aprendizagem Rural ao Adolescente, que atua no âmbito da assistência social, na vizinha cidade de Cravinhos, não é diferente. A organização foi fundada em 1995 com o objetivo de coibir a mão de obra infantil no corte da cana-de-açúcar, que era uma prática corriqueira na época, na rica região de Ribeirão Preto.

Felizmente, esta realidade foi erradicada e com isso o trabalho da ONG se diversificou. Atualmente, o SARA desenvolve projetos culturais de arte-educação e de preparação e inserção no mercado de trabalho, com ênfase na valorização da história. Visa com isso tirar seus alunos do anonimato urbano, auxiliando-os na construção de seu lugar social através do trabalho, e ainda, ampliar seus repertórios de recursos simbólicos através da arte.

Depara-se, nessas práticas, com as questões da educação na fase em que Calligaris (2009) definiu como uma das formações culturais mais poderosas de nossa época: a adolescência. Esta é uma fase de triagem e escolhas, no entanto, sabemos que não há escolhas que prescindam de indicativos, direções, determinantes que lhe são anteriores. 

De acordo com Alberti (2008) o sujeito recebe tais referências ao longo de sua infância, através dos pais, educadores, colegas, meios de comunicação, enfim, do mundo a sua volta, através do que lhe é transmitido pela linguagem falada, escrita, visual, comunicativa ou ainda pelo silêncio. E pode ainda continuar recebendo esses mesmos indicativos, direções e determinantes, ao longo de todo processo adolescente, desde que não falte quem lhe possa transmiti-lo.

Nesse ponto, em consonância com Alberti (2008), localizamos um dos papéis da instituição através de seu trabalho e suas atividades, que é de transmissão. A direção de um trabalho, um planejamento de atividades, cria uma atmosfera e uma aposta que se transmite aos atendidos.

A direção do trabalho institucional na ONG SARA, bem como a fundamentação e justificativa de seus programas e projetos vem sendo pensada a partir de noções da psicanálise, como, por exemplo, as teorias de constituição do um sujeito, proposta por Jacques Lacan, já que para a psicanálise o sujeito não é inato, depende de uma operação lógica de inscrição no campo da linguagem.

Apesar de a psicanálise ter sua origem no cerne da clínica psiquiátrica em meados dos anos de 1.900 e seu criador, Sigmund Freud, ter se dedicado a uma técnica para a clínica individual analista/analisante, sua teoria não ficou restrita aos psicanalistas e sua práxis inspira outros locais bem diferentes dos consultórios.

Dentro do ambiente institucional sua função não é clínica, mas seus conceitos possibilitam direcionamentos para a condução de cada situação, a partir de uma leitura, favorecendo os manejos coletivos. Além disso, nos enriquece na elaboração de propostas de atividades. Por exemplo, entendemos que não há natureza humana, mas sim condição humana e que, como já dito, a espécie humana precisa homicizar-se, sendo a linguagem o que humaniza o homem. Esse entendimento nos abre um campo de trabalho muito vasto de exploração das linguagens artísticas, por exemplo.

Entendemos que a partir da compreensão que cada um possui do que é um ser humano, de como este se constitui como humano, é que se pensa em como conduzir um trabalho. Essa questão é, assim, a nosso ver, fundamental para uma prática.

Dentro desse modo de atuação, no próximo ano a ONG desenvolverá um novo projeto chamado “Alfabetizando com história – Uma aposta no letramento” que teve aprovação da UNESCO, pelo Edital Criança Esperança e contará, para isso, com apoio financeiro.

O projeto surgiu para atender os adolescentes que frequentam a ONG e chegam à adolescência ainda com entraves na alfabetização e nível de letramento empobrecido. Durante alguns anos vimos alguns de nossos meninos sendo arrebanhados pelo tráfico de drogas. Vimos ainda que, este lugar encontrado à margem da lei, não se deu sem a tentativa de um trabalho com a mediação da ONG. No entanto, como um aluno com problemas na alfabetização concorrerá com outros, sem essa dificuldade, numa entrevista de seleção?

Assim nasceu o projeto citado que trabalhará na perspectiva do letramento que é um processo mais amplo do que a alfabetização, sendo esta última um dos aspectos da primeira. Esses dois fenômenos que não são coincidentes acontecem em diferentes condições de produção, o que lhes afeta de forma diferente. Tanto a alfabetização como o letramento para se efetivarem, precisam de mediações e intervenções de outros sujeitos (ASSOLINI, 2017) e esse será o nosso papel através do trabalho técnico e cultural.

Nessa problemática a psicanálise nos traz contribuições importantes no que diz respeito aos processos inconscientes na aprendizagem, uma vez que as propostas de reeducação com alunos que apresentam dificuldades para alfabetização se deparam com o limite da singularidade desses sujeitos.

Voltolini (2011) coloca que no campo da educação foi necessário reconhecer que a presença do inconsciente introduz entre educador e educando um controle impossível sobre qualquer cartilha de bons procedimentos educacionais, pondo em cheque a ficção do contrato entre eles na direção de melhores resultados.

Considerando esse impossível, mas sem cruzar os braços, o projeto vem como um desafio para os profissionais do SARA que se colocam em movimento em busca, mais uma vez, de uma virada em sua história. O trabalho renderá ainda um rica interlocução com o GEPALLE – Grupos de Estudos e Pesquisas em Alfabetização Leitura e Letramento da USP de Ribeirão Preto e quiçá pesquisas cientificas.

 

Silvia de Carvalho Machione Trindade-ONG SARA

Elaine Assolini

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