O SUICÍDIO E SUAS INTERFACES

O SUICÍDIO E SUAS INTERFACES

Prof. Joster Luis Lopes

Segundo Bertolote (2012), podemos definir suicídio como um ato deliberado, intencional, que tem como objetivo causar a morte a si mesmo. Tal ato é iniciado e executado por uma pessoa que tem clara noção e expectativa de que o desfecho será fatal e resultará na própria morte. Ainda pesquisando uma definição para suicídio, podemos abordar o termo introduzido na língua francesa em 1734 como sendo o ato de matar a si mesmo em decorrência de uma doença ou patologia, contrariando o termo anteriormente empregado “morte voluntária”, sinônimo de crime contra a vida (ROUDINESCO; PLON,1997, p. 740).

A dor que leva ao suicídio está impregnada de estados emocionais negativos, tais como culpa, vergonha, angústia e solidão, todos associados com ideais de morte e a intenção de encerrar essas emoções insuportáveis, dando término à própria vida. A ambivalência acerca do suicídio reside no fato de que o sujeito vai atrás da morte, porém deseja a intervenção de socorro quando sinaliza verbal ou comportamentalmente a sua intenção. Dessa forma o suicídio também é tido como um pedido de ajuda (LAGE, 2013). Uma das medidas de prevenção ao suicídio é observar atentamente os sinais que a pessoa nos dá, tais como gestos, palavras, expressões e alterações comportamentais. A grande maioria dos casos de suicídios pode ser detectada precocemente e tratada.

Segundo (SILVA, 2016, p. 245), aproximadamente 90% dos casos de suicídios estão associados a transtornos mentais. Quando corretamente diagnosticados e tratados, é possível evitar um número significativo de perdas de vidas. O suicidólogo José Manoel Bertolote, professor da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), em parceria com Alexandra Fleischmann, pesquisadora suíça, demonstrou em seus estudos, a partir da análise de artigos científicos publicados entre 1959 e 2001, que os casos de suicídio tinham relação estreita com os transtornos mentais nas seguintes proporções: 35,8% relacionados a transtornos de humor; 22,4% relacionados ao uso/abuso de substâncias tóxicas; 10,6 % à esquizofrenia; 11,6% aos transtornos de personalidade; 6,1% aos transtornos de ansiedade e somatoformes (1%); 5,5% a outros transtornos clínicos; 3,6% a transtornos de adaptação; 1% a transtornos orgânicos; 0,3% a outros transtornos psicóticos; 3,2 % não tinham diagnóstico definido (SILVA, 2016, p. 246).

Somente na segunda metade do século XIX o ato de suicídio, considerado heroico nas sociedades antigas, foi tido como patologia, transformando-se em sintoma de uma doença social ou psicológica estudada com a objetividade do olhar científico (ROUDINESCO; PLON, 1997, p. 740). A tentativa de suicídio remete a uma mensagem de angústia, dor, desespero, autodepreciação, perda, medo e repetição. Nasce disso a importância de uma escuta analítica que possibilite ao paciente repensar de forma crítica suas construções e trabalhar os próprios sentimentos e emoções, ressignificando sua história e reconstruindo sua vida (NUNES; SANTOS, 2017). Antes mesmo de conceituar a noção de pulsão de morte e teorizar o narcisismo, Freud, em 1917, em seu artigo “Luto e melancolia” apresentou o suicídio como uma forma de autopunição, desejo de morte dirigido contra outrem que se reverte contra si mesmo. Dessa forma, o autor confirmou as três tendências suicidas definidas pelo discurso da psicopatologia, quais sejam, desejo de morrer, desejo de ser morto e desejo de se matar (ROUDINESCO; PLON, 1997, p. 741).

Com base no artigo 5º da Constituição Federal Brasileira, em que se atribui à vida o valor de um bem jurídico a que cada cidadão tem direito, é válido afirmar que a omissão, a indução e/ou a não prestação de ajuda ao suicida podem ser consideradas crime. Por isso a relevância de se refletir acerca da importância da prevenção por meio da observação de mudanças comportamentais, sendo responsabilidade legal e humanitária, promovendo a ruptura de alguns mitos que circundam o suicídio.

Os vários mitos que cercam o comportamento suicida atrapalham o seu enfrentamento adequado. Dentre esses podemos citar: pessoas que ameaçam se matar não o farão de fato; quem quer se matar não avisa previamente; quem quer de fato se matar o fará de qualquer forma; após a superação de uma situação difícil o risco de suicídio termina; suicídios não podem ser prevenidos; toda pessoa que pensa em se matar sempre pensará dessa forma (SILVA, 2016, p. 249). Todos esses mitos estão equivocados. As pessoas, quando são ouvidas e acolhidas em seu momento de angústia, conseguem se acalmar e perceber sua vida sob outra ótica (SILVA, 2016, p. 249).

O suicídio constitui uma importante questão de saúde pública mundial. Segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 2020 mais de 1,5 milhão de pessoas cometerão suicídio. Mundialmente a taxa de suicídio é mais alta entre os indivíduos mais velhos do que entre os mais jovens, tendência essa que vem se alterando em escala mundial desde os anos 1990. Atualmente o suicídio é uma das quatro principais causas de morte entre as pessoas na faixa etária de 15 a 44 anos, tanto em países desenvolvidos como em países em desenvolvimento (LOVISI et al., 2009). Com as redes sociais e a exposição midiática vende-se a noção de uma felicidade permanente e constante, em que as pessoas sentem necessidade e obrigação de serem felizes. Essa necessidade quando não suprida leva à depressão e a outras consequências que podem resultar no ato suicida. A escuta ativa, o olhar atento e a empatia são fundamentais na prevenção ao suicídio.

A redução dos índices de suicídio no mundo consiste em uma ação altruísta, ética e moral. Lutar pela vida de cada ser humano é lutar por nosso próprio crescimento, bem como pela humanidade (SILVA, 2016, p. 254). Precisamos nos apropriar dos fatores de risco, bem como das ações preventivas de modo a implementar ações assertivas na prevenção do suicídio, intervindo de maneira mais adequada em cada situação.

 

Referências

BERTOLOTE, J. M. O suicídio e sua prevenção. São Paulo: Unesp, 2012.

LAGES, I. L. Reflexões psicanalíticas sobre o suicídio. Psicologado, 2013. Disponível em: <https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/reflexoes-psicanaliticas-sobre-o-suicidio>. Acesso em: 20 mar. 2020.

LOVISI, G. M. et al. Análise epidemiológica do suicídio no Brasil entre 1980 e 2006. Rev. Bras. Psiquiatr., São Paulo, v. 31, supl. 2, p. S86-S93, out. 2009.

NUNES, L. E. G.; SANTOS, L. A. Possibilidades da psicanálise frente aos sujeitos que chegam aos hospitais após uma tentativa de suicídio. Pretextos – Revista da Graduação em Psicologia da PUC Minas, v. 2, n. 4, jul./dez. 2017.

ROUDINESCO, E.; PLON, MI. Dicionário psicanalítico. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

SILVA, A. B. B. Mentes depressivas: as três dimensões da doença do século. Rio de Janeiro: Principiun, 2016.

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