A QUESTÃO AMBIENTAL E O DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA

A QUESTÃO AMBIENTAL E O DESMATAMENTO DA AMAZÔNIA

 

MAURO DECOURT*

Nos anos 70, quando cursava Biologia, assisti, certa vez, a uma palestra na Universidade, proferida por membros do então IBDF (Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal), atual IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) sobre as Unidades de Conservação do Brasil. Neste evento foram destacadas a riqueza biológica, a beleza cênica, a realidade destas Unidades e a importância em protegê-las.

Minha identificação com o tema tratado na referida palestra foi tanta que, a partir daí, passei a percorrer, de maneira sistemática, os Parques Nacionais brasileiros, atividade que mantenho até hoje. Os Parques Nacionais são Unidades de Conservação que têm a finalidade de proteger os recursos naturais de uma área, preservando a fauna e a flora que compõem os diversos ecossistemas brasileiros e, deste modo, ajudando a preservar a biodiversidade.

Entretanto, ao mesmo tempo em que, em minhas incursões pelos Parques, encantava-me com a beleza natural de nossos biomas, pude testemunhar a triste realidade por eles vivenciada. Passei então a ler assiduamente os artigos e a acompanhar os depoimentos de biólogos, técnicos e outros profissionais desta Área, os quais, de algum modo, estavam comprometidos com a conservação da natureza. Vem desta data minha admiração por alguns dos maiores ambientalistas brasileiros, tais como: Ibsen de Gusmão Câmara, Maria Tereza Jorge Pádua, Alceo Magnanini e Wanderbilt Duarte de Barros, que se tornaram referências para mim. Nos artigos destes dedicados conservacionistas já eram denunciados o abandono e o descaso para com os Parques, vitimados por problemas de toda sorte, dentre eles: regulação fundiária, escassez de recursos humanos, incêndios criminosos, caça predatória, extração de madeira, abertura de estradas e construção de hidrelétricas. Dói muito lembrar a destruição do Parque Nacional de Sete Quedas para a construção da hidrelétrica de Itaipu, sem se discutir sequer um projeto alternativo (que havia). Os versos de nosso Carlos Drummond de Andrade não deixam dúvida:

“Sete Quedas por nós passaram

E não soubemos amá-las

E todas sete foram mortas”

Foi ainda num destes artigos que li uma citação de outro grande ambientalista, Hugo Werneck, que ficou gravada em minha memória. Dizia: “No Brasil, o poder político vive a reboque do poder econômico.” Werneck se referia naquele momento, ao fato de o governo na época, ter autorizado a abertura de uma estrada cortando o Parque Nacional do Araguaia (a legislação dos Parques proíbe tal ação), cedendo às pressões do grupo econômico BCN (Banco de Crédito Nacional). Ao longo dos anos pude constatar em várias ocasiões a veracidade desta citação, veracidade que permanece até os dias atuais.

As áreas protegidas no Brasil há muito carecem de uma política consistente e a situação da Amazônia, cada vez mais preocupante, se destaca neste contexto. Já em 2004, o magnífico Professor Emérito da Universidade de São Paulo Aziz Ab’Saber, num artigo da prestigiada revista de divulgação científica Scientific American Brasil, advertia: “É preciso dar um basta à imprevidência com que a região e sua biodiversidade vem sendo tratadas. É lamentável que não se tenha consciência sobre os destinos da Amazônia”. E prosseguia: “Cabe à nossa geração – ao início do Século 21 – exigir um gerenciamento mais correto e inteligente para garantir a preservação das biodiversidades e a sobrevivência dos homens e da sociedade no grande Norte brasileiro”.

Os governantes deveriam ouvir mais os cientistas, os pesquisadores, e os técnicos ambientais para embasarem suas decisões. Infelizmente isto não ocorre. Estes especialistas são, na maioria das vezes, os últimos a serem consultados, e mesmo assim, quando são. O resultado, neste caso, é que o destino da Amazônia permanece à mercê dos interesses políticos e/ou econômicos, aos quais misturam-se a ganância, o oportunismo, a ignorância e a certeza de impunidade por parte daqueles que cometem crimes ambientais, dizimando progressivamente a floresta.

A Amazônia deve ser protegida não apenas devido à sua imensa riqueza biológica por abrigar flora e fauna exuberantes, incluindo inúmeras espécies ameaçadas de extinção, o que, por si só, justificaria sua preservação. Muitas substâncias são extraídas de suas plantas e utilizadas para a produção de remédios e cosméticos. Por outro lado, o desmatamento agrava o efeito estufa, afeta o equilíbrio do clima, altera o regime de chuvas e diminui o sustento de suas populações, pondo em risco a sobrevivência dos povos da floresta. O cientista político norte-americano, Ian Bremmer, em entrevista publicada numa edição de 2019 da revista Exame, considera que: “A Amazônia é um ecossistema crítico para o Brasil sustentar sua população e está sendo destruída. O aumento do desmatamento acarretará em impactos de longo prazo”. E acrescenta: “É um horror assistir ao que está sendo perpetrado contra o povo brasileiro”.

Se, por um lado, verificamos que nos últimos oito anos os índices de desmatamento aumentaram, é igualmente inegável que tais índices atingiram um grau assustador no atual governo. Não procede, portanto, a alegação de que este aumento começou bem antes do início da atual gestão porque, ainda que sendo um fato, teríamos um motivo a mais para que o combate rigoroso e efetivo ao desmatamento fosse impulsionado no início do mandato presidencial, dada a promessa de “resgatar” o Brasil, sanando os danos atribuídos às gestões anteriores.

A realidade atual, porém, mostra uma conduta bastante diferente. Não bastasse o descaso para com a Saúde, demonstrada pelo total desrespeito em relação à real dimensão da pandemia, encarada como infecção banal, o que vemos é um governo igualmente descomprometido com a questão ambiental, começando pelo Presidente da República que, sem ter nenhum conhecimento técnico, e de forma maldosa, questionou os dados do INPE (Instituto de Pesquisas Espaciais), órgão governamental responsável por monitorar o desmatamento da Amazônia, exonerando seu diretor, o físico Ricardo Galvão, cientista de gabarito reconhecido. Cabe lembrar que o INPE é um órgão de credibilidade internacional, a tal ponto que excelentes publicações científicas no exterior utilizam os seus dados. Não por acaso a revista britânica The Economist definiu o presidente brasileiro como o chefe de Estado mais perigoso para o meio ambiente.

Em seguida vem o Ministro do Meio Ambiente, cujas ações vão, claramente, em direção oposta às atribuições de seu ministério. Alguns exemplos de tais ações são: a desestruturação e o “desmonte” de órgãos fiscalizadores como o ICMBio (Instituto Chico Mendes da Biodiversidade) através da redução do número de guardas florestais, verbas e equipamentos, a exoneração de técnicos do IBAMA (por terem eles combatido o garimpo ilegal), o incentivo às queimadas, com recorde de focos neste ano, bem como o incentivo ao desmatamento, numa devastação de mais de 3.000 km2 somente neste semestre. Todos estes atos partiram de canetadas do Ministro, protagonizadas pela frase, já de domínio público – “deixar passar a boiada” – proferida em reunião ministerial e amplamente noticiada pela mídia.

Diante de tão escancarado descaso para com a causa ambiental, o renomado jornalista Janio de Freitas foi categórico: “O governo não está do lado da Amazônia, como não está do lado do combate à pandemia”.

Mais recentemente ainda, o mesmo governo sinalizou com um certo recuo em suas ações nefastas, mas motivado por uma razão simples (e previsível): a crescente pressão de grupos de empresários que têm recebido investimentos reduzidos, devido à péssima imagem do país no cenário internacional, em razão do aumento alarmante no desmatamento da Amazônia. Deste modo, a conduta errônea no âmbito ambiental agora prejudica os negócios.

Percebe-se então que, o que pode mudar (um pouco) a política para o meio ambiente não é a consciência autêntica, espontânea, patriótica, da conservação da Amazônia, como seria de se desejar de um país que se vangloria de sua rica biodiversidade, mas sim, mais uma vez, confirmando Werneck, o estímulo para a mudança na conduta política é de ordem econômica, embora, neste caso, a favor do meio ambiente.

Há algo ainda que julgo oportuno registrar, em razão de seu caráter por demais revelador: em outubro de 2019 os jornais publicaram esta declaração do Presidente da República, questionado diante da pressão internacional contra o desmatamento: “O interesse na Amazônia não é no índio, nem na porra da árvore. É no minério”. Mais do que a vulgaridade expressa na frase, exala dela uma gritante insensibilidade para com a palavra ÁRVORE. Depois de alguns instantes de inconformismo e de indignação (me perguntei que importância terá para ele uma floresta?), encontrei o antídoto nas palavras de outro brasileiro, Antonio Carlos Jobim, este sim, brasileiro de fato, patrimônio do Brasil e da música brasileira. Meu querido maestro tinha outra concepção, infinitamente mais nobre que a do Presidente da República. Disse assim o músico maravilhoso: “Quando uma árvore é cortada ela renasce em outro lugar. Quando eu morrer quero ir para esse lugar, onde as árvores vivem em paz”.

Acredito que os brasileiros do bem saberão assimilar esse pensamento singelo. Quanto a mim, tomado pela mágoa causada pela agressão e o desrespeito à nossa paisagem natural e aos nossos indefesos ecossistemas, como a Floresta Amazônica, resta uma única certeza: a de que a árvore que a música de Jobim plantou em meu coração, ninguém jamais conseguirá cortar. Esta certeza me conforta.

 

*MAURO DECOURT é biólogo formado pela Universidade de São Paulo Professor de Biologia do Curso Intergraus de São Paulo e Professor do Curso Anglo do Vale do Paraíba

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