FORMAÇÃO CONTINUADA: SEUS DISCURSOS E SUAS FACES

FORMAÇÃO CONTINUADA: SEUS DISCURSOS E SUAS FACES

Compreender os emaranhados da formação continuada implica descortinar as condições de produção nas quais esse fazer se desenvolve. O que significa adentrar nos questionamentos, nas contextualidades, na(s) formação(ões) do sujeito, e ainda, compreender as miríades que os compõem. Para tanto, é preciso traçar os pontilhados da história já que se trata de um espaço composto pelo entrelaçamento de discursos, sujeitos e conhecimentos que não se constituem fora dessa historicidade.

A formação continuada de professores passou a ser discutida no Brasil com grande ênfase a partir de 1960. No estado de São Paulo, especificamente, a formação teve sua materialização na década de 1980, assim como nos ensina Pimenta (2002, p. 72). De acordo com a estudiosa, foi um espaço “duramente conquistado pelos profissionais da educação pública estadual paulista”. Isto nos mostra que a construção da formação continuada teve sua efetividade com os sujeitos professores reivindicando esse momento e espaço para estudos e reflexões.

Desde então, vários foram os estudos e olhares sobre este local que compreende a continuidade da formação dos sujeitos professores, configurando um espaço que encerra um fluxo exacerbado de discurso e nem sempre efetivo lócus de mudanças. Assim como aponta Nóvoa (2009, n.p.), “[...] há um excesso de discursos, redundantes e repetitivos, que se traduz numa pobreza de práticas.” Tal cenário nos leva a questionar as contribuições que a formação continuada traz para o trabalho docente, para a formação profissional e pessoal dos sujeitos professores. Consideramos que ela deve assumir

“[...] um papel que transcende o ensino que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza.” (IMBERNÓN, 2009, p. 15)

Assim, de acordo com alguns pesquisadores como, Pimenta, Nóvoa, Tardif, Anastasiou, Imbernón e Lima é necessário que os professores estejam inseridos em um contexto formativo que lhes possibilite a (re)criação de seus processos pedagógicos e as (de)cisões da profissão. Portanto, estamos delineado a formação continuada enquanto  “articulação entre o trabalho docente, e o conhecimento e o desenvolvimento profissional do professor, como possibilidade de postura reflexiva dinamizada pela práxis” (Lima, 2001, p. 30).

Então, não cabe concebê-la enquanto espaço de capacitação dos professores a fim de executarem e aplicarem determinadas tarefas, de forma que assumam um trabalho mecânico e com intensas determinações. Essas condições de produção não contribuem para a efetiva formação profissional, dando margem a construção de identidades docentes que são atravessadas por representações de um professor incapaz e desautorizado a assumir sua profissão enquanto autor.

            É importante destacar que as identidades docentes não são fechadas e nem únicas, mas sim multifacetadas e polifônicas, tecidas pouco a pouco diante do contexto sócio-histórico e ideológico  das relações desses sujeitos com os discursos e com os outros sujeitos que os cercam. Portanto, a formação continuada pode influenciar negativamente, se se valer apenas de pautas fechadas, voltadas para um currículo pouco humanizador nas quais os professores não se reconhecem enquanto profissionais capazes de dialogar com o que lhes é ofertado. Por outro lado, pode ser meio de levar o professor a se compor enquanto sujeito autorizado e legítimo para (des)construir os encaminhamentos da profissão.

Entretanto, “[...] os cursos de formação não percebem que o sujeito-professor se constitui e é constituído nesse lugar de complexidade, e atribuem a ele uma identidade fixa [...]” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 28) e, desse modo, procuram inculcar uma identidade que tem o sujeito enquanto técnico de um trabalho em que basta seguir receituários e comandos.  Contudo, a formação continuada, pautada na reelaboração da prática, pode oferecer condições de produção favoráveis para que a imagem e a autoimagem do sujeito-professor sejam (re)significadas e fortalecidas.

Assim, se faz urgente conceber a formação continuada enquanto local de instaurar novas formas de os sujeitos professores se relacionarem com a profissão para além dos métodos, pois, “[...] nela desponta como característica primordial a capacidade reflexiva em grupo, mas não apenas como aspecto de atuação técnica, e sim como processo coletivo para regular as ações, os juízos e as decisões sobre o ensino, já que o mundo que nos cerca tornou-se cada vez mais complexo, e as dúvidas, a falta de certezas e a divergência são aspectos consubstanciais com que o profissional da educação deve conviver [...]” (IMBERNÓN, 2009, p. 14)

Então, concebemos a profissão docente enquanto um fazer entremeado por vozes de vários sujeitos professores que pretendem controlar o sentido de sua profissão, que costuram dia após dia um novo saber, e alinhavam suas identidades em seu fazer.

A partir disso, é possível que se tenha uma profissão marcada pelo posicionamento do professor diante de seus fazeres. Ativo, de formação consistente e “preparado” a desenvolver seu trabalho. É nesse sentido que a formação continuada deve ser elaborada, a fim de propor o cultivo de um coletivo, a construção de identidade(s) e o movimento de pensar e conceber, na prática, as diretrizes, encaminhamentos teórico-práticos da docência.

Assim, de acordo com Nóvoa (1992), é necessário pensar a formação na própria profissão docente, ou seja, uma formação dentro da profissão, que considere antes de tudo os saberes docentes (TARDIF, 2002); atribuindo ao saber da experiência (PIMENTA, 1999), um estatuto epistemológico (SACRISTÁN, 1999).

Importa, dessa forma, “[...] valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas (NÓVOA, 1992, p.16).

Assim, por meio de um cultivo de formação, o professor poderá buscar caminhos para romper com a naturalização do sentido que coloca seu trabalho como ato de reprodução, a fim de atingir metas e, então, romper com esse imaginário de “fazedor” e não conhecedor, que, consequentemente, apaga sua posição de autor. Sendo assim, “a formação de professores pode desempenhar um papel importante na configuração de uma ‘nova’ profissionalidade docente” (NÓVOA, 1992, p.12), assegurando-lhe inclusive o aprendizado concernente ao lugar de autor, condição basilar para o exercício responsável e diferenciado da docência,

Tal formação reflexiva pautada na profissionalidade, é uma estratégia para o empoderamento dos educadores, a fim de combater as incertezas, as injustiças e o sucateamento da educação.  Portanto, configura-se em um projeto emancipatório que valoriza o trabalho docente e sua escola, uma vez que, ao assumir essa concepção promove o desenvolvimento profissional e pessoal dos sujeitos professores.

Maria Júlia Bocchio

Elaine Assolinni

 

Referências:

ECKERT-HOFF, B. M. Escritura de si e identidade: o sujeito-professor em formação. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2008

IBERNÓN, F. A necessária redefinição da docência como profissão. In: Formação docente e profissional: formar-se para a mudança e a incerteza. São Paulo: Cortez, 2009.

LIMA, M. S. L. A formação contínua dos professores nos caminhos e descaminhos do

desenvolvimento profissional. São Paulo. FE-USP. Tese de Doutorado, São Paulo, 2001

NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. IN: NÓVOA, A. (org.). Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

______. Para uma formação de professores construída dentro da profissão. In: NÓVOA A. Professores imagens do futuro presente. Lisboa: Educa, 2009.

PIMENTA, S. G. De professores, pesquisa e didática. Campinas: Papirus, 2002.

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