PROFESSOR REFLEXIVO: investigando a própria prática escolar

PROFESSOR REFLEXIVO: investigando a própria prática escolar

No início dos anos de 1990, no Brasil, começa a circular o conceito de professor reflexivo, o qual foi criado e formulado por Donald Schön. De acordo com os postulados do autor, o conceito de professor reflexivo abarca as características de um profissional cuja formação está fundamentada em uma epistemologia da prática. Em outras palavras, a formação do professor tem base na valorização da prática docente “como momento de construção de conhecimento por meio da reflexão, análise e problematização dessa prática e a consideração do conhecimento tácito, presente nas soluções que os profissionais encontram em ato” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 48).

Fundamentando-se e inspirando-se nas contribuições de John Dewey, Schön (1992) propõe uma formação baseada na epistemologia da prática, o que significa a valorização da prática profissional como momento de construção de conhecimentos. Assim, todos os professores a partir de sua prática pedagógica escolar cotidiana são produtores de conhecimento, mesmo que não se deem conta disso. Cumpre ressaltar, entretanto, que essa prática deve ser pensada, discutida, problematizada, analisada. A epistemologia da prática docente, portanto, confere estatuto singular ao conhecimento, às práticas pedagógicas e ao desenvolvimento dos saberes docentes.

É interessante observar o fato de Schön (1992) propor que a formação de profissionais não mais se dê no âmbito de currículos que privilegiam normas, regras, prescrições – colocando o professor na posição de um sujeito que tão somente executa o que outros lhe ditam ou lhe impõem como sendo o correto. O pesquisador contrapõe-se também àquele tipo de currículo que coloca o estágio nos semestres finais do curso de graduação, ou seja, o estudante está autorizado a realizar o estágio após ter cumprido as disciplinas “teóricas”. Há, portanto, separação entre teoria e prática e o estágio é concebido como “aplicação” da teoria, ou como imitação de um modelo a ser seguido. As pesquisadoras Pimenta e Lima (2004, p. 48) destacam que o

 

profissional assim formado não consegue dar respostas às situações que emergem no dia-a-dia profissional, porque estas ultrapassam os conhecimentos elaborados pela ciência e as respostas técnicas que esta poderia oferecer ainda não estão formuladas.

 

Em seus postulados, Schön valoriza a experiência e a reflexão na experiência. A partir de suas contribuições as pesquisas sobre a sala de aula, especificamente sobre o “chão” desse lugar, passaram a ser valorizadas e difundidas, assim como estudos sobre o ensino-aprendizagem em situações escolares, ações dos docentes, quando considerados em seus contextos escolares, conhecimentos e experiências acumulados. Além disso, são desenvolvidos trabalhos de pesquisa – tais como dissertações de mestrado e teses de doutorado – e teorias a respeito da produção de conhecimentos dos professores em sala de aula e de seus saberes acumulados.

Entretanto, as já citadas estudiosas Pimenta e Lima (2004), a exemplo da pesquisadora portuguesa Isabel Alarcão, reconhecem alguns problemas e limitações que podem contribuir para que a proposta não se efetive, como, por exemplo: as dificuldades pessoais e institucionais; a estrutura dos programas de formação inicial e continuada; o fato de o conceito professor reflexivo tornar-se apenas um modismo, um slogan, destituído de sentido, divulgado, mas não estudado e compreendido em sua profundidade teórica; o excesso de expectativas depositadas no conceito e em sua proposta, como se pudessem resolver todos os problemas da escola, da sala de aula, do processo ensino-aprendizagem e até mesmo dos alunos.

Conforme vimos procurando mostrar, o que Schön traz é um conceito e uma proposta – a saber, a reflexão por parte do professor acerca de sua própria prática –, sendo que no dia a dia da sala de aula são produzidos saberes e conhecimentos que podem se tornar objetos de investigação. É pertinente dizer que professores reflexivos podem melhor desenvolver suas problematizações, análises e reflexões em uma escola reflexiva, definida aqui como uma organização “que continuamente se pensa a si própria, na sua missão social e na sua organização, e se confronta com o desenrolar da sua atividade em um processo heurístico simultaneamente avaliativo e formativo” (ALARCÃO, 2001, p. 25).

A escola reflexiva é, portanto, uma escola autocrítica, capaz de olhar para si mesma com profundidade, trazendo à baila problemas e desafios a serem discutidos coletivamente. Uma escola reflexiva não se exime de suas responsabilidades, sabendo que o seu papel na sociedade contemporânea é o de formar crianças e jovens para lidarem com os inúmeros desafios que lhes são impostos. Uma escola reflexiva é uma escola inclusiva, onde não cabem estereótipos, rótulos, acolhendo aqueles que se afastam de padrões preestabelecidos. Uma escola reflexiva sabe onde se encontra, sabe onde está e avalia para onde quer e pode ir.

O professor reflexivo, ao pensar sobre sua própria prática, ao submetê-la à investigação, passa a relacionar-se diferentemente com os seus saberes, valorizando-os e ressignificando-os. Esse processo é rico e transformador. O professor reflexivo pode ajudar a construir uma escola reflexiva, colaborando com a construção de projeto próprio; pode contribuir com os estudantes, no sentido de ensiná-los a serem compromissados com a sua própria aprendizagem, responsabilizando-se pelos resultados de seus estudos; pode, também, contribuir com a comunidade, ensinando-a a engajar-se na escola a fim de que ambas possam trabalhar em parceria. Entendemos que o professor reflexivo pode contribuir para a formação de estudantes críticos, sensíveis ao mundo e ao que se passa à sua volta, estudantes que aprendam a valorizar os estudos e o conhecimento como subsídios fundamentais para sua formação cidadã. Professores reflexivos, atuando em uma escola reflexiva, podem transformar a escola, os estudantes e a comunidade. E isso não é pouca coisa.

 

Referências

ALARCÃO, Isabel. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2001.

PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria do Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004.

SCHÖN, Donald. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, Antonio (Org.). Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.

 

Profa. Dra. ELAINE ASSOLINI

 

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