Das questões sobre o impeachment

Das questões sobre o impeachment

É preciso olhar a decisão sobre o pedido de cassação sem paixão ou torcida. Se for possível

Quem lê meus escritos sabe que não tenho o hábito de falar de assuntos que fogem à alçada de Ribeirão Preto e região. Falar de assuntos nacionais sempre me parece um desperdício quando todos já falam e quando poucos falam de coisas próximas. Preferem, por exemplo, criticar quem está longe.

Mas no caso da aceitação do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT) pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acho pertinente abrir uma exceção, não para defender Dilma ou Cunha, mas para falar de alguns pontos necessários. Afinal, não é de todo ruim meter a colher em assunto de tão boa repercussão.

Mas vamos às vacas frias. Dilma não está cassada senhores. Foi apenas aceito um processo de impeachment que, espera-se democraticamente, com amplo direito de defesa e direito ao contraditório. Assim, quem acredita nas instituições democráticas e no cumprimento das leis – entre elas a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – não pode temer tal processo.

Assim, após o longo processo com parlamentares de todas as tendências envolvidos, há a chance de a presidente sair ilesa da busca de cassação. Não sairá, certamente, mais fortalecida, mas a absolvição é perfeitamente possível, pertinente e até aceitável, no caso de falta de provas.

Mas no calor da decisão surgem outros discursos apaixonados de parte a parte. É preciso afastá-los para uma análise um pouco mais isenta. Dizer que imparcial é bobagem. Ninguém está livre de uma torcida, por menor que seja.

Assim, parece ruim dizer que Eduardo Cunha também está sujo e que faz uma espécie de chantagem. Pode ser verdade a parte da chantagem. Mas será difícil encontrar por lá alguém extremamente limpo, para cuidar do assunto.

Outras lembranças. Eduardo Cunha é filiado a um partido aliado da presidente Dilma Rousseff, que aliás forneceu o vice-presidente na chapa. E ele também foi eleito, não de forma direta, mas eleito. E pode tranquilamente ser afastado do cargo, em um processo regular de cassação – também com amplo direito de defesa.

Eu não queria falar da parte do golpe, mas é preciso lembrar que o instituto do impeachment está previsto na Constituição Federal e já foi utilizado há 23 anos. Quem é contra precisa propor emenda que o retire do texto.

Sobre a legitimidade do voto, da eleição da presidente Dilma não se contesta. Houve uma votação e ela foi eleita por maioria de votos, como prevê o regime democrático. Com isso, adquiriu o direito de governar por quatro anos.

Mas é preciso lembrar que essa legitimidade tem limite. Não é para fazer tudo. O voto não legitima o descumprimento de leis e nem a defesa de pessoas que não agem corretamente. É também preciso ver em que condições esta maioria de votos foi conquistada. Se houve algum tipo de fraude, a legitimidade fica arranhada.

A respeito da honestidade da presidente, pelo menos por enquanto, não se questiona. Ainda não há notícias de roubos e desvios. Mas o governo que ela chefia não está livre de qualquer suspeição. Muito pelo contrário, sofre de vários questionamentos. E como separar a chefe de seu governo? Dificil.

Encarando a situação pelo lado do governo e dos defensores da presidente é possível enxergar certo aproveitamento da situação por parte de opositores. E imaginar que há forças retrógradas com o olho no poder. E até falar em golpe. Faz parte do processo democrático e da disputa de espaço.

A pergunta mais séria e pertinente em toda esta situação pouca gente fez, mas é preciso fazer e refletir sobre ela:

É melhor manter um governo frágil, com pouca credibilidade e aceitação popular, passível de chantagem de congressistas pouco honestos, ou praticar uma ruptura que pode representar uma nova chance de governabilidade?

Espera, você vai dizer que o substituto da presidente também é ruim? Perdão. Isso é assunto para outra discussão. A de refundação da República.

Foto: Lula Marques / Agência PT

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