PENSAMENTO E LINGUAGEM: a criança na música

PENSAMENTO E LINGUAGEM: a criança na música

Bianca Viana Monteiro da Silva

 

A aprendizagem de um instrumento musical pode ser compreendida a partir de uma série de fatores: o contato com o instrumento desde a infância, passando pelo incentivo ao uso, à brincadeira, até o questionamento sobre habilidades inatas. É válido, então, refletir sobre possibilidades de como essa aprendizagem acontece.

Consideraremos a música como uma forma de discurso. Fundamentando-se em Bakhtin (2006), que considera que a língua só existe em conjunção com a estrutura individual de uma enunciação concreta, entendemos a música como “um acontecimento vivo e dinâmico, que se atualiza a cada realização, e não como um sistema fechado e inerte, sujeito a regras fixas e imutáveis” (SCHROEDER, 2011, p. 107). Sendo a música esse acontecimento vivo, é levado em consideração que o seu processo de aprendizagem não é dominar regras e sistemas, mas, sim, em estar inserido no meio musical, sendo capaz de fazer um “uso pessoal, autoral, próprio, dos sistemas e regras musicais (que obviamente existem, mas não constituem a totalidade da linguagem musical)”.

 Ademais, pensar na música como um discurso nos faz dar primazia para a significação. “Aprender música é se apropriar de uma forma de linguagem, de um modo de se expressar, de se comunicar, de compartilhar sentidos”. Isso dá a possibilidade da “compreensão ativa” – proposto por Bakhtin (2006). Como afirma Schroeder (2011), isso significa que a formulação de respostas a enunciados musicais depende de alguma forma do entendimento do que se ouviu; e isso leva às respostas de: emoção, palavra, desenho, brincadeira ou a composição de outra obra musical. As respostas (no sentido bakhtiniano de “compreensão ativa”) possíveis à música, dessa forma, são quase ilimitadas. É considerado, além do “fazer musical”, a vivência, seja representando a música dançando, fazendo gestos, imitando ou brincando.

 Nessa concepção, consideramos o processo de aprendizagem marcado por evoluções, revoluções, involuções, não sendo regular, contínuo, ou homogêneo. Tudo faz parte de um processo. “A entrada das crianças no fluxo discursivo, na cadeia de enunciados musicais, não se dá de uma vez e nem definitivamente. Ela tem altos e baixos, vaivéns, acontece e desaparece como que por encanto, e depois retorna” (SCHROEDER; SCHROEDER, 2011, p. 116).

Todavia, as teses inatistas, em que “se nasce musical”, e que o fator biológico é mais alto, ainda têm sido um pensamento que permeia no senso comum e, também, no campo musical (SCHROEDER, 2005). Para Vigotsk (2007), no entanto, nós temos, além da função natural (biológica), a função cultural, e isso ocorre devido à plasticidade do cérebro humano, que permite uma modelagem pela ação de fatores externos. Por isso, há pelo menos um elemento que podemos chamar atenção na aprendizagem: a imersão de um indivíduo em uma determinada cultura.  Como afirma Schroeder (2008), dependendo do tipo de cultura/das atividades que são praticadas ou não no meio no qual se desenvolve, o indivíduo vai formar determinadas estruturas cerebrais e desenvolver determinadas capacidades e não outras.

O desenvolvimento musical seria, portanto, de ordem cultural e não dependeria exclusivamente de fatores maturacionais do organismo, e estaria ligado ao tipo de atividade musical que se pratica em determinado grupo cultural. Sendo assim, o desenvolvimento musical acontece em seu contexto sócio cultural e é incorporado ao indivíduo por meio das práticas sociais. “O contato com outros indivíduos e com as produções musicais existentes é condição para que possamos desenvolver qualquer competência musical” (SCHROEDER, 2008, n.p.). Isso nos leva a pensar na importância da aprendizagem: “o principal meio de transmissão cultural, para o desenvolvimento musical” (SCHROEDER, 2008, n.p.).

Considerando que as crianças, antes da música em si, absorvem o valor social que é dado à música, a relação que as crianças constroem com a música não é direta, mas mediada por outras pessoas. Nessa perspectiva, ressalta-se a importância de abordar a música junto à outras linguagens na educação infantil, por exemplo. É necessário considerar diversos contextos, os quais incluem diversas formas de linguagem, no processo de apropriação da linguagem musical. As crianças aprendem música também brincando, desenhando, dançando, etc.. Nesse sentido, incluir essas atividades não seria apenas um recurso a fim de tornar a aula mais palatável e dinâmica, e sim uma necessidade ao levar-se em consideração tanto as peculiaridades da música quanto do desenvolvimento infantil. “É através do contato intensivo com universos musicais esteticamente constituídos que os alunos vão absorvendo a gramática, percebendo o que é possível ou não dentro da linguagem” (SCHRODER, 2009, p. 48), e, ainda, a “necessidade de se privilegiar educacionalmente a dimensão discursivo-musical, fornecendo amplas referências estéticas e colocando em segundo plano os aspectos sintáticos e fonológicos, sobretudo na fase inicial da aprendizagem” (SCHRODER, 2009, p. 52).

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail (Voloshinov). Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. 12ª edição. São Paulo: Hucitec / Annablume, 2006.

SCHROEDER, Silvia Cordeiro Nassif. Reflexões sobre o conceito de musicalidade: em busca de novas perspectivas teóricas para a educação musical. 2005. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2005.

__________. A educação musical na perspectiva da linguagem: revendo concepções e procedimentos. Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 21, p. 44-52, 2009.

__________.  O biológico e o cultural na música. Digital Art&, São Paulo, n.8, 2008. 

SCHROEDER, Silvia Cordeiro Nassif; SCHROEDER, Jorge. As crianças pequenas e seus processos de apropriação da música. Revista da ABEM, v. 19, n. 26, p. 105-118, 2011.

VIGOTSKI, Lev Semenovich. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007

Compartilhar: