Comentário sobre a Redação ENEM 2017
Finalmente chegou o dia da prova do ENEM.
E, neste ano, a Redação foi matéria de primeiro dia, com o tema “Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil”. Como já era esperado – até mesmo porque constava na cartilha do candidato – o tema é de ordem social, envolve uma questão bastante importante, já que há, aproximadamente 10 milhões de pessoas surdas no Brasil.
Um primeiro ponto interessante é que o candidato talvez utilizasse a expressão “surdo-mudo”. Porém, o que alguns não sabem é que essa ideia é equivocada porque nem todo surdo é também mudo. A pessoa muda não faz uso do aparelho fonador, mas isso não está relacionado diretamente com o outro sentido: o da surdez. Existem surdos que também são mudos, mas é uma minoria.
A coletânea, formada por quatro textos motivacionais, apresentou informações sobre o número de alunos surdos na Educação Básica entre 2011 e 2016, dados do próprio MEC. O segundo texto era um artigo constitucional sobre o direito à Educação, que concatenava com o terceiro estímulo: a lei 10.436 de 24 de abril de 2002, a qual determina que Libras (Linguagem Brasileira de Sinais) seja a segunda lei oficial no Brasil. Havia ainda um anúncio do Ministério Público do Trabalho (MPT), em campanha para combater o preconceito contra os surdos no mercado de trabalho.
Observando o recorte temático - que solicitava os desafios para a formação educacional do surdo -, o direcionamento do texto deveria ter contornos educacionais e como poderia ser essa formação e especificação em relação à surdez. Assim, candidatos que escreveram de forma mais abrangente sobre a inclusão social de deficientes podem ter tangenciado o tema.
Ainda com foco no recorte da prova, podemos analisar a formação das classes mistas, como alternativa de integração de crianças e adolescentes surdos, mas que nem sempre resulta em boas medidas. Principalmente se o corpo docente não estiver preparado para essa integração e se a escola não oferecer infraestrutura adequada.
O candidato deveria ressaltar a ideia de que igualdade e acessibilidade são direitos de todos e não é apenas responsabilidade social de alguns setores da sociedade.
Como repertório sociocultural, poderiam ser trabalhados:
► A fundação da primeira escola de educação de crianças surdas foi em 1857, durante o reinado de D.Pedro II, no Rio de Janeiro, que era capital do país; O Imperial Instituto de Surdos-Mudos é hoje o Instituto Nacional de Educação de Surdos (Ines);
► Em 2002, por meio da sanção da Lei n° 10.436, que a Língua Brasileira de Sinais (Libras) foi reconhecida como meio legal de comunicação e expressão no país;
► Campanha #surdoehquemfala tem o objetivo de diminuir o preconceito contra a pessoa com deficiência auditiva;
► A LBI - Lei Brasileira de Inclusão nº 13.146, de 6 de julho de 2015 -, que afirma no Art. 63. É obrigatória a acessibilidade nos sítios da internet mantidos por empresas com sede ou representação comercial no País ou por órgãos de governo, para uso da pessoa com deficiência, garantindo-lhe acesso às informações disponíveis, conforme as melhores práticas e diretrizes de acessibilidade adotadas internacionalmente.”
► A lei n°10.098/00 da qual destacamos o artigo 18: “O Poder Público implementará a formação de profissionais intérpretes de escrita em braile, língua de sinais e de guiaintérpretes, para facilitar qualquer tipo de comunicação direta à pessoa portadora de deficiência sensorial e com dificuldade de comunicação”.
► Projeto Libras na Ciência, da Universidade de São Paulo (USP)
► Atendimento Educacional Especializado (AEE), um período adicional de horas de estudo. Além de momentos em que os conteúdos são ministrados em Libras, preferencialmente por um professor surdo, o AEE trabalha o ensino da língua específica e de Português, em aulas especiais para alunos com deficiência auditiva.
► O filme “O Milagre de Anne Sullivan”, conta a história da professora Anne Sullivan que tenta ensinar a aluna cega, surda e muda, Helen Keller, sobre o mundo e a necessidade de se adaptar a ele.
► O Plano Nacional de Educação (PNE) determina diretrizes, metas e estratégias para a política educacional dos próximos dez anos. Ele prevê a redução das desigualdades e a valorização da diversidade, caminhos imprescindíveis para a equidade.
► Pensamento da pedagoga Maria Teresa Eglér Mantoan, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp): “Inclusão é sair das escolas dos diferentes e promover a escola das diferenças”.
Sim, eu sei... não seria tão fácil. São muitas referências até mesmo para quem é especialista no assunto.
Entre as várias propostas de intervenção que o candidato poderia sugerir, estão:
⇒ Políticas de Acessibilidade em vários locais de convívio;
⇒ Acompanhamento de especialistas;
⇒ Difundir a linguagem dos sinais ( Libras ) para os não-surdos;
⇒ Formas institucionalizadas de apoiar o uso e difusão de Libras como meio de comunicação objetiva;
⇒ Um dos principais problemas é a falta de intérpretes. A presença desses profissionais deve ser obrigatória nos hospitais, nos bancos, nos shoppings, nas escolas, nas faculdades, em seminários e palestras;
⇒ Implantar a acessibilidade na internet, nos sites de e-commerce e também em sites que funcionem como fórum de debates como o www.amigodosurdo.com;
⇒ Acesso ao Atendimento Educacional Especializado (AEE);
⇒ Formação – obedecendo a política de nacional de educação especial – dos professores;
⇒ Desenvolvimento das tecnologias digitais de informação e comunicação de surdos, inclusive em cursos na modalidade a distância;
⇒ Projetos apresentados em Libras nas Universidades;
⇒ Aplicação de recursos em provas como a videolibras, tradutor-intérprete de libras e leitura labial que possam facilitar a acessibilidade.
O ENEM, este ano, teve 1635 surdos que, mediante a política de acessibilidade do MEC e do INEP, puderam fazer as provas com a ajuda de videolibras. Além da prova em vídeo, os estudantes com surdez ou deficiência auditiva tiveram outros dois recursos já tradicionalmente oferecidos: o tradutor-intérprete de libras e a leitura labial. Quem optou pelo tradutor-intérprete pode contar com a orientação de profissional capacitado para dúvidas específicas de compreensão da língua portuguesa escrita, sem fazer a tradução integral da prova.