A ESCOLA E O “DIA DA FAMÍLIA”

A ESCOLA E O “DIA DA FAMÍLIA”

O presente artigo tem por objetivo refletir sobre o fato de que algumas escolas vêm suprimindo a comemoração do “Dia das mães” e “Dia dos pais”, substituindo pelo “Dia da família”. Notamos reações de estranhamento e até de não aceitação de tal substituição. Então nos perguntamos: em que se baseiam as referidas mudanças adotadas por algumas escolas?

Primeiramente, faz-se importante destacarmos a importância da parceria escola/família para o processo educativo, tendo em vista que ambas, de diferentes modos, possuem o objetivo de inserção do educando na cultura e na civilização (ARAGÃO, 2001). A comemoração do dia dos pais e do dia das mães nas escolas objetiva a aproximação com as famílias, mas pressupõe como modelo único de família aquele formado pelo conjunto de pai, mãe e filhos.

Porém, quando pesquisamos a literatura a esse respeito, encontramos, por exemplo, as contribuições de Roudinesco (2003) que aponta que os arranjos familiares sofreram diversas mudanças no decorrer da história, sendo que a família conjugal nuclear não deve mais ser vista como único modelo de organização. Na contemporaneidade, as famílias são organizadas tendo em vista o laço conjugal, objetivando a realização sexual. Nessa busca, os sujeitos vivenciam frequentes separações conjugais e produzem novos arranjos familiares.

O IBGE, por meio da Pesquisa Estatística do Registro Civil de 2015, contabilizou 328 960 divórcios e observou que, nas grandes regiões, a maior proporção de rompimento conjugal ocorreu entre ex-cônjuges com filhos crianças e/ou adolescentes. Nessa estatística, nem são mencionadas as uniões estáveis  (convivência e coabitação conjugal sem a formalização do casamento) de pessoas com filhos que também efetuam rompimentos conjugais.

O impacto das separações conjugais nos formatos das famílias é evidente. A partir disso, as crianças podem coabitar em duas casas diferentes e estar inserida em dois novos arranjos. Podem coabitar com avós, primos e tios. Além disso, Miranda Júnior (2009) afirma ser comum que as  figuras paternas afastem-se da convivência dos filhos após um rompimento conjugal em que a criança fica sob guarda unilateral da mãe. Tendo isso em vista, a comemoração de dia dos pais e mães nas escolas podem ser vivenciadas com sofrimento para crianças que não possuam a figura parental em questão (pai ou mãe), ou mesmo obrigar uma criança a homenagear uma figura que pode ser negligente ou agressora com ela.

Quando a família é composta por um adulto que tutela sozinho uma criança/adolescente, ela é conhecida como família monoparental. Geralmente essas famílias são constituídas por mães que cuidam sozinhas de seus filhos devido ao abandono afetivo e material dos pais. Além disso, também há casais homoafetivos que possuem o desejo de tutelar uma criança, seja por meio da adoção, seja por meio de tecnologias de inseminação artificial, também amplamente usadas por casais heterosexuais quando não conseguem gerar filhos pelos meios naturais.

Faz-se imprescindível destacarmos que há crianças e adolescentes que vivem em acolhimento institucional por medida protetiva, ou seja, foram retiradas de genitores devido à situação de violação de seus direitos. Os cuidadores e os pares que convivem na instituição de acolhimento são agora suas famílias, mesmo que haja a possibilidade dessas crianças retornarem a suas famílias de origem ou serem inseridas em famílias substitutas. Marin (2010) ressalta que as instituições ditas ‘não familiares’ também podem exercer as funções parentais de modo apropriado, desde que haja adultos que tutelem as crianças e que interditem as pulsões não condizentes com a vida em sociedade.

Para Lacan (2008), a função da família é basicamente inserir os sujeitos na cultura humana. Para que isso seja viabilizado, Vitorello (2011) destaca a necessidade das chamadas funções maternas e paternas que não necessariamente precisam ser executadas pelas figuras do pai e da mãe. Essas funções podem ser exercidas por adultos que tenham o desejo de tutelar uma criança independente de seu gênero e grau de parentesco.

Vitorello (2011) destaca que a função materna propicia a inscrição da criança no campo da linguagem simbólica. A pessoa que exerce essa função nomeia, interpreta e narra as necessidades que a criança apresenta e ainda não consegue nomear por si. Além disso, oferece à criança vivência de junção à instância tutelar, que é necessária para que o ser se estruture como sujeito. Quanto à função paterna, Pereira (2012) ensina que opera como um mediador entre a criança e o objeto de desejo. Transmite uma Lei sobre a impossibilidade de total satisfação em relação aos objetos.

A partir do exposto, ressaltamos que não existe um modelo de arranjo familiar ideal. Foram destacados os arranjos familiares  que contêm crianças e adolescentes, visto que estes estão nas escolas e seus membros são os atores das diversas comemorações no contexto escolar. O convite para os tradicionais “Dia das mães” e “Dia dos pais” pode estimular as crianças que não vivenciam o modelo nuclear a se perceberem excluídas, ou mesmo a família pode não se perceber convidada. (MACHADO; VESTENA, 2017). Desse modo, a escola não estaria estabelecendo parceria com a família e, assim, não exercendo suas funções educativas de modo contextualizado.

Finalizando, é dever da escola refletir e incorporar as alterações dos laços sociais no decorrer da história. Renovar/atualizar as datas comemorativas não é, de modo algum, retirar o valor da família, ao contrário, é valorizá-la como laço social de um modo não idealizado. Instituir o dia da família é cumprir com o objetivo da escola de romper com os discursos excludentes ao não priorizar apenas o arranjo de família nuclear como único modo de organização.

 

Dayana Coelho

Elaine Assolini

Referências Bibliográficas

ARAGÃO, R. O. A psicanálise no campo da Educação Infantil: uma aplicação possível. Em aberto., Brasília, v. 18, n. 73, p. 70-77, jul. 2001. Recuperado em 13 de outubro de 2017, de https://estacio.webaula.com.br/Cursos/gra038/conteudo/07_00/A_psicanálise_no_campo_da_educação_Infantil.pdf

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICAS - IBGE. Estatísticas do Registro Civil 2015. Rio de Janeiro, v. 42, p. 1-60, 2016. Recuperado em 13 de outubro de 2017, de https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/135/rc_2015_v42.pdf

LACAN, J. Complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em psicologia. 2a ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008.

MACHADO, D. A; VESTENA, R. F. Diferentes configurações familiares na escola: uma reflexão para seu acolhimento. Itinerarius Reflectionis- Revista eletrônica da Graduação/ Pós-graduação em Educação, v. 13, n. 2, 2017. Recuperado em 13 de outubro de 2017, de https://www.revistas.ufg.br/rir/article/view/46042

MARIN, L. S. K. Febem, família e identidade: o lugar do Outro. 3. ed. São Paulo: Editora Escuta, 2010.

MIRANDA JUNIOR, H. C. M. O psicanalista no tribunal de família: possibilidades e limites de um trabalho na instituição. 239 p. Tese ( Doutorado em Psicologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

PEREIRA, R. C. Direito de família: uma abordagem psicanalista. 3. ed. Forense, 2003.

ROUDINESCO, E. A família em desordem.1. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

VITORELLO, M. A. Família contemporânea e as funções parentais: há nela um ato amor? Psicologia da Educação, n. 32, p. 7-24, 2011. Recuperado em 26 de janeiro de 2017, de https://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-69752011000100002&lng=pt&tlng=pt.

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