
Rumo à cratera do vulcão
De volta do Chile ontem para Ribeirão Preto e hoje sentado em frente ao computador enquanto digito essas linhas, tento lembrar e sentir o que se passou no último dia 09 de janeiro desde as primeiras horas da manhã. Estávamos em seis no refúgio Tejos, a 5.800 metros de altitude – eu, Haroldo e Luiz, os integrantes da expedição carinhosamente batizada de início como os “Ogros da Salada”, e mais três chilenos, sendo um deles o nosso incansável guia Mario Sepúlveda. Cochilamos sem conforto ou reposição de energias dentro dos sacos de dormir até às 3 horas da madrugada quando iniciamos os preparativos finais para o ataque ao cume do Ojos del Salado, 1.100 metros acima por encostas nevadas.
O temido frio de -25 graus, temperado por ventos que poderiam fazer a sensação térmica alcançar -40 graus, felizmente não se concretizou. Ufa! Nossa expedição enfrentaria um tempo mais ameno, por volta dos -15 graus. Pero si, pero no, vesti três camadas de calças, sendo a última com membrana de goretex; mais quatro camadas para proteger a parte de cima do corpo, sendo uma camisa e um casaco de polartec, um colete com pena de ganso e a jaqueta de goretex; nos pés, duas meias e as botas duplas, dignas de astronautas; na cabeça, um gorro, uma balaclava e ainda o capuz da jaqueta de goretex; nas mãos, três camadas de luvas; no rosto, no nariz e nos lábios, cremes protetores contra o vento, sol e assaduras.
O café da manhã foi silencioso e um pouco tenso: chá, bolachas e frutas enlatadas. A dor de cabeça que latejava no topo do crânio há mais de oito horas não cedera com a última aspirina e incomodava. Sinal que minha aclimatação não havia sido suficientemente boa ou longa para tentar escalar o Ojos del Salado com mais tranquilidade. A opção razoável seria abortar a subida, descer para um acampamento 1.600 metros abaixo, descansar um dia e retornar para uma nova tentativa. Mas como desistir naquele momento, às 4:30 horas da madrugada, com todo mundo pronto e as condições meteorológicas aparentemente favoráveis?
Para piorar, tentei ingerir uma nova aspirina que aliviasse a encefalite causada pelo engrossamento do sangue que tentava valentemente, ao ser bombeado pelo coração, levar oxigênio ao cérebro naquela zona de ar rarefeito. O enjoo foi instantâneo e, minutos antes do grupo partir, literalmente “chamei o Hugo” e mandei embora o parco café da manhã ainda no estômago. Sem energia alimentar no organismo, minha missão se complicara mais um pouco diante das prováveis 8 horas de ascensão que tínhamos pela frente, ou melhor, pelo alto. “Paciência! Vou subir esse troço na raça”, disse aquela parte de mim que não queria desistir, o tal Diabinho. O Anjinho, por sua vez, já sugeria: “Calma, vamos adiar esse desafio!”...
O Diabinho “Gustavo” venceu a parada. Coloquei o óculos escuros na bolso e nas costas a mochila contendo, entre outros objetos, câmera fotográfica e de vídeo, uma cadeirinha de escalada, os grampons a serem acoplados nas botas, dois chocolates e os shakes de malto, creatina e BCAA divididos numa garrafinha de plástico e em outra térmica – no fundo, seriam elas a minha esperança de reservas energéticas; e peguei os bastões de caminhada. Formamos uma fila indiana atrás do guia Mario e começamos a caminhar lentamente por volta das 4:40h, passos cadenciados, lanternas de testa acesas numa madrugada bastante clara, a lua cheia iluminando vales fantasmagóricos e remotos da cordilheira na fronteira entre o Chile e a Argentina, com diversos picos abundantemente nevados.
Todos eles diziam, de forma magnética: “Venham a mim, subam e bebam do mágico elixir que enfeitiça homens e mulheres de todo o mundo em busca do segredo das montanhas”. Nossos olhos e mentes, no entanto, naquele momento, estavam voltados para o Ojos del Salado, e como faríamos para chegar até sua cratera ... (continua no próximo capítulo enquanto vou separando as fotos e vídeos ...).