AS IMPLICAÇÕES DO DESEJO DO ALUNO NO FRACASSO ESCOLAR

AS IMPLICAÇÕES DO DESEJO DO ALUNO NO FRACASSO ESCOLAR

Thais Raquel Alves de Souza Fernandes

 Juliana Soler Donofre

Elaine Assolini

 

Introdução

 

O presente artigo tem a intenção de discorrer sobre o desejo de aprendizagem do aluno e o fracasso escolar, relacionando os dois fenômenos como causa e consequência respectivamente. A discussão terá como base o contexto histórico de surgimento e aplicação do termo “fracasso escolar”, além de uma pequena imersão no assunto. Ademais, também debateremos sobre a individualidade do estudante, uma vez que “não se pode alcançar um saber sem que se leve em conta o desejo.” (COHEN, 2013, p. 58). Frente às discussões e desafios, serão propostas iniciativas para que a resolução possa caminhar para o sucesso, em um futuro próximo ou, inicialmente, ganhar visibilidade.

 

O que é o fracasso escolar? - Uma contextualização histórica breve

 

Os estudos sobre o fracasso escolar no Brasil iniciaram em 1970, buscando investigar as causas dos altos níveis de repetência e evasão escolar. Como nessa época o ensino era inacessível à maioria da população, o sucesso escolar tornou-se algo excepcional, portanto, não havia necessidade de dar atenção àqueles que fracassavam, sendo considerados “espíritos fracos e preguiçosos” (SOUZA, 1988, p. 1).

Podemos compreender melhor o movimento de culpabilizar o sujeito pelo fracasso escolar sempre em primeiro lugar, deixando o sistema de ensino e as relações de poder de lado, pela obra de Patto (1999). Seu livro “A produção do fracasso escolar: Histórias de submissão e rebeldia” é base fundamental para quem pesquisa o tema mesmo após quase 30 anos de sua publicação. Na primeira parte desta obra ela registra uma relevante discussão teórica, atravessando o contexto histórico de construção dessa realidade, desde o início da era capitalista. Já na segunda parte, dialogando com essa pesquisa, são apresentadas as histórias de 4 sujeitos, que viveram a reprovação escolar.

A autora decide incluir a voz dessas crianças, de uma escola de primeiro grau da periferia de São Paulo em sua pesquisa, alegando que “... Nas publicações sobre evasão e repetência, as crianças são invariavelmente reduzidas a números frios e impessoais ...” (PATTO, 1999, p. 22). Pela pesquisa da autora podemos compreender o fracasso escolar como “.... um processo psicossocial complexo ...” (PATTO, 1999, p. 21), de modo que não cabe mais a afirmação de que o sujeito é responsável pelo seu fracasso, mas sim que o sistema educacional gera obstáculos para que esses alunos permaneçam na escola e concluam seus estudos.

 

E porque o fracasso escolar se relaciona com o desejo do aluno?

 

Um dos maiores obstáculos que podemos considerar é construído quando o docente julga o que é melhor para o aluno, o que ele deve ser ou deixar de ser, o que ele deve ou não deve aprender, o que ele sabe e o que ele não sabe. Pressões são impostas de todos os lados, deixando de considerar quem é o aluno, o que lhe atrai, o que lhe incomoda, entre outras questões de sentido subjetivo, mas, que principalmente, deixam de lado sua individualidade. Ignora-se que o aluno é um ser que constrói conhecimentos próprios que podem ser relevantes na construção do ato educativo, uma vez que, o ensinar, o aprender estão interligados e acontecem mutuamente: o aluno aprende com o professor e o professor também aprende com o aluno.

Grande parte das escolas, atualmente, utiliza um material didático e o colocam acima de tudo. Desde a sequência em que os conteúdos serão ensinados, a forma como serão trabalhados, até a duração de cada atividade, são ditadas pelos livros, aliado a isso, temos a imposição do sistema para que os docentes sejam obrigados a seguir o material. De forma alguma existe aqui a intenção de criticar esses materiais, pois são desenvolvidos por profissionais capacitados e podem ser muito bem aproveitados, no entanto, devido à imposição de seu uso à risca, torna-se muito mais difícil levar em consideração as particularidades de cada turma e, principalmente, de cada aluno.

Em raras exceções, alguns professores conseguem fugir dessa exigência, adicionando ideias próprias, trabalhando de uma forma que os agrade mais, porém, ainda assim, deixando de lado a individualidade de cada aluno, além do contexto em que ele está inserido. Em algumas exceções mais raras, ainda, existem instituições que não utilizam um material pronto, os planejamentos de aula são feitos pelo próprio corpo docente, ou seja, os professores, as professoras e os coordenadores, sem que haja uma participação, mesmo que mínima, do corpo estudantil.

Podemos refletir sobre esse assunto, pensando em um cenário hipotético e fantasioso, de uma sala de aula na floresta, composta por macacos, peixes e vários outros animais. O docente responsável pela turma desenvolve uma atividade: subir na macieira e pegar a maçã no ponto mais alto que conseguir. O aluno macaco sai-se muito bem, pois é favorecido pelo contexto em que está inserido, que é viver pulando de árvores altas em árvores altas. Já o aluno peixe não pôde ao menos tentar realizar a atividade proposta, dado pelo fato de não poder sair do rio. É possível perceber que a atividade não foi desenvolvida levando em conta as individualidades de cada aluno, muito menos o contexto social, histórico ou psicológico em que o aluno estaria inserido. O aluno peixe estaria fadado ao fracasso escolar, por não ter tido nem a oportunidade de mostrar suas habilidades e qualidades, perdendo a vontade de frequentar a escola.

Levar em conta o desejo do aluno é um caminho para que o ensino seja mais efetivo. Alunos motivados, bem comprometidos e bem inseridos no ambiente escolar, têm chances menores de evasão escolar, bem como de reprovação.

 

Conclusão

Dessa forma, defendemos que é importante e necessário que o aluno seja levado em consideração no planejamento das atividades da escola. Que seu contexto e seus desejos venham influenciar o trabalho docente, para que dessa forma o processo de ensino-aprendizagem afete esse aluno, oferecendo oportunidade de participação. Aquilo que faz parte do seu cotidiano deve fazer parte também de sua vivência escolar, das temáticas e dos projetos elaborados para a turma. As comemorações realizadas na escola devem incluir a comunidade onde essa escola está inserida, o que o aluno tem de interesse deve ser o propulsor das atividades realizadas, deve estar presente até mesmo na avaliação, que não necessita ser na folha de papel tradicional. A avaliação também deve incluir a diversidade de alunos presentes na escola, cabendo ao professor levar essa diversidade em consideração, ao planejá-la. Mudanças podem ocorrer quando a escola agir, planejar e desenvolver-se, não pensando em si mesma, na facilidade do seu trabalho, mas sim no aluno, aquele que é o centro do ato educativo. Quando isso ocorrer, veremos nesse aluno, o brilho nos olhos, a vontade de participar dessa escola, a vontade de ficar.  

Referências bibliográficas

 

COHEN, R. H. P. O fracasso escolar a partir da interface entre psicanálise e educação. Olh@res, Guarulhos, v. 1, n. 2, p. 56-68, novembro 2013. Disponível em: https://periodicos.unifesp.br/index.php/olhares/article/view/146. Acesso em: 22 nov. 2021.

PATTO, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999

SOUZA, M. C. C. C. de. À sombra do fracasso escolar: a psicologia e as práticas pedagógicas. Estilos da Clínica, [S. l.], v. 3, n. 5, p. 63-83, 1998. DOI: 10.11606/issn.1981-1624.v3i5p63-83. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/estic/article/view/60736. Acesso em: 22 nov. 2021.

 

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