
O Regimento Interno e a discussão estéril
Há um cinismo recorrente e indisfarçável em alguns assuntos que envolvem a Câmara Municipal. O mais recente e em pelo menos dois atos, diz respeito à tramitação, criação e conclusão de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs). O tema voltou à tona na semana passada, em função da tentativa de vereadores de criarem duas novas comissões para investigar o Daerp.
Em entrevista à TV Clube e no programa Café com o Presidente, da TV Câmara, o presidente Walter Gomes (PR) disse que há que se cumprir o Regimento Interno. Ainda bem. O tal regimento prevê que uma CPI ou uma Comissão Especial de Estudo (CEE) tem prazo de conclusão de 120 dias, podendo ser prorrogado.
Há algo de errado nesta história. Há CPI dormitando na Câmara há três anos. Tudo bem que haja a previsão de prorrogações, mas elas não podem ser assim intermináveis. Senão o Regimento Interno trabalha contra a principal função do vereador, que é fiscalizar o Executivo.
O Regimento Interno também prevê que apenas cinco CPIs podem tramitar ao mesmo tempo na Câmara. Como já existem cinco, outras a serem criadas precisam ser aprovadas pelo plenário da Casa.
É aí que a roda pega. Sem interesse em fiscalizar o Executivo, a base aliada emperra a aprovação. E se amanhã o prefeito for do partido que hoje é oposição a situação continua. Apenas se invertem os lados.
O presidente Walter Gomes disse que não pode interferir no trabalho dos vereadores para apressar a conclusão de CPIs. O republicano só não informou que duas CPIs que tramitam na Casa – a do Instituto de Previdência dos Municipiários (IPM), de 2013, e a da Cultura, do ano passado – foram propostas e presididas por ele, sem conclusão. Para não dizer sem depoimentos, sem reuniões dos membros.
Esse Regimento...
Pois nessa luta de defender o mínimo de fiscalização até o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ex-presidente da Câmara Cícero Gomes da Silva (PMDB) correu a defender o Regimento Interno, no programa Café com o Presidente.
“O documento é fundamentado na Constituição Federal e disciplina as atividades parlamentares”, diz Cícero. “Desrespeitá-lo remete às situações de golpe e regimes de exceção. É necessário que se cumpra o Regimento Interno e sua discussão deve ser para atualizá-lo”.
Aí é que entra o segundo ato de uma discussão pouco verdadeira. Cícero Gomes era ainda presidente da Casa, no ano passado, quando foi constituída uma CEE para discutir exatamente a atualização do Regimento Interno, proposta e presidida pelo vereador Beto Cangussú (PT).
A conclusão da CEE é um projeto de novo regimento protocolado na Casa em setembro do ano passado, sem ter merecido qualquer discussão quase um anodepois. Ninguém sabe porque o projeto não entra na pauta. Ou melhor, até sabe.A última promessa que Beto Cangussú teve da Presidência, segundo ele, era de que a proposta entraria em discussão em maio deste ano. Mas não ocorreu.
E por que falar de reforma do Regimento Interno agora. Para lembrar ao ex-presidente Cícero Gomes que o projeto já tira uma soneca na Câmara e para informar que se aprovado o projeto, as CEEs e CPIs continuam com prazo de 120 dias, mas prorrogáveis por apenas uma vez e com a apresentação de justificativa sólida e um relatório preliminar.
Então. É só atualizar o Regimento Interno para facilitar a fiscalização. Lembrando sempre que quem é situação hoje pode ser oposição amanhã. E vice versa.