Transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental: O papel e a importância do brincar no 1º Ano do Ensino Fundamental

Transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental: O papel e a importância do brincar no 1º Ano do Ensino Fundamental

 

Lívia Maria Rocha

Filomena Elaine Paiva Assolini

Resumo

Esse artigo tem como objetivo destacar a importância do brincar durante o período de transição da Educação Infantil para os anos iniciais do Ensino Fundamental, com ênfase no 1º Ano do Ensino Fundamental. A análise baseia-se em observações realizadas no programa de Residência Pedagógica CAPES ao longo do ano de 2023. Além disso, busca ressaltar a importância do papel do professor como observador atento, mediador eficiente e criador de espaços, tempos e materiais adequados para o desenvolvimento dos alunos.

Palavras-Chaves: transição; anos iniciais Ensino Fundamental I; brincadeiras, brincar livre; mediação.

Introdução

O presente artigo fundamenta-se nas observações realizadas em uma turma de 1.º ano do Ensino Fundamental durante o programa de Residência Pedagógica CAPES do núcleo de Pedagogia da FFCLRP realizadas ao longo de 2023, em uma escola de Ensino Fundamental I, de Ribeirão Preto.

A transição da Educação Infantil para os anos iniciais do Ensino Fundamental pode carregar consigo mudanças significativas para os estudantes. Especialmente no período marcado pela alteração nas relações entre aluno e instituição escolar e pela diminuição do tempo dedicado ao brincar, atividade fundamental da infância. O 1º ano do Ensino Fundamental é lembrado pelo início da alfabetização quando o caderno e o lápis passam a ser os fiéis companheiros dos estudantes. Além do mais, os momentos em sala de aula, com carteiras enfileiradas, predominam no cotidiano dos estudantes. Raramente são proporcionadas oportunidades de aprendizado fora da sala de aula, mais escasso ainda, é o contato com diferentes tipos de materiais para a realização das atividades. Desta forma:

A Educação Infantil continua sendo compreendida como creche, como um lugar de cuidado, onde os pais deixam seus filhos para poderem trabalhar (...) O Ensino Fundamental, por sua vez, caracteriza-se como o lugar de aprendizado, o lugar onde as crianças aprenderão a ler e escrever. (MARTINS, 2013, p.120).

Sendo assim, as brincadeiras passam a ser reservadas apenas para o intervalo, um curto período em que os estudantes dividem-se entre alimentação, idas ao banheiro e, por fim, brincar. Infelizmente, esse tempo é insuficiente para a construção das relações presentes nas brincadeiras, além de ser o momento em que os alunos estão sob a supervisão dos inspetores escolares e afastados do professor de sala.

Importância do Brincar

A brincadeira é a atividade principal da infância, através dela a criança desenvolve sua imaginação, sua criatividade e suas habilidades cognitivas e sociais. É durante esse momento que importantes transformações psíquicas ocorrem, já que “é a forma principal de a criança vivenciar o seu processo de humanização, uma vez que é a atividade que melhor permite à criança apropriar-se das atividades (motivos, ações e operações) culturalmente elaboradas.” (NASCIMENTO e col.,2009, p.300). Além disso, o direito ao brincar está garantido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme a Lei Nº 8.069, Art. 16 (BRASIL, 1990).

A partir do brincar, a criança se apropria do mundo e das experiências vivenciadas na sociedade. Conforme diz Vygotsky, “a criança sempre se comporta além de seu comportamento diário; no brinquedo; é como se ela estivesse acima de sua idade” (VYGOTSKY, 2007, p.122), dessa forma, o teórico ressalta a importância do brincar na infância como atividade que promove o desenvolvimento cognitivo, social e emocional da criança, da forma que:

 (...) o brincar é um espaço de apropriação e constituição pelas crianças de conhecimentos e habilidades no âmbito da linguagem, da cognição, dos valores e da sociabilidade. E que esses conhecimentos se tecem nas narrativas do dia-a-dia, constituindo os sujeitos e a base para muitas aprendizagens e situações em que são necessários o distanciamento da realidade cotidiana, o pensar sobre o mundo e o interpretá-lo de novas formas, bem como o desenvolvimento conjunto de ações coordenadas em torno de um fio condutor comum. (BRASIL, 2007, p. 39).

Ademais, a importância do brincar livre, das brincadeiras de faz de conta ou de jogo de papéis deve ser trazida para o debate. Por meio das brincadeiras e da interação da criança com seus pares, surge um universo de exploração, pesquisa e domínio das descobertas de novos conhecimentos. Nesse contexto, as relações sociais presentes na realidade são reconstruídas, não se limitando apenas a uma mera reprodução do que é vivenciado, pelo contrário, é o momento no qual a criança cria significados sobre si, sobre o outro e sobre o mundo social:

O jogo de papéis reconstitui a realidade de uma maneira singular (Elkonin,1998). As regras e as normas existentes entre as pessoas, nas situações da vida (relações de trabalho, por exemplo) são reconstituídas por meios singulares e aparecem de maneira mais ampla e mais explícita na consciência das pessoas, por meio das situações simbólicas. Isso tem a ver com a função do jogo de papéis ou a sua necessidade: permitir que as crianças se apropriem do mundo de relações e atividades dos adultos e, assim, humanizem-se. (NASCIMENTO e col.,2009, p.296).

Sendo assim, os documentos curriculares da Educação Infantil, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, Parâmetros Nacionais de Qualidade e Indicadores da Qualidade da Educação Infantil, ressaltam a importância do brincar, das interações e das brincadeiras nessa etapa educacional. No entanto, durante a transição para o Ensino Fundamental, esses conceitos parecem estar sendo negligenciados, resultando na abrupta redução ou eliminação dos momentos de brincadeira no 1º Ano do Ensino Fundamental. Flávia de Barros em seu livro "Cadê o Brincar?”, ilustra essa situação ao afirmar: “A escola de Ensino Fundamental, ao receber as crianças da Educação Infantil, parece desconsiderar as suas especificidades e seu desenvolvimento, passando a vê-las não mais como crianças, mas como apenas alunos” (BARROS, 2009, p.34). Isso contradiz o que é sugerido na BNCC (Base Nacional Comum Curricular) para a transição desse período:

A transição entre essas duas etapas da Educação Básica requer muita atenção, para haver equilíbrio entre as mudanças introduzidas, garantindo integração e continuidade dos processos de aprendizagens das crianças, respeitando suas singularidades e as diferentes relações que elas estabelecem com os conhecimentos, assim como a natureza das mediações de cada etapa. (BRASIL, 2018, p.53).

O papel do professor como observador e mediador

Além da importância do brincar, é fundamental a presença do professor como um observador atento nos momentos destinados a esta atividade. No cotidiano escolar, é comum que os momentos de brincadeira livre estejam destinados aos intervalos dos professores ou a momentos em que o professor precisa adiantar ou preparar atividades futuras. No entanto, a presença do professor é essencial para acompanhar o desenvolvimento das crianças, proporcionar apoio quando necessário e também para valorizar e enriquecer as experiências lúdicas dos estudantes. A observação se faz importante, já que: 

Uma excelente fonte de conhecimentos sobre o brincar e sobre as crianças e os adolescentes é observá-los brincando. Penetrar nos seus jogos e brincadeiras contribui, por um lado, para colhermos informações importantes para a organização dos espaços-tempos escolares e das práticas pedagógicas de forma que possam garantir e incentivar o brincar. Por outro lado, ajuda na criação de possibilidades de interações e diálogos com as crianças, uma vez que propicia a compreensão de suas lógicas e formas próprias de pensar, sentir e fazer e de seus processos de constituição de suas identidades individuais e culturas de pares. (BRASIL, 2007, p.42)

Ademais, além da observação, o professor desempenha um papel essencial na construção de mediações que podem impulsionar saltos significativos no aprendizado dos alunos na chamada zona de desenvolvimento proximal desenvolvido por Vygotsky e seus colaboradores:

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, em vez de “frutos” do desenvolvimento. (VYGOTSKY, 2007, p.98)

Dessa forma, em algumas situações, o desenvolvimento pode ser auxiliado por meio da interação com o outro mais experiente, o professor. É importante ressaltar que não se trata de uma estimulação excessiva, os alunos necessitam de espaços livres para interações entre si, para poderem criar suas próprias regras, discutir e compartilhar papéis presentes na brincadeira.

Essa mediação descrita anteriormente, também pode ser observada nos momentos em que há intencionalidade pedagógica, conforme descrito na BNCC como “construção intencional de processos educativos que promovam aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibilidades e os interesses dos estudantes (...)” (BRASIL, 2018, p.14). Um exemplo de intencionalidade pedagógica pode ocorrer ao criar e possibilitar ambientes investigadores para as brincadeiras livres, nos quais são disponibilizados materiais não estruturados, panos e outros elementos que incentivam a criação e imaginação.

Conclusão

Como visto anteriormente, a transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental representa um marco significativo para os estudantes, muitas vezes é marcado pelo fim de momentos essenciais para o desenvolvimento dos alunos, como os momentos destinados às brincadeiras.

A ausência de tempo, uma rotina acelerada e a falta de planejamento são fatores que podem contribuir para o engessamento das práticas pedagógicas no 1º ano do Ensino Fundamental e para a escassez de momentos destinados ao brincar. Além disso, os livros didáticos, conteúdos pré-estabelecidos e planejamentos impostos pela própria gestão também podem dificultar a inserção desses momentos. No entanto, é fundamental buscar alternativas para organizar espaços, tempos e materiais destinados ao brincar que sejam além do horário de intervalo, como garantia dos direitos dos estudantes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente.

A alfabetização, os momentos em sala de aula e as atividades são de extrema importância no processo educativo, mas não devem excluir ou substituir os momentos de brincadeira. Também é de suma importância incluir no cronograma escolar momentos de contato com diferentes materiais, além do lápis e do caderno, bem como adotar práticas em diferentes espaços como bibliotecas, pátios e quadras disponíveis na escola. Além disso, é fundamental proporcionar momentos de brincadeira com intencionalidade pedagógica e mediação do professor de sala. Esses momentos, não apenas criam ambientes enriquecedores e promovem aprendizagens significativas, mas também ampliam o repertório cultural dos estudantes.

Referências bibliográficas

BARROS, Flávia Cristina de Oliveira Murbach de. Cadê o brincar? da educação infantil para o ensino fundamental. Flávia Cristina Murbach de Barros - São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90. São Paulo, Atlas, 1991.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.

BRASIL. Ministério da Educação. Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão de crianças de seis anos de idade / organização Janete Beauchamp, Sandra Denise Pagel, Aricélia Ribeiro do Nascimento. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007.

ELKONIN, Daniil Borisovich. Psicologia do jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MARTINS, Joyce Cristine. A transição da educação infantil para o ensino fundamental: a atividade principal em questão. Josy Cristine Martins - Maringá, 2013.

NASCIMENTO, Carolina Picchetti; ARAUJO, Elaine Sampaio; MIGUEIS, Marlene da Rocha. O jogo como atividade: contribuições da teoria histórico-cultural. Psicol. esco. educ. 2009, vol. 13, n.2, pp. 293-302.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

 

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