
Sensibilidade zero
Luto de uns, festa de outros. Foi o que se viu na Câmara, na noite de quinta-feira
Cena insólita. Nas galerias da Câmara, uma mulher de pé nas escadarias segura um cartaz de luto. Sozinha, em silêncio. É um protesto contra a morte de um homem que caiu de moto depois de bater em um buraco. A internação durou quase um mês, antes da morte.
Corre o pano. Em volta da mulher, confortavelmente sentados, estão servidores municipais que pressionam por reajuste salarial do chefe do Executivo porque seus salários chegaram aos R$ 17,3 mil, o mesmo recebido pela prefeita e não podem ter correções. Um aumento de 30% que irá beneficiar os servidores está para ser votado.
A mulher olha para os lados. Em sua dor de luto pela perda, não consegue entender nada. Em silêncio, é a primeira vez que está ali, na casa do povo para pedir, solitariamente, que os vereadores possam ajudar a resolver os problemas da cidade esburacada para que não morram mais pessoas. Em outras ocasiões já protestou aos gritos contra vereadores, na Câmara.
E pede de forma simbólica. Sem exigir, sem gritar. Só um cartaz de luto por um “acidente ‘buracal’”. Os vereadores sabem que a cidade está esburacada. Eles também sabem do acidente, da morte e de prejuízos materiais sofridos pelos contribuintes.
Mas quem disse que essa é a hora de resolver problemas de urbanismo? Agora é hora de decidir se haverá aumento de 30% para prefeito, vice, secretários municipais (estes com mais de 40%) e para os servidores que lotam as galerias.
É claro que estes servidores têm direito à correção. Alguns estão sem reajuste desde 2008. Outros atingiram o teto depois. Eles têm tempo de trabalho prestado e expertise para suas funções. São trabalhadores como outros.
A mulher olha para o plenário. Os vereadores votam. Cinco votam contra o aumento. Os outros 16 votam a favor. As galerias aplaudem. A mulher com sua placa de luto observa. Nada diz, olha apenas a felicidade de quem vai ganhar, mesmo que a partir de 2017, cerca de R$ 6 mil a mais.
Vereadores favoráveis ao projeto não perdem a chance de se vangloriar. De tomar injeção com o braço alheio. Fazer a alegria de outrem com recursos dos suados contribuintes. Vão à tribuna. Discursam. Defendem o reajuste com unhas e dentes.
Um deles, mais emocionado fala como se sem o aumento os servidores que ganham R$ 17,3 mil estivessem com problema para comprar comida para seus filhos. Uma dificuldade danada.
Outro diz que é muito triste um pai não ter dinheiro para pagar uma viagem que o filho pede. Uma tristeza. Outro diz que o aumento não significa nada, porque a cidade arrecadará R$ 2,8 bilhões no ano que vem.
Eles pensam que estão corretos. Sobre os buracos que matam, que penalizam contribuintes, nenhuma palavra. À mulher de luto nas galerias nenhuma menção. Nenhum gesto sequer.
Termina a sessão. Logo vai ter uma solenidade para entrega de título para um importante deputado que já foi vereador na cidade. A mulher recolhe sua placa e vai embora com seu luto, certamente se desviando de buracos.
Os demais comemoram o título de cidadão, o reajuste que virá e a alegria de mais um pedido de servidores atendidos. E a vida segue. Ano que vem estes vereadores pedirão seu voto. Analise seus comportamentos antes de chegar na urna eleitoral.
A votação, discursos e a mulher com sua placa podem ser vistos no vídeo da TV Câmara, no Yotube.
CIDADE LIMPA
O projeto que prevê alterações na lei Cidade Limpa foi retirado da pauta de votações da sessão desta quinta-feira, dia 10, da Câmara Municipal. O autor do projeto e presidente da Câmara Walter Gomes (PR) pediu a retirada para melhor análise. O projeto já passou por análise e até por audiência pública. Por isso a retirada causou estranheza. Certamente faltam votos para a aprovação. Ou ainda pairam dúvidas sobre a legalidade.
MANIFESTAÇÃO CONTRÁRIA
Também, coincidentemente, pouco antes do início da sessão da Câmara, a Associação comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) distribuiu nota à imprensa onde demonstra preocupação com as possíveis mudanças. “A Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (Acirp) está atenta a qualquer modificação que possa ocorrer à Lei Cidade Limpa, por meio da votação de hoje (10) na Câmara dos Vereadores. A entidade preocupa-se com a alteração de alguns tópicos da lei, observados no projeto disponibilizado, por considerar essas mudanças um retrocesso a uma conquista importante para a redução da poluição visual em Ribeirão Preto”, registra a nota em sua íntegra.
CONCURSO
A comissão fiscalizador do concurso 01/2015 da Câmara Municipal entregou relatório à Mesa Diretora da Casa onde sugere o cancelamento do exame, realizado no dia 1º de novembro, com a participação de mais de 2 mil candidatos. O resultado do concurso está suspenso desde o dia 10 de novembro. Neste período, os vereadores Ricardo Silva (PDT), Bertinho Scandiuzzi (PSDB) e Marcos Papa (Rede), integrantes da comissão, apuraram denúncias feitas por candidatos. Antes de resolver pela anulação do concurso, o presidente do Legislativo pediu parecer ao Departamento Jurídico.
ELE DISSE
“Então, mais uma vez imprensa, para deixar bem claro. Não é para a prefeita esse aumento, como alguns já estão divulgando. É para o prefeito que estiver aqui a partir de 2017 e para valorização destes servidores, que se dedicam, dia após dia, para ajudar na qualidade de vida da nossa população”
Samuel Zanferdini (PMDB), vereador em Ribeirão Preto, ao justificar seu voto favorável ao projeto que eleva, a partir de 2017, o subsídio do chefe do Executivo, vice-prefeito e secretários, em cerca de 30%. A recomposição também beneficiará servidores que já ganham o mesmo salário que a prefeita Dárcy Vera (PSD); R$ 17,3 mil.
Foto: Viviane Mendes