PROFESSORES DESNUTRIDOS: recomeços e ressignificações

PROFESSORES DESNUTRIDOS: recomeços e ressignificações

Em minha prática profissional diária recebo inúmeros e-mails de professores, de diferentes cidades e estados brasileiros. De maneira ampla, pedem orientações para suas práticas pedagógicas escolares relacionadas à alfabetização, à leitura, à escrita, ao letramento, à produção textual, dentre outras. Perguntam-me sobre conceitos e definições, como, por exemplo, o que é escrita alfabética, consciência fonológica, construtivismo, psicogênese da língua escrita e muitas outras questões.

Essas orientações referem-se a questionamentos e desafios que eles enfrentam no contexto escolar, na sala de aula e consigo mesmos. Os próprios professores discorrem sobre os baixos salários, a desvalorização profissional, o não reconhecimento de seu empenho, dedicação e luta diária para levarem o melhor conteúdo e fazerem acontecer as melhores aulas para os seus alunos. Queixam-se da constante indisciplina em sala de aula, da ausência dos pais – que parecem pouco se importar com situações de desrespeito e brigas com o professor em sala de aula – e, ainda, da falta de apoio da coordenação pedagógica e da gestão escolar, que, em muitos casos, lavam as mãos, eximindo-se de suas responsabilidades. Para piorar o cenário, reclamam que se sentem absolutamente desmotivados para realizar cursos, participar de oficinas, palestras ou eventos de atualização profissional. Sentem-se cansados, exangues, combalidos.

Inquieta, incomodada e muito sensibilizada com os depoimentos a mim confiados, observei que esses professores têm uma característica em comum: são desnutridos. A desnutrição se faz presente no desânimo, na depressão, na ausência de vigor, de estímulo e de força para prosseguir, considerando todos os inúmeros desafios presentes no cotidiano escolar e na sala de aula.

O professor desnutrido não consegue enxergar beleza alguma em uma pergunta feita por uma criança, por exemplo; não consegue vislumbrar um horizonte no qual as crianças possam valer-se de saberes e conhecimentos adquiridos na escola para alterar a dinâmica familiar e, até mesmo, na qual se encontram.

Dificilmente o professor desnutrido conseguirá entender-se como profissional capaz de questionar o que dizem autores de livros didáticos, de manuais ou de programas oficiais do estado ou da federação. Ele sempre acreditará que seus saberes e conhecimentos acumulados de nada valem. Não consegue valorizar sua história, seus feitos, empreendimentos de desafios já superados, barreiras ultrapassadas e conquistas acumuladas.

O que podemos fazer, então, para ajudar os professores?

Tenho três propostas em mente que, a meu ver, são exequíveis. A primeira delas diz respeito à escuta. Professores desnutridos precisam e devem ser escutados porque, como venho tentando mostrar, se encontram caídos, não conseguindo vislumbrar ou pensar em possibilidades de se refazer e voltar ao magistério com a energia e o entusiasmo que o ofício requer.

Colegas de trabalho, amigos do ambiente profissional, coordenadores pedagógicos, vice-gestores e gestores poderiam ocupar o lugar de quem escuta atentamente. Escutar o outro com atenção e delicadeza já é uma ação significativa, sobretudo nos dias atuais. Mesmo que não tenha respostas para os problemas – e não é isso que de fato se espera –, quem se propõe a escutar o outro demonstra-lhe atenção, carinho e respeito, o que contribui para que aquele que está desnutrido sinta-se acolhido, reconhecido na sua dor e queixa, vivo e importante.

A segunda ação diz respeito às formações continuadas, que, a meu ver, devem oferecer condições adequadas de produção, possibilitando aos professores falar abertamente e pensar sem muita interdição sobre as situações do cotidiano. Situações “reais”, no sentido de que se tratam de situações que realmente aconteceram ou que estão acontecendo. Casos complexos devem ser objeto de estudo, de investigação, de reflexão coletiva.

Ainda no âmbito dos processos formativos, é essencial que haja espaços para o trabalho com a subjetividade docente, ou seja, espaços, oportunidades e condições adequadas de produção para que o professor possa expressar emoções, sentimentos, argumentos e contra-argumentos. Mas tão importante quanto a expressão e a exposição de sua subjetividade são a escuta, o respeito, a observação e a aceitação por parte do grupo. Assim, antes de julgar e sentenciar emoções, sentimentos e ações é imprescindível que o grupo escute, de forma a interditar o menos possível.

Quando acolhido por um grupo e recebendo o seu apreço e consideração, o professor desnutrido pode começar a escutar o que diz, a pensar que os desafios que enfrenta são, também, enfrentados por seus colegas, que os problemas e dificuldades diários da vida escolar não são inéditos, como poderia imaginar. Saber que somos sujeitos sócio-históricos, afetados pela ideologia, atravessados por outros discursos, ajuda-nos a reconhecer que não somos os únicos a experimentar transtornos, embaraços e contrariedades na escola e fora dela.

Outra proposta para o professor desnutrido tem relação com o que foi denominado por Michel Foucault (2007) como “o cuidado de si”. Podemos aqui pensar em situações que trazem prazer e bem-estar. O professor pode se perguntar o que lhe dá prazer. Ir ao cinema? Descansar? Brincar e/ou passear com os filhos? Ler? Assistir a uma série? A experiência do prazer é fundamental para a saúde física e mental de todos nós.

O cuidar de si envolve, também, o cuidado com a construção de sua identidade. Assim, é fundamental que o sujeito entenda como vem se tornando professor, que fatores singulares e coletivos vêm contribuindo para que a sua identidade profissional docente seja constituída dessa ou daquela forma. Pensar e (res)significar a identidade docente é uma forma corajosa de olhar para si mesmo, para a sua história profissional e as memórias que dela fazem parte.

Encerro este artigo lembrando as palavras de Guimarães Rosa, quando diz, em Grande sertão: veredas, que “o que a vida quer da gente é coragem”. Concordo plenamente com o literato e entendo que a coragem traz muitos ingredientes capazes de nutrir e abastecer o professor – esse profissional que sempre foi e continuará sendo imprescindível na formação de outros sujeitos, quais sejam, crianças, jovens e adultos.

 

Profa. Dra. Elaine Assolini

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