O dia 20 de novembro e todos os outros dias…

O dia 20 de novembro e todos os outros dias…

A primeira vez que soube que o dia 20 de Novembro era o dia da consciência negra fui tomado pela presença de um sentimento de justiça – um dia para lembrar como a sociedade brasileira é racista, preconceituosa e pouco demonstra (em alguns casos este pouco é quase nada) vontade de alterar suas verdades, comportamentos e representações acerca do povo negro.

Tal sentimento se fazia como vitória, porém, muitos de meus amigos, colegas, professores, familiares (brancos e negros) me questionavam: se o dia 20 de Novembro é o dia da Consciência Negra, os outros dias são da Consciência Branca? O dia da Consciência Negra não seria uma data responsável pelo reforço do racismo e da discriminação no Brasil, na medida em que não existe um dia para a Consciência Branca? Por que o dia 20 de novembro e não mais o dia 13 de Maio (“Libertação dos escravos”)?

Com base nestas questões, proponho neste texto compreendermos dentre os sentidos vários que nascem desta data no calendário alguns destes vinculados à construção da data, visualizando contornos projetados sobre o 20 de Novembro, em função de sua criação.

Para começarmos, história. A data 20 de Novembro sempre foi dia da Consciência Negra no Brasil? Claro que não. É preciso que voltemos no tempo, no processo de decisão sobre o calendário nacional, e para tal, teremos que compreender a trajetória do movimento negro brasileiro – responsável direto por esta ação.

Na década de 1980, o MNU (Movimento Negro Unificado) visava a um conjunto de ações que norteava a luta contra o racismo no Brasil, a saber: a luta pela desmistificação da democracia racial brasileira; a organização política da população negra transformando o Movimento Negro em movimento de massas; a organização nos sindicatos e partidos políticos; a luta pela introdução da História da África e do Negro no Brasil nos currículos escolares; a busca pelo apoio internacional contra o racismo no país; entre outros.

Dentro deste contexto, o MNU revisitou/questionou/aboliu algumas “verdades” socialmente aceitas em nossa sociedade, em especial, a noção de democracia racial (Gilberto Freyre) que avalia o processo histórico da escravidão no Brasil como “brando”, “leve” e crê na relação amistosa e positiva entre brancos e negros em nosso país, não vendo racismo ou preconceitos em terras tupiniquins.

No desejo de alterar o presente, forjado em tal equivocada informação e publicizada no livro Casa Grande & Senzala, o MNU execrou os símbolos de passividade negra como o culto a “mãe preta” ou a “ama de leite”; negou o dia 13 de Maio até então concebido como data festiva da abolição da escravidão e o ressignificou como Dia nacional de Denúncia contra o Racismo, e mais, para salientar o protagonismo negro buscando legitimar esta nova concepção de luta, o movimento escolheu a (presumível) data de morte de um de seus mártires – Zumbi dos Palmares - para celebrar o Dia da Consciência Negra, dia 20 de Novembro.

Portanto, diante do explicitado, questiono o leitor quanto à sua percepção sobre este calendário socialmente construído, e além. Mesmo diante das necessidades urgentes de luta contra o racismo, fico aqui ainda olhando para este texto sem saber como o leitor se posicionará quanto à questão das cotas, sobre a violência (policial ou mesmo social) que cai ao povo negro, as diferentes chances e oportunidades no mercado de trabalho, a ditadura da estética e da beleza branca, o passado escravista que (sempre) retorna em silêncios e um “dar de ombros” que se manifesta geralmente com um suspiro, indicando o (des)vínculo dos  sujeitos “presentistas” ao passado que nos pesa e nos constitui.

 

Prof. Me. Rafael Cardoso de Mello

Profª Drª Elaine Assolini

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