RESSIGNIFICANDO O DIÁLOGO

RESSIGNIFICANDO O DIÁLOGO

 

Isadora Furlin Machado

Profa. Dra. Elaine Assolini

As relações interpessoais têm reflexo na eficiência do ensino e aprendizagem, e, por meio delas, a educação atua no contexto do processo de formação de cada indivíduo. Sobre esse constante e dinâmico processo da interação, em que nos vemos através do outro, e em que vemos o outro através de nós mesmos, argumenta Leite (1997, p. 238), em Introdução à Psicologia Escolar: “A imagem que temos de nós mesmos não é, certamente, o retrato do que os outros veem em nós, mesmo porque, os outros não veem a mesma pessoa. Entretanto, sem as sucessivas imagens que os outros nos dão de nós mesmos, não poderíamos saber quem somos.” [2]

Daí a importância do autoconhecimento para a educação, de forma que haja um constante processo de autorreflexão ao nos depararmos com o outro, englobando o ser em sua totalidade e excluindo a visão de que o ser humano é composto por partes dissociadas. Portanto, os nossos relacionamentos são capazes de nos transformar, além de intensificar ou ratificar o que porventura já sintamos sobre nós mesmos, servindo como um modelo, além de poderem refletir o nosso interior, conforme Ichheiser (1949) conclui em sua famosa frase “os outros são os nossos espelhos”.[3]

Nas vivências humanas, é indispensável o diálogo e a comunicação no relacionamento entre as pessoas. “Entender o outro, o que ele diz, e se fazer entender, dependem de comunicação. Comunicar envolve, pois, compartilhar modo de vida, pensamento, atitude e comportamento. A utilização da linguagem vocalizada na comunicação varia de indivíduo para indivíduo, relacionando-se com a cultura, a classe social e a educação da sociabilidade” (DEL PRETTE, 1999).[4]

Nessa direção, no texto “A dimensão ética da aula ou o que nós fazemos com eles”, de Terezinha Azerêdo Rios, observamos uma proposta reflexiva sobre o processo de aprendizagem. Algumas expressões contidas no texto serão apresentadas abaixo, de modo a serem analisadas posteriormente, estabelecendo algumas relações com outro texto em específico.

 

“O diálogo se faz na diferença. E há, sem dúvida, uma diferença nos papéis de professor e de aluno. O que se quer afastar, na relação entre eles, é a desigualdade, essa sim, instalada a partir de uma perspectiva de dominação, de discriminação. O aluno é outro, diferente de mim. Junto com ele, na igualdade de sujeitos que somos, ambos, construímos algo que tem a ver conosco, mas nos ultrapassa: tem a ver com a escola, com a sociedade, com o mundo”.[5]

 

O processo de intertextualidade na educação é imprescindível, pois todo texto pode se inter-relacionar com outro. Além disso, o seu uso traz a valorização da leitura; promove o desenvolvimento de memória discursiva, ampliando o repertório de leitura, assim como o incentivo ao caráter lúdico, possibilitando o estímulo à criação de novas ideias, trazendo à leitura um caráter de liberdade. Portanto, em se tratando da intertextualidade, as palavras mencionadas no excerto de Rios (2008) podem, por exemplo, estabelecer uma profunda conexão com o conto “A menor mulher do mundo”, de Clarice Lispector, nas seguintes passagens:

 

“O Explorador tentou sorrir-lhe de volta, sem saber exatamente a que abismo seu sorriso respondia, e então perturbou-se como só homem de tamanho grande se perturba [...] Pequena Flor respondeu-lhe que “sim”. Que era muito bom ter uma árvore para morar, sua, sua mesmo. Pois - e isso ela não disse, mas seus olhos se tornaram tão escuros que disseram - pois é bom possuir, é bom possuir, é bom possuir. O explorador pestanejou várias vezes. [...] Marcel Pretre teve vários momentos difíceis consigo mesmo”.[6]

 

Portanto, o diálogo entre os dois textos mencionados acima nos convida a fomentar um olhar crítico em relação à educação, levando-nos a aspectos que antes eram desconhecidos por nós ou até mesmo ignorados. Para exemplificar, podemos considerar que a autoridade docente é determinante, no entanto, há uma confusão de termos e, não raro, observa-se o autoritarismo, em que se instala uma perspectiva de dominação e discriminação. Dessa forma, a partir dos fragmentos dos textos acima, esse autoritarismo não demonstra apenas a superioridade de um explorador, mas a presença deste comportamento de desigualdade no âmbito escolar.

Assim, ao dizer que “o diálogo se faz na diferença”, reafirmamos que o outro, mesmo que aparentemente seja diferente de nós, tem algo a nos ensinar. Pessoas que se desarmonizam com o outro ser fazem cair as próprias máscaras. O conto de Clarice nos evidencia isto no trecho: “isso ela não disse, mas seus olhos  se tornaram tão escuros que disseram”, ou seja, o diálogo aqui ultrapassa os limites semânticos; não se trata apenas do diálogo que é observado nas palavras proferidas, pois a personagem não disse por meio da fala, mas, sim, do ato comunicativo de interação com o interior do explorador.

Dessa forma, o processo de ensinar e aprender vai além de utilizar somente palavras e números; ensinar conteúdos ultrapassa os limites aparentes de nossas afirmações e discursos - são atitudes, gestos, tom de voz, maneira de andar e gesticular, além do respeito, buscando uma melhoria em cada comportamento. A educação como processo de formação, por meio das relações interpessoais, é imprescindível para o desenvolvimento individual. Entendermos que a “compreensão amplia a nossa tolerância e impede uma revolta injusta e quase sempre inútil” é o que nos tornará cada vez mais humanos.[2]

 

REFERÊNCIAS:

HARPER, Babette et.al. Cuidado, escola! – desigualdade, domesticação e algumas saídas. 35ª ed. SP, Brasiliense, 2000. p. 32 – 117.

LEITE, Dante M. Educação e relações interpessoais. In: Patto, M. H. S. (org). Introdução à psicologia escolar. 3ª ed., SP, Casa do Psicólogo, 1997.

ICHHEISER, G. Misunderstanding is Human Relations. In: American Journal of Sociology, 55, 2, parte 2, 1949.

DEL PRETTE, Zilda Aparecida Pereira. Psicologia, educação e LDB: novos desafios para velhas questões? In: GUZZO, Raquel Souza Lobo (Org.). Psicologia Escolar: LDB e Educação Hoje. Campinas, São Paulo: Editora Alínea, 1999.

RIOS, T. A. A dimensão ética da aula ou o que nós fazemos com eles. In:VEIGA, Ilma P. A. (org.) Aula: gênese, dimensões, princípios e práticas. Campinas:Papirus,2008, pp.73/93.

LISPECTOR, C. Laços de família: contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1983, pág.77-86.

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