O MÉTODO FÔNICO NA ALFABETIZAÇÃO: características e limitações

O MÉTODO FÔNICO NA ALFABETIZAÇÃO: características e limitações

O método fônico surge como reação à soletração e seu uso é mencionado na França, por Vallange, em 1719, na Alemanha, por Enrique Stephani, em 1803 e trabalhado e propagado por Montessori, na Itália, a partir de 1907. Partindo do princípio segundo o qual a criança aprende a ler por meio da relação direta entre o som da fala e a escrita, o método fônico integra o conjunto de métodos sintéticos, ou seja, aqueles métodos que partem de unidades menores da língua para, aos poucos, alcançar as maiores.

O ensino, no método fônico, inicia-se pela apresentação do som e da forma das vogais. Posteriormente, ocorre a apresentação das consoantes. Em algumas situações, o professor escreve a letra na lousa, emite o seu respectivo som e pede às crianças para repeti-lo. O avanço, nesse processo, se dá por meio da combinação de sons, o que pode ser iniciado antes mesmo de a criança dominar todas as letras do alfabeto. As palavras, as frases, os textos são trabalhados em sala de aula somente quando a criança já domina boa parte dos fonemas.

É desejável, nesse contexto, apresentarmos o conceito de fonema, considerando que o método em pauta trabalha com essa unidade linguística. Para o linguista Jean Dubois e seus colaboradores (1973, p. 280), fonema “é a menor unidade destituída de sentido passível de delimitação na cadeia da fala”. Podemos, ainda, compreender o fonema como

 

unidade distintiva mínima e seu caráter fônico é acidental, ou seja, é uma unidade vazia, desprovida de sentido, e o que diferenciará um fonema de outro são apenas traços mínimos distintivos de palavras. Por exemplo, em faca e vaca, tanto o /v/ como o /f/, quanto ao ponto de articulação, são fonemas labiodentais, quanto ao modo de articulação, fricativos, porém, do ponto de vista da fonação, /f/ é surdo e /v/ sonoro; assim, o único traço que distingue /f/ de /v/ é a sonoridade de /v/ provocada pela vibração das cordas vocais com a passagem do ar (MENDONÇA, 2011, p. 26).

 

O trabalho com o fonema isolado é difícil e complexo, sendo realizadas atividades pedagógicas orais em que as crianças repetem, por exemplo, várias vezes “mmmmmmm” ou “ppppppp”, isto é, o som da letra M ou da letra P. Escolas e professores que adotam o método fônico dedicam muito tempo a exercícios repetitivos com o som dos fonemas, o que pode tornar a atividade exaustiva e tediosa tanto para a criança quanto para o professor. Outro problema desse método diz respeito à impossibilidade de que um fonema seja pronunciado sem apoio de uma vogal. Os fonemas são as menores unidades da língua, o que pode contribuir para que sejam difíceis de serem percebidos isoladamente, como propõe o método.

Outro ponto importante a ser assinalado é referente à língua portuguesa. De acordo com Lemle (1991), há poucas relações biunívocas (termo a termo) entre letras e sons, pois uma mesma letra pode representar diferentes sons da fala, de acordo com sua posição na palavra, e um mesmo som pode ser representado por diferentes letras, conforme sua posição na palavra. Ainda com base nas contribuições da citada pesquisadora, podemos dizer que o sistema de escrita é uma representação complexa e suas propriedades precisam ser compreendidas pelo aprendiz, por meio de diversas abordagens e estratégias (cf. LEMLE, 1991; FRADE, 2015).

É pertinente lembrar também que esse método prevê o que os especialistas denominam consciência fonológica, a qual pode ser compreendida como “a percepção de que as palavras são construídas por diversos sons” (MEDEIROS; OLIVEIRA, 2008, p. 45). Ainda de acordo com as autoras, “tal conceito diz respeito tanto à compreensão de que a fala pode ser segmentada quanto à habilidade de manipular esses segmentos” (MEDEIROS; OLIVEIRA, 2008, p. 45).

A consciência fonológica prevê a compreensão da estrutura da palavra, de seus segmentos, de suas (im)possibilidades de decomposição e do fato de que podem ser manipulados de diferentes formas. Assim, a criança deve compreender que cada som corresponde a uma letra e ainda perceber que fonemas e grafemas seguem organização sequencial no processo de constituição das palavras. Se tal sequência for alterada, poderemos ter outras palavras.

Especialistas nos estudos da linguagem entendem que a consciência fonológica se desenvolve gradualmente, à medida que a criança adquire conhecimento e consciência acerca dos fonemas, sílabas e palavras como unidades passíveis de identificação. Entretanto, é preciso destacar que as experiências da criança com a linguagem, de maneira ampla, e com a língua e com a fala, de modo particular, interferem nesse processo de conscientização, por assim dizer. Nessa linha de pensamento, não poderíamos deixar de lembrar o quão valiosas são as contribuições da Teoria Sócio-Histórica do Letramento, as quais nos mostram que o nível de letramento do educando contribui com o processo de alfabetização.

O método fônico deve ser trabalhado de forma contextualizada, ou seja, o ensino dos sons e de seus respectivos grafemas deve se dar a partir da apresentação de textos interessantes, por exemplo, ou de uma lista de palavras componentes do mesmo campo semântico – como a lista de brincadeiras preferidas das crianças, os nomes dos colegas, os objetos escolares etc. Sem o trabalho pedagógico contextualizado, o ensino do som pelo som e do grafema pelo grafema torna o processo de ensino-aprendizagem tedioso e desestimulante.

É fundamental, nesse sentido, que, caso opte por se valer do método fônico, o professor disponha de muitas atividades lúdicas e instigantes a fim de mostrar que cada palavra tem um som diferente. Assim, atividades como produção de rimas, composição e decomposição de palavras e bater palmas acompanhando a divisão de sílabas podem sensibilizar as crianças, despertando-lhes o interesse tanto pela palavra falada quanto pela palavra escrita.

É importante assinalar que método algum contribuirá para o ensino da leitura e da escrita se a criança não se relacionar positivamente com essas práticas culturais, quais sejam, a leitura e a escrita. Além disso, é fundamental que o professor invista e aposte em práticas e trabalhos pedagógicos contextualizados, ou seja, que dialoguem com as características sócio-histórico-culturais nas quais se dá o processo de ensino‑aprendizagem. Não é mais aceitável imaginar um ensino que não considere as marcas de seu tempo, bem como os impactos e reverberações que as mesmas trazem para o ensino da leitura e da escrita. Somam-se a esses argumentos os conhecimentos científicos de que dispomos hoje, que nos permitem compreender como as crianças aprendem e o que, para elas, faz sentido.

Sendo assim, o método fônico pode constituir-se em um instrumento importante para a alfabetização, desde que seja ensinado de forma contextualizada, lúdica e respeitosa para com os saberes acumulados pelas crianças.

Profa. Dra. Elaine Assolini

Referências

DUBOIS, J. et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 1973.

MEDEIROS, T. G.; OLIVEIRA, E. R. C. A influência da consciência fonológica em crianças alfabetizadas pelos métodos fônico e silábico. Rev. CEFAC, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 45-50, mar. 2008. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008000100007&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 25 mar. 2019.

MENDONÇA, O. S. Percurso histórico dos métodos de alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA/PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO; UNIVERSIDADE VIRTUAL DO ESTADO DE SÃO PAULO (Orgs.). Caderno de formação: formação de professores – didática dos conteúdos. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2. p. 23-35.

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