
Heleno, o junky
Fui assistir ao filme do Heleno de Freitas, o primeiro grande representante da tribo do jogador-problema. Rodrigo Santoro interpreta com empenho e razoável categoria o artilheiro brigão e playboy baladero do glorioso Rio de Janeiro dos anos 40, autor de mais de 200 gols pelo Botafogo e destaque da seleção brasileira na conquista do sul-americano de 45 no Chile. Achei exagerada a versão cinematográfica do centroavante, muito mais focada nas suas jogadas noturnas e erráticas - a tabelinha com o whisky, os sem-pulos com o cigarro, as cabeceadas com o éter, os carrinhos por trás nos companheiros e as arrancadas junto ao público feminino – do que nas bolas que balançaram as redes adversárias.
Isto porque, como atleta amador e eventual bebedor de cerveja ou whisky, sei que é bastanteimprovável que alguém que seque uma garrafa de destilado e fume três maços de cigarro diariamente, por anos seguidos, intercalados com freqüentes fungadas de lança-perfume, consiga ter um desempenho minimamente convincente como jogador, quanto mais ser um dos principais goleadores brasileiros por quase uma década. O personagem no filme mais parece uma mistura de Chiquinho Scarpa com Charles Bukowski ... Um junky de sucesso nos campos seria algo tão factível quanto um analfabeto que escrevesse um best-seller.
Meu pai me acompanhou ao cinema, sempre garantia de boas recordações. Contou que lá pelos idos de 1947, ainda garoto de calças curtas em sua cidade natal, Poços de Caldas, foi ver um amistoso-treino da Caldense, o time local, contra o São Paulo. Heleno, que provavelmente fazia estação de águas na cidade – segundo o filme, provavelmente, estaria bebendo, fumando e fornicando no Hotel Palace – atuou nesta partida, por diversão, pelo escrete mineiro. Também participou pela Caldense deste embate, vencido pelo São Paulo, o Mauro, então com 15 ou 16 anos, futuro capitão da seleção campeã da Copa de 62, no Chile. Ele era colega de classe do meu pai e foi zombado no dia seguinte na escola, em tom de admiração, por ter levado um drible entre as pernas do Diamante Negro Leônidas.
Curioso é que três anos depois, no tristonho 16 de julho do “Maracanazo”, quando o Brasil perdeu a final da Copa por 2 a 1 para o Uruguai, meu pai também estava lá – já posso dizer que meu velho entrou na condição de testemunha ocular da História. Quem não estava em campo era o Heleno, excluído da seleção canarinho por desentendimentos com o técnico e pela decadência física e psicológica causada pelo coquetel álcool, éter, nicotina e sífilis. E seu grande sonho era exatamente este: brilhar pela seleção brasileira, para 200 mil torcedores, naquela Copa e em pleno Maracanã, estádio na qual jogaria apenas uma vez vestindo a camisa do América. A frustração abalou de vez o craque.
Em 1948, Heleno passara uma temporada no Boca Juniors, mas já não brilhara tanto. Quando consultei arquivos e links da Internet depois do filme, descobri que as más (ou boas) línguas comentam que o nosso galante atacante teria tido um caso com Evita Perón enquanto esteve em Buenos Aires. Ou seja, na próxima vez que o Maradona disser qualquer bobagem sobre o Pelé ou Neymar, retrucaremos que a adorada diva dos hermanos, antes de cantar para que a Argentina não chorasse por ela, gostava mesmo era de um ataque-defesa pelos flancos, entre as quatro linhas da cama, com um legítimo artilheiro brasileiro.
Heleno teve um abreviado e triste fim, mas sem dúvida é uma grande história que merece ser vista e pesquisada, bem mais charmosa e elegante do que a vida e as caneladas fora de campo, nos últimos anos, de jogadores como o animal Edmundo e o roliço Adriano.