MAL-ESTAR DOCENTE (A)GRAVADO NA PANDEMIA?

MAL-ESTAR DOCENTE (A)GRAVADO NA PANDEMIA?

Jéssica Vidal Damaceno

Filomena Elaine Paiva Assolini

 

Observamos pelas experiências de estágio, participação em cursos de formação, oficinas pedagógicas e eventos científicos, que os professores da rede pública estadual sofrem. O sofrimento dos professores pode ser identificado pelos Manuais de Patologia Clínica que buscam o tempo todo nomear as diferentes formas de sofrimento. De forma pontual, identificamos esse sofrimento nas queixas naturalizadas, no choro, no desespero, na angústia, no silêncio, na depressão, no transtorno de personalidade borderline, na síndrome de burnout, no transtorno obsessivo compulsivo, nas enxaquecas, nas alergias, entre outros.

Todas essas formas de nomear o sofrimento encontram respaldo no corpo físico ou em transtornos da mente, relacionando-se diretamente com o organismo biológico. Não descartamos que essas patologias de fato afetam o corpo do humano e produzem reações, mas acreditamos que há algo nessa relação que vai além do patológico, algo que se encontra do campo do simbólico, tem relação com o real e pode ser estudado também por vias da linguagem.

Tendo como pressuposto que os profissionais da educação sofrem por demandas especificas desse fazer, julgamos pertinente falar desse Sofrimento, desse contexto de Mal-estar e do(s) Sintoma(s) para tentar dar uma nova direção a essas novas formas de relação contemporânea que se concretizam na escola. Com isso, acreditamos que a Educação Pública Brasileira tende a ganhar, porque seus professores estarão nutridos, animados, vigorosos e enxergarão beleza em seu fazer. Os problemas escolares não podem mais ser escondidos, é preciso falar sobre eles, colocar o dedo na ferida, para depois tentar curá-las.

Como agravante no contexto educacional, deparamo-nos em 2020 com a Pandemia do coronavírus, que afeta significativamente o fazer educacional. Nesse contexto pandêmico observamos um mal-estar (a)gravado pelas novas formas de fazer a aula acontecer. Da noite para o dia, os professores se depararam com novas demandas, novas exigências e as duras condições de trabalho estão ainda mais gritantes porque sabemos, através de relatos, que os professores foram obrigados a aprender a lidar com as tecnologias, a gravar vídeos explicativos, a desenvolver novas práticas pedagógicas no meio digital; os computadores de qualidade e a internet se tornaram essenciais, as horas de trabalho não são mais cronometradas pelos relógios e horários escolares, pois a relação trabalho, espaço e tempo foi totalmente reconfigurada com a chegada da covid-19. Vivenciamos novas formas de sofrimento, novas práticas, novas demandas e novas relações, o que justifica ainda mais a relevância de pesquisas que dão espaço à singularidade desses profissionais. 

Para articular os três conceitos apresentados anteriormente, buscamos nas pesquisas de Dunker (2015) uma forma de entendimento que ultrapassa as patologias descritas nos manuais. Com o autor, assumimos que o Sintoma está relacionado com a subjetividade do humano e que não podemos simplesmente retirá-lo de circulação; isso porque o Sintoma é a verdade do sujeito, é o que ele consegue melhor fazer com o seu sofrimento e está relacionado com a sua história de vida. O Sintoma é como uma parada, uma repetição no (des)enrolar da vida. O que podemos fazer é dar um novo sentido a ele, uma nova significação, desde que o sujeito possa falar sobre ele, desde que se tenha um espaço de escuta para mostrar esse sintoma. Por outro lado, o Mal-estar está mais ligado a uma esfera social e coletiva, e se relaciona com a nossa condição de existência. Quando Freud (2011) diz que o Mal-estar é inerente à condição humana, entendemos que isso ocorre porque somos seres atravessados pela linguagem, pois ao falar nós nos descentramos e nos permitimos viver experiências ao mesmo tempo, determinadas e indeterminadas. Essa dualidade característica do homem constituído pela linguagem ganha um caráter positivo quando nos colocamos a viver com liberdade e escolher nossos caminhos, mas, por outro lado, também pode gerar desconforto e males. Isso é o que entendemos por Mal-estar.

Na relação do Mal-estar com o Sintoma, Dunker (2015) propõe a noção de Sofrimento, que se articula com o particular desse sujeito que vive no contexto amplo social. Transcendendo a nomeação desse Mal-estar de origem filosófica, o pesquisador coloca que o Sofrimento possui uma estrutura de narrativa que depende de atos de reconhecimento e que, por isso, vai mudando com a história do sujeito, ao passo que o próprio sujeito escolhe uma ou outra forma de sofrimento que ele deseja trazer à tona. Assim, o Sofrimento torna-se legitimo com os atos de reconhecimento que podem advir tanto da esfera institucional como da subjetiva e de sua inscrição na própria história.

No caminho que nos propomos a trilhar, concluímos que as condições de trabalho impactam as práticas pedagógicas escolares por duas vias. A primeira delas no sentido de que as condições de trabalho, vistas aqui como uma forma de Mal-estar Docente, relacionam-se diretamente com o Sintoma do sujeito-professor, que pode colocá-lo numa posição de estagnação, de não fazer, de repetição e não responsabilização. A segunda via, concernente ao impacto nas práticas pedagógicas, pode acontecer pela não implicação do sujeito-professor com a sua própria formação.

Por isso, defendemos os Espaços Formativos como um caminho possível no reconhecimento de que não é possível livrar-se do sintoma, mas que é possível (trans)formá-lo, ressignificá-lo e, assim, as queixas repetidas se deslocam do campo óbvio para a direção das representações da palavra por meio da inquietação e desassossego durante a formação. Em todo caso, esses Espaços Formativos precisam ser bem construídos para que o sujeito-professor caminhe da impotência à compreensão e ressignificação de suas práticas.

Três aspectos são essenciais para esse processo de deslocamento e ressignificação. São eles: a) a Escuta; b) o Arquivo; c) o Cuidado de Si. Os professores precisam ser escutados, suas queixas e sofrimentos precisam ser acolhidos e entendidos como um produto das relações sociais contemporâneas, pois sabemos que o ser humano precisa de um amparo. Quando escutamos o outro, oferecemos a ele a possibilidade de também se escutar e então de se (res)significar. Conjuntamente à possibilidade de falar de si e de sua prática, os espaços formativos precisam oferecer conteúdo, saberes específicos da área. Os profissionais necessitam de arquivo para lidar com os desafios do fazer docente e embasar suas práticas. E, ainda, criar possibilidades para que o sujeito possa cuidar de si, possa buscar situações que lhe tragam prazer e bem-estar, pois isso também é imprescindível para a saúde física e mental dos professores (ASSOLINI, 2019).

Por fim, destacamos também que, na pandemia do coronavírus, a necessidade de criação se faz ainda mais presente e que, nesse processo, podemos dar um sentido estético aos impulsos reprimidos que podem tornar-se práticas de sublimação, conforme Gurski (2014), “se a macroestrutura não modifica, façamos nós a revolução minimalista”.

 

Referências

ASSOLINI, F. E. P. A Escola Deve Ser Bela. Revista Revide. Blog Educação Escolar. Ribeirão Preto, 21 de junho de 2015. Disponível em: https://www.revide.com.br/blog/elaine-assolini/escola-deve-ser-bela/ . Acesso em: 19 setembro 2019.

DUNKER, C. I. L. Mal-estar, Sofrimento e Sintoma: uma psicopatologia do Brasil entre muros. São Paulo: Boitempo, 2015. 416 p.

FREUD, S. O Mal-Estar na Civilização. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011. 93 p.

GURSKI, R. Três tópicos para pensar “a contrapelo” o mal-estar na educação atual. In: VOLTOLINI, R. (Org.). Retratos do Mal-estar Contemporâneo na Educação. São Paulo: Escuta/Fapesp, 2014, p. 167 – 180.

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