ESCOLA, SOCIEDADE E DEMOCRACIA

ESCOLA, SOCIEDADE E DEMOCRACIA

Gostaríamos de seguir na esteira da reflexão, trazida neste blog em texto anterior, sobre as mudanças pelas quais a escola vem passando e, como essa questão envolve muitos e complexos aspectos, trataremos, ainda que muito superficialmente, sobre questões que envolvem a relação escola e democracia. Por quê?

Vivemos um contexto de discussões políticas que parecem pender para uma polarização de pouquíssimo diálogo e construção de acordos e consensos. Uma polarização "tapada" que só consegue ver e apontar falhas do outro lado da trincheira; não olha pra si, pro outro e para a (con)vivência coletiva, a qual não tem polos, não é "preto ou branco", mas sim "tudo junto e misturado". Há muito mais que 50 tons de cinza nesta paleta. Vivemos uma sociedade com altíssimo poder de expressão - principalmente via redes sociais - mas que pouco se preocupa com a impressão, com a interpretação. Todos querem ser ouvidos, poucos querem ouvir. E o que tem a escola a ver com isso?

Podemos afirmar que ainda estamos no "olho do furacão", vivendo - e muito provavelmente nunca deixaremos de viver - a relação entre "A escola de ontem e a escola que queremos". Assim, o cotidiano escolar constitui-se em uma trama complexa que envolve um certo "saudosismo senso-comum" das práticas tradicionais e uma difusão de teorias e ideias transformadoras a serem aplicadas. Neste labirinto, a regra é perder-se, como nos diz Demerval Saviani em seu livro "Escola e Democracia", do início dos anos 1980 e ainda atual.

A escola, historicamente, construiu-se como instituição nada democrática. O acesso era pra poucos, e poucos tinham legitimidade para definir "o que" ensinar e aprender, e "como" fazê-lo. Quando dizemos poucos não incluímos aí os professores e professoras do "chão de sala", em contato direto com os estudantes, mas poucos mesmo!

A degradação do trabalho, a separação entre "planejar" e "executar", instaurou-se em todos os níveis. A máxima "manda quem pode, obedece quem tem juízo" era (e ainda é em muitos lugares) a regra que resumia as relações entre professores e estudantes, professores e coordenadores, coordenadores e diretores, diretores e secretários municipais/estaduais, delegados, e assim por diante. Aliás, termos como "Delegacia de Ensino", "Boletim Escolar", "Prova" já dão muito pano para análises, fazem pensar no processo de transformação: alguns já foram abandonados, outros sobrevivem com força.

Desde a metade do século passado, com a expansão de teorias como a construtivista e a do pragmatismo, o qual afirma que só se aprende através da prática, da vivência significativa (o grande expoente dessa linha é o filósofo e pedagogo americano John Dewey) - o modelo educacional centrado no professor-executor-transmissor do conhecimento passou a ser questionado.

No Brasil, pós ditadura militar, 1988 em diante, leis e diretrizes passaram a trazer explicitamente como fundamentos para a Educação o que o mundo vinha discutindo e implantando há décadas: a formação para a cidadania crítica, autonomia, formação plural, a gestão democrática e a flexibilização dos currículos.

Como dissemos acima, hoje nos encontramos num ponto de aprendizado. A escola está aprendendo a ser democrática, a ouvir todos os envolvidos em seus processos, convivendo com a pressão pelo cumprimento de metas e índices e a necessidade de tempo para discutir, experimentar, avaliar, ajustar etc. Uma extensa história de autoritarismo, (des)mandos e opressão não se apaga do dia pra noite. A história não tem uma função "formatar", nem um botão "reiniciar".

Aprender a ouvir, a refletir, discutir e acordar leva tempo e estamos passando da ordem do fazer o que mandaram sem questionar para a lógica do pensamento crítico. Apple e Beane, referências no campo da Educação e democracia, em seu livro "Escolas Democráticas" dizem que "(...) o conhecimento é construído socialmente, é produzido e disseminado por pessoas que têm determinados valores, interesses e preconceitos" (APPLE; BEANE, 1997, p.26), portanto, a escola democrática deve encorajar questionamentos como: "Quem disse isso? Por que disseram isso? Por que deveríamos acreditar nisso? E Quem se beneficia se acreditarmos nisso e agirmos de acordo?" (Idem, p.26-27). É a negação da aceitação cega e passiva com a qual convivemos e sob a qual fomos/somos "educados".

Assim, a escola precisa ser o local privilegiado para que, desde cedo, aprendamos a relacionar nossos interesses individuais com o coletivo, saber que muitas vezes precisamos ouvir, aceitar, abdicar, expressar, lutar (argumentar). E isso não se fará por decreto, pois impor tal prática seria já uma contradição. "Destapar" os ouvidos alheios começa pela abertura dos nossos próprios. Professores, escutemos! Escutemos os estudantes, seus pais e responsáveis, os profissionais que trabalham ao nosso lado e o que essa sociedade polarizada nos diz para, então, ajudarmos a construir, a partir da escola, novas formas de relação social.

 Enio José  Porfírio Soares e Elaine Assolini
Fotos: Omar Freire / Imprensa MG 

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