Sobre a pragmática desenvolvimental e o discurso infantil

Sobre a pragmática desenvolvimental e o discurso infantil

Giovanna Wrubel -(Doutora em Letras – FFLCH-USP)

 


A Pragmática Linguística estuda o uso social da linguagem, analisando como as mensagens se relacionam com o contexto em que são produzidas. Ela integra conhecimentos de diversas áreas, como Linguística, Psicologia e Antropologia, permitindo investigar a linguagem e a cognição em situações reais de comunicação. Nesse campo interdisciplinar, os pesquisadores buscam compreender os processos mentais envolvidos no uso da linguagem, tanto em adultos quanto em crianças, destacando que a cognição está profundamente ligada ao contexto imediato.
Comunicar-se, portanto, é um comportamento guiado por regras complexas, influenciadas pelo contexto situacional e aspectos socioemocionais. Muitas dessas regras dependem de convenções extralinguísticas, ou seja, aspectos que vão além da estrutura formal da língua.
Isso explica por que mensagens nem sempre são transparentes: um enunciado como & quot;Tem hora?" geralmente não busca uma resposta simples ("sim" ou "não"), mas sim a informação horária.
O estudo da pragmática na infância ganhou destaque com a obra Child Discourse (Ervin-Tripp & Mitchell-Kernan, 1977), que investigou como as crianças aprendem a relacionar formas linguísticas a diferentes contextos. Posteriormente, Ninio e Snow, em Pragmatic development (1996), propõem uma lista de temas que fazem parte do desenvolvimento pragmático, como as intenções comunicativas, o desenvolvimento da aplicação das formas linguísticas e a sua função social, as capacidades conversacionais (ex.: os turnos de fala), as regras de cortesia verbal e o seu caráter cultural, bem como
os fatores pragmáticos que influenciam a aquisição da linguagem e da comunicação – como a linguagem diferenciada utilizada pelos adultos ao se dirigirem à criança. Para Laval e Guidetti (2004), esses temas constituem, de fato, os contextos dinâmicos do desenvolvimento pragmático; podemos observar, por exemplo, que a conversação infantil evolui exponencialmente entre dois e dez anos, tanto nas suas formas como nas suas funções, e essa evolução é paralela à aquisição de competências cognitivas mais gerais.

Metodologicamente, a Pragmática Desenvolvimental analisa interações reais ou simuladas, considerando elementos como turnos de fala, atos linguísticos e contexto extralinguístico. A linguagem, nessa abordagem, não se limita à gramática, mas inclui estratégias adaptativas usadas pela criança para se comunicar.
Essa área dialoga com teorias interacionistas (como as de Bruner e Vygotsky) e com a Linguística Pragmática (como a teoria dos atos de fala de Searle). Pesquisas demonstram que a Pragmática Desenvolvimental ampliou a compreensão sobre o uso social da linguagem, enriquecendo tanto perspectivas teóricas quanto metodológicas.

Além da comunicação verbal, o desenvolvimento pragmático inclui a interpretação de comportamentos não verbais, como gestos (apontar, acenar etc.) e expressões faciais emocionais. Esses recursos, presentes antes da fala, ajudam a criança a se adaptar a diferentes situações e interlocutores. Laval e
Guidetti (2004) destacam que a interpretação de emoções é crucial para a cognição social, ampliando a noção de intenção para incluir estados mentais.
Wierzbicka (2000) propõe uma abordagem semântica das expressões faciais, analisando seu significado social (como um franzir de sobrancelha) em vez de sua base muscular. Isso sugere que gestos faciais podem ter significados convencionais, similares aos enunciados verbais, abrindo caminho
para uma "pragmática da expressão facial".
A Pragmática também se conecta com as teorias da mente, investigando  como as crianças atribuem estados mentais aos outros. Estudos mostram que, por volta dos cinco anos, elas já compreendem que outras pessoas podem ter crenças diferentes das suas.
Outro campo de interesse é a linguagem não literal, como a ironia, metáforas, provérbios etc.; esse tipo de comunicação exige habilidades pragmáticas avançadas, pois a interpretação depende do contexto.
Por fim, a Pragmática tem revolucionado o estudo do raciocínio, mostrando que a lógica formal não basta para explicar processos cognitivos.
Trabalhos como os de Noveck e Politzer (2002) evidenciam que adultos e crianças usam inferências pragmáticas em situações cotidianas, indo além de respostas puramente lógicas.
Em síntese, a Pragmática oferece ferramentas essenciais para entender a comunicação humana em sua complexidade social e cognitiva.

Referências
ERVIN-TRIPP, S. & MTCHELL-KERNAN, C. (1977) Child Discourse. New York
Academic Press.
LAVAL, V e GUIDETTI, M. (2004) La pragmatique développementale: état des
lieux et perspectives. Psychologie française, 49, p. 121- 130.
NINIO, A.; SNOW, C. (1996) Pragmatic Development (Essays in Developmental
Science). London: Routledge.
NOVECK, L. A. et POLITZER, G. (2002) Le raisonnement et la pragmatique.
In: BERNICOT, J., TROGNON, A., GUIDETTI, M., MUSIOL, M. (Eds.).
Pragmatique et psychologie. Nancy: Presses Universitaires de Nancy, pp. 93-
107.
WIERZBICKA, A. (2000) The semantics of human facial expressions.
Pragmatics and Cognition, 8 (1), p. 147-183.
WRUBEL, G. (2011) Investigação do processo de negociação interpessoal
infantil em situação lúdica: aspectos interacionais e cognitivos. Tese (Doutorado
em Filologia e Língua Portuguesa) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências

Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. doi:10.11606/T.8.2011.tde-
25092012-120158. Acesso em: abr.2025.

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