A LEITURA NA PERSPECTIVA DISCURSIVA: considerações iniciais

A LEITURA NA PERSPECTIVA DISCURSIVA: considerações iniciais

Na perspectiva da Análise de Discurso de Matriz Francesa (pecheuxtiana), a leitura está sempre em construção, não sendo um simples ato mecânico de decodificação de ideias prontas. Pensar a leitura à luz da perspectiva discursiva é pensar em um processo complexo de atribuição de sentidos ao texto. De acordo com Orlandi (1996, p. 186), “(...) a leitura é o momento crítico da constituição do texto, é o momento privilegiado da interação, aquele em que os interlocutores se identificam como interlocutores e, ao se constituírem como tais, desencadeiam o processo de significação do texto”. Deste modo, é na interação que os interlocutores instauram o espaço da discursividade, o que significa que a leitura é produzida.

A Análise de Discurso de Matriz Francesa (Pecheuxtiana), dorante AD, não considera a leitura como um produto, mas sim como um processo de produção de sentido. O leitor, assim, tem papel importante, pois ocupa lugar ativo, a partir do qual atribui sentidos ao texto. Atribuir sentidos “ (...) é trabalho do imaginário, da ideologia: fazer laço, estabelecer relações, ordenar, classificar, comparar, transformar este novo que perturba em algo sempre já-lá” (TFOUNI, 2008, p. 143).

Orlandi (1996) diz que toda leitura tem sua história, o que explica o fato de que leituras que são possíveis, para um mesmo texto, em certas épocas, não o foram em outras, e leituras que não são possíveis hoje o serão no futuro. E explica também o fato de que lemos diferentemente um mesmo texto, em épocas distintas e sob condições diferentes.

Ainda de acordo com essa autora, os sentidos têm sua história, também o leitor tem sua história de leituras. As leituras já feitas configuram, segundo Orlandi (1996), a compreensibilidade do texto de cada leitor específico.

Temos insistido sobre a importância de a escola, em especial o trabalho pedagógico desenvolvido pelo sujeito-professor na sala de aula, considerar a história de leitura dos educandos, o que contribuiria para que pudessem falar, pensar, interpretar e escrever a partir de seu interdiscurso. Considerar o interdiscurso do estudante permite ao sujeito-professor mobilizar zonas de sentido que afetam o estudante, sentidos com os quais se identifica, o   que poderá incentivá-lo no processo de aprendizagem da leitura ( cf. ASSOLINI, 1999, 2003, 2008, 2010, 2013).

Todo discurso se faz nessa tensão entre o mesmo e o diferente, ou seja, entre a paráfrase (estabilização de sentidos) e polissemia (multiplicidade de sentidos). E os sentidos sempre podem vir a ser outros. Isso porque a língua é sujeita à falha, ao equívoco, à ideologia; o sujeito, que se aproxima de um texto a partir de um lugar social, determinado ideologicamente, assume uma posição-sujeito, preso à sua história de leituras e a outros discursos que ressoam do interdiscurso e atravessam a sua leitura. As leituras produzidas pela posição-sujeito, portanto, sempre irão carregar sentidos de outras leituras e discursos, já realizados.

Nesse contexto, gostaríamos de lembrar que, no enfoque da AD, a constituição do texto pelo sujeito é heterogênea, ou seja, ele, o sujeito poderá ocupar várias posições no texto. Isso significa dizer que o texto é atravessado por várias posições do sujeito, que correspondem a diversas formações discursivas (Cf. Orlandi e Guimarães).

Abordar o texto, a partir do enfoque discursivo, requer o entendimento de que qualquer acontecimento enunciativo será sempre permeado pela tensão e pelo conflito. Requer entender também que a incompletude é a condição da linguagem: nem os sujeitos, nem os sentidos e, portanto, nem o discurso estão prontos, acabados, podendo ser tratados como “encerrados”, “finalizados”.

Se a escola e o professor desenvolverem práticas pedagógicas pautadas no entendimento da incompletude da linguagem, no equívoco da língua, nas inúmeras possibilidades de deslizamentos de sentidos, na consideração de que o sujeito é afetado pela sua história pessoal, pelo interdiscurso, pela posição que ocupa naquele contexto sócio-histórico, cultural e ideológico, poderão contribuir para que os educandos desconstruam e reconstruam na leitura, o sentido produzido por determinado texto. A desconstrução e a reconstrução poderão explicitar o funcionamento ideológico daquele texto, as formações discursivas que ali circulam, as formações ideológicas às quais essas formações discursivas se remetem, as posições de sujeito inscritas nessas formações discursivas, os efeitos de memória, enfim.

Queremos dizer com isso que a leitura na perspectiva discursiva exige um leitor ativo, crítico, capaz de muitos gestos interpretativos, um leitor atento, sempre disposto a saber que o sentido pode ser outro, mas não qualquer um.

Trabalhar a leitura a partir do enfoque discursivo pode ser um movimento importante por parte da escola, no sentido de romper com discursos e práticas que tão somente reproduzem sentidos estabilizados que em nada contribuem para o desenvolvimento pessoal e escolar do aluno.

 

Profa. Dra. Elaine Assolini

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