Sobre o desenvolvimento das competências socioemocionais em sala de aula

Sobre o desenvolvimento das competências socioemocionais em sala de aula

O interesse a respeito do papel exercido pelas competências socioemocionais no processo de aprendizagem dos educandos vem crescendo nas últimas décadas. Estudos científicos nas áreas de Educação, Psicologia e Neurociências endossam o que professores e alunos comprovam no dia a dia das salas de aula: os aspectos socioemocionais permeiam todas as práticas pedagógicas, tendo a possibilidade de potencializar a aprendizagem, ou, ao contrário, de comprometê-la.  

Embora estudiosos clássicos, tais como John Dewey (1859-1952) e Vygotsky (1896-1934) tenham apontado, há muito tempo, a importância dos aspectos socioafetivos na educação, historicamente, as instituições escolares sempre privilegiaram o desenvolvimento cognitivo/intelectual dos educandos e acreditava-se que as emoções eram irrelevantes nesse processo. No entanto, estudos importantes sobre a influência crucial dos aspectos afetivos no desenvolvimento humano começam a surgir na segunda metade do século XX - por exemplo, os de Howard Gardner, que em 1983 publica Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas, levantando a questão de que os testes de QI não eram suficientes para mensurar adequadamente a inteligência dos indivíduos, já que eles se referem, somente, à nossa capacidade de raciocínio lógico, desconsiderando outras dimensões da nossa inteligência, como a interpessoal e a intrapessoal:

- Inteligência intrapessoal: implica a compreensão de nossa própria vida emocional e usar o entendimento sobre nós mesmos para alcançarmos certos objetivos.

- Inteligência interpessoal: é a capacidade de entendermos as intenções, desejos e perspectivas das outras pessoas e de, consequentemente, nos relacionarmos bem em diferentes contextos sociais.

Paralelamente, o conceito de Inteligência Emocional, desenvolvido inicialmente pelos psicólogos estadunidenses Salovey & Mayer (1990) e posteriormente difundido mundialmente por meio do bestseller de Daniel Goleman - Inteligência Emocional - fomentou a percepção dos educadores para a necessidade de se olhar para os educandos de uma maneira integral.

Para Goleman (2001, p. 294), a alfabetização emocional é tão importante para a aprendizagem quanto a matemática e a leitura, e afirma:

A alfabetização emocional amplia nossa visão acerca do que é a escola, explicitando-a como um agente da sociedade encarregado de constatar se as crianças estão obtendo os ensinamentos essenciais para a vida – isto significa um retorno ao papel da educação. Esse projeto maior exige, além de qualquer coisa específica no currículo, o aproveitamento das oportunidades, dentro e fora das salas de aula, para ajudar os alunos a transformar momentos de crise pessoal em lições de competência emocional.

No entanto, apesar de o assunto das competências socioemocionais estar presente em todas as discussões sobre a educação da atualidade – inclusive em diretrizes e documentos oficiais, como a Base Nacional Comum Curricular -  verificamos que ainda persistem alguns pressupostos engessados, e até mesmo alguns preconceitos, sobre o papel exercido pelas emoções em sala de aula.

Uma grande dificuldade observada é a compreensão de que emoção e cognição não são estanques: elas se interligam no desenvolvimento das aprendizagens. De acordo com Fonseca (2016), somente em um clima de segurança afetiva o cérebro humano funciona perfeitamente, e, dessa forma, as emoções podem facilitar os processos cognitivos.

De acordo com o autor (op. cit), num clima de ameaça, de opressão, de vexame, de humilhação ou de desvalorização, o sistema límbico, localizado no meio do cérebro, bloqueia o funcionamento dos seus substratos cerebrais superiores corticais, logo nas funções cognitivas de input , integração, planificação, execução e output, que permitem o acesso às aprendizagens simbólicas e à resolução de problemas complexos exclusivos da espécie humana - daí a importância crucial do clima relacional que se estabelece em sala de aula para o desenvolvimento da aprendizagem dos educandos.

Corroborando essa constatação, pesquisa da Unesco coordenada pelo filósofo e sociólogo chileno Juan Casassus (2007) sobre a qualidade da Educação na América Latina em mais de 14 países, incluindo o Brasil, revela a necessidade de um clima emocional adequado em sala de aula: “Nas instituições em que os alunos se dão bem com os colegas, não há brigas, o relacionamento harmonioso predomina e não há interrupções nas aulas, eles se saem melhor. Verificamos que o desempenho deles chegou a ser superior em 36% na nota média da prova de Linguagem e 46% na de Matemática.” (RATIER, 2008).

Assim, verificamos que a importância de um clima emocional saudável em sala de aula não se restringe ao desenvolvimento das competências socioemocionais em si dos estudantes, mas perpassa e potencializa todas as áreas de aprendizagem, incluindo o sucesso em disciplinas acadêmicas. Finalmente, depreende-se que alunos que têm a oportunidade de se desenvolverem emocionalmente por meio de processos de Educação Socioemocional de qualidade, desde o Ensino Infantil, passando pelos Ensinos Fundamental e Médio, certamente verificarão melhoras consistentes em seu bem-estar pessoal, no convívio com os outros e em todos os aspectos do desenvolvimento humano.

Dra. Giovanna Wrubel

Profa. Dra. Elaine Assolini

Referências

CASASSUS, J. (2007). A escola e a desigualdade. 2 ed. Brasília: Líber, UNESCO.

FONSECA, V. (2016) Importância das emoções na aprendizagem: uma abordagem neuropsicopedagógica. In: Rev. Psicopedagogia; 33(102): 365-84.

GARDNER, Howard. (1994(1983)) Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artmed.

GOLEMAN, D. (1995) Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine o que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Editora Objetiva.

SALOVEY, P. & MAYER, J. D. (1990). Emotional intelligence. Imagination, Cognition, and Personality, 9, 185-211. doi:0.2190/DUGG-P24E-52WK-6CDG

RATIER, R. (2008). Juan Casassus: O clima emocional é essencial para haver aprendizagem. In: Revista Nova Escola. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/878/juan-casassuso-clima-emocional-e-essencial-para-haver-aprendizagem Acesso em: julho/2019.

 

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