A ESCRITA NA ESCOLA: ALGUMAS REFLEXÕES

A ESCRITA NA ESCOLA: ALGUMAS REFLEXÕES

É possível pensarmos a escola sem, concomitantemente, pensarmos a escrita?  

A aquisição da linguagem escrita é uma das principais tarefas que a sociedade atribui à escola, além de ser um indicador de sua eficácia no que concerne ao cumprimento desse objetivo. Assim, escrita e escola são realidades indissociáveis.

Sendo um saber processual, isto é, que permite um “continuum”, uma aprendizagem que dá abertura a (re)formulações, a escrita não é exclusiva, tampouco restrita ao conteúdo programático de ensino/ aulas de Alfabetização e Língua Portuguesa, uma vez que atravessa todas as disciplinas oferecidas na instituição escolar, implicando no desempenho dos alunos em termos de aquisição, elaboração e expressão do conhecimento, bem como nas decorrentes consequências no famigerado sucesso escolar.

Concordamos com Geraldi (2008), quando afirma que a instituição escolar vive e alimenta um paradoxo: ao mesmo tempo se diz formando para o futuro, o faz forçando para que o futuro seja a repetição do passado. Esse jogo ‘redundante’, de acordo com Geraldi (2006), tem uma razão de ser: é por meio da reprodução que se dá a fixação de valores e concepções ideológicas da sociedade, em outras palavras, a interpelação ideológica e o assujeitamento do sujeito por uma ideologia se perpetuam e se legitimam por meio de atividades que inibem a criatividade e valorizam o já posto.

Ainda segundo Geraldi (2006), na escola, de maneira geral se para escrever, ou seja, há uma dependência entre essas duas atividades; não se lê, por exemplo, apenas para saborear o texto, ou, ainda, para escutá-lo em profundidade, seja em que gênero discursivo for. Essa prática pode ser entendida como uma forma de contenção de sentidos, de estancamento pedagógico, na qual o novo, a produção de sentidos polissêmicos e, talvez, inéditos, é negada e inexploradas.

Não lemos apenas para escrever, lemos para contraler, para estruturar ideias, expectativas, (re)formular horizontes, para aprender a pensar e a questionar o que pensamos (DEMO, 2006). Assim, tanto a leitura quanto a escrita, mesmo sendo processos complementares, não são únicos, cada qual se relaciona de forma diferente com a linguagem. Por isso, não deveriam ser praticados com a finalidade de que um aconteça a partir da instauração do outro; nesse caso, o estudante somente conseguiria escrever se, antes, tivesse conseguido ler, segundo o entendimento de algumas teorias e alguns professores.

Mas, os rumos podem ser outros se, ao invés de a escola centralizar o ensino ‘no que’ direcionasse suas atenções para os seguintes aspectos: para quê, para quem, com que finalidade, em que condições de produção. A aprendizagem da linguagem pode proporcionar a exploração e conhecimento de si mesmo, de nossa subjetividade, do mundo que nos cerca e dos fenômenos que nele acontecem, o que poderia dar abertura para a criação de outras e novas zonas de sentido, como propõe a Análise de Discurso de Matriz Francesa, campo teórico ao qual nós nos filiamos desde sempre.

Fundamentados nos estudos de Assolini (1999, 2003, 2013, 2016) vimos destacando a importância de o sujeito estudante ocupar o lugar de interprete-historicizado (ASSOLINI 2003, 2013, 2015), isto é, daquele sujeito capaz de interpretar para além do literal, do que está posto no discurso parafrástico; falamos de um sujeito que tem como pressuposto a não relação direta entre linguagem-pensamento e mundo.

 Assim, do processo de ensino no sentido de Geraldi (2006), não se esperaria uma aprendizagem que devolveria o que foi ensinado, mas uma aprendizagem que se lastrearia na experiência de produzir algo sempre nunca antes produzido. Dessa prática resultaria que os textos encontrariam a sua intencionalidade, os seus múltiplos sentidos, descolando-se de práticas reducionistas, oferecendo aos estudantes meios para que deles brotassem outros textos e leituras, abrindo, assim, espaços para que sejam autores de suas produções. Nessas condições favoráveis de produção, todos poderiam escrever, porque seriam convocados a se expressarem a partir de seu arquivo e interdiscurso, conforme Orlandi (2006) e Assolini (1999 2003). Não seriam apenas pouquíssimos privilegiados que teriam acesso à escrita e seriam lidos, recebendo devolutivas de seus textos. Desconstrui-se-ia, assim, a ideia de escrever – bem – sem repetição do mesmo é algo restrito àqueles que foram privilegiados por uma educação diferenciada ou que nasceram com o “dom” da escrita.

Não poderíamos nos esquecer das “histórias de leitura de cada sujeito”. De acordo com Orlandi (2006), há fases, ciclos, em que se podem modificar o gosto pela leitura e pela escrita e o gostar e o querer influenciam sobremaneira nesse processo.

Nessa direção, a escola enquanto contexto de ensino da escrita romperia com o caráter artificial e mantenedor e passaria a produtor e contribuinte para o alargamento de possibilidades de promoção dos alunos, estimulando potencialidades, aprendizagens e partilhas de conhecimentos, além de dar abertura à autoria, no sentido atribuído por Tfouni (2005), na qual aquele que escreve, o autor, organiza seu discurso escrito, dando-lhe uma orientação, por meio de mecanismos de coerência e coesão, mas também garantindo certos efeitos de sentido e não outros que serão produzidos durante a leitura.

Em concordância com Assolini (2003, 2013, 2016) vimos defendendo a importância da instauração do que vem sendo denominado pela autora de “Espaços Discursivos”, ou seja, espaços onde tanto o sujeito-estudante quanto o sujeito-professor pudessem “falar de si” e expressarem sua subjetividade, o que lhes permitiria falar de suas emoções, sentimentos e argumentos.

Talvez, nossas colocações apontam para uma utopia, pois tais deslocamentos necessitariam de uma (re)definição tanto da escola e daqueles que dela fazem parte, como da sociedade que a sustenta. Mas, sendo fantasia ou não, o que se propõe é a reflexão/ ação, pois sendo a escola um aparelho ideológico, a (re)definição poderia iniciar-se nela, alastrando-se, aos pingos, talvez, para o restante da sociedade.

 

Josiane A. de P. Bartholomeu

Elaine Assolini

 

REFERÊNCIAS

ASSOLINI, Filomena Elaine Paiva. Grupo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Letramento- Gepalle- 2016.

ASSOLINI, F.E.P. Interpretação e Letramento: os pilares de sustentação da autoria. Tese de Doutorado. Ano de Obtenção: 2003.

__________, F.E.P.Pedagogia da leitura parafrástica. Dissertação de mestrado. USP: Ribeirão Preto, SP: 1999.

________, F.E.P.O discurso lúdico na sala de aula: letramento, autoria e subjetividade.ASSOLINI, F.E.P.; LASTÓRIA, A.C. Diferentes Linguagens no Ensino Fundamental. 1ª. ed. Florianópolis: Editora Insular, 2013.

CARVALHO, J.B. A escrita na escola: uma visão integradora. In Revista Interacções, 2006. https://revistas.rcaap.pt/interaccoes.

CARVALHO, J.B. Ensinar e aprender a escrever no século XXI – (Re)configurando um velho objeto escolar. Anais do SIELP. Volume 2, Número 1. Uberlândia: EDUFU, 2012.

GERALDI, J.W. Ler e escrever – uma mera exigência escolar? In seer.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/sell/article/download/20/27, 2006.

GERALDI, J.W. A presença do texto na sala de aula. In MUNIZ, G. Lingua(gem), texto, discurso: entre a reflexão e a prática. Rio de Janeiro: Lucerna; Belo Horizonte, MG: FALE/ UFMG, 2006.

ORLANDI, E.P. Discurso e Leitura. São Paulo: Cortez, 2006.

TFOUNI, L.V. Letramento e Alfabetização. São Paulo, Cortez, 2005.

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