
Uma homenagem póstuma
O texto abaixo foi publicado originalmente no Jornal Enfim em janeiro de 2008. Assim, as informações devem ser vistas como de seis anos atrás, ou um pouco mais. A publicação é pertinente diante da morte deste misto de político, ator e pessoa humana de fino trato.
O amigo de Mazzaropi
Vereador por oito mandatos, candidato a prefeito de Ribeirão Preto (SP), funcionário da Antártica. E uma carreira de ator que inclui peças de teatro e 18 filmes, dez deles ao lado de Amacio Mazzaropi. É José Velloni, contador de muitas histórias também na vida real
“Um dia uma colega de trabalho da Antártica, a Isabel, pediu para podar uma árvore em frente à sua casa, na rua Padre Feijó, 782”. O início da história poderia ser de uma pessoa de 20, 30 anos de idade. Que a teria vivido poucos anos antes. Não é. Quem conta é José Velloni, 87 anos de idade, com alguns problemas de saúde, mas dono de uma memória quase infalível. O que ele conta, viveu quando era vereador. E há 25 anos deixou a Câmara Municipal. Ele credita a boa memória aos laboratórios que fez quando era ator de teatro.
Mas continuemos a história. “A moradora da casa dizia que os galhos da árvore tocavam os fios e saiam faíscas. Como a mãe ficava o dia todo sozinha em casa, elas tinham medo de algum acidente. Pedi ao prefeito para podar a árvore, mas o responsável pelo setor na Prefeitura disse que não era época de poda de árvores. Chamei dois rapazes, arranjei um serrote e uma escada pequena e eles começaram a poda às 10 horas da noite. No dia seguinte a Isabel foi me agradecer dizendo que haviam podado a árvore durante a noite”.
Histórias como estas José Velloni tem muitas. Afinal, foram oito mandatos consecutivos de vereador, sete de quatro anos e um de seis anos, de 1977 a 1982, quando foi candidato a prefeito, juntamente com Welson Gasparini e o falecido Faustino Jarruche, na única eleição em que havia sublegenda e o vitorioso era o mais votado da legenda que conseguia o maior número de votos. João Gilberto Sampaio, do PMDB, foi o prefeito eleito naquele ano, quando o voto era vinculado.
“O povo queria votar contra a revolução e o Franco Montoro foi eleito governador”, lembra José Velloni. Naquele ano, o partido usava o slogan “PMDB de ponta a ponta”, na divulgação do voto vinculado, onde o eleitor era obrigado a votar em todos os candidatos (governador, senador, deputados federal e estadual, prefeito e vereador) do mesmo partido.
José Velloni lembra que era sempre da situação, mas não era um acomodado e nem dizia amém a tudo que o prefeito queria. “Sempre fui muito independente. Votei contra, por exemplo, à transformação do Sassom em autarquia. O prefeito perdeu a votação e abandonou o projeto. Ainda bem. Hoje o Sassom atende bem a todos os funcionários públicos”. Para ele, a transformação do serviço em autarquia o enfraqueceria, porque o prefeito perderia a força sobre a direção do Sassom.
O ex-vereador lembra que os prefeitos de sua época respeitavam muito os vereadores. “Mas eu correspondia a esse respeito”. Segundo Velloni, os vereadores tinham audiências semanais com o prefeito e os problemas eram resolvidos. Caso contrário a cobrança era forte(leia abaixo).
Hoje, José Velloni acompanha os trabalhos da Câmara Municipal “sem muita paixão”. “Antes os vereadores eram prestigiados, não só pelos prefeitos, pelos colegas e pelos eleitores. Hoje o prestígio pessoal diminuiu e há até desrespeito com a figura do vereador”. Ele, no entanto, não culpa os eleitores por essa falta de prestígio. “Os escândalos desmoralizam os políticos de uma forma generalizada”.
Mistura de histórias
Com a esposa Elisa, José Velloni teve seis filhos – cinco homens (um já falecido) e uma mulher – e todos eles passaram pelo teatro. Na política ele fez um herdeiro, o advogado Valério Velloni, que foi vereador por dois mandatos, mas desistiu da política. Outro filho, o professor e artista plástico Dante Velonni foi candidato a vereador, mas não obteve sucesso.
O ex-vereador chegou a ter três ocupações simultâneas: funcionário da Antártica, vereador e ator de cinema. Para conciliar, ele passou a exercer uma função na cervejaria que o desocupava mais cedo. De lá, seguia para a Câmara para atender a população participar das sessões. Para filmar, viajava no início da madrugada para Taubaté e voltava no mesmo dia ou no dia seguinte. Muitas filmagens ocorreram em Ribeirão Preto e região, como em São Carlos, Dourado e Ribeirão Bonito.
Foi assim que ele fez 18 filmes, dez em companhia de Mazzaropi, com quem começou no cinema. Do ator que sempre fez papéis de um jeca, ficou amigo pessoal. “Quando vinha para Ribeirão Preto, o Mazzaropi se hospedava em hotel, mas almoçava em minha casa”, diz.
E desde o começo era para ser mesmo uma grande amizade. O encontro aconteceu porque Velloni foi a São Paulo na casa de um amigo – Paulo – que também trabalhava na Antártica. Ao chegar lá esse amigo disse que Mazzaropi havia acabado de sair da casa dele. Tinha ido pedir bagaço de cevada para tratar de cavalos. “Eu admirava muito o trabalho do Mazzaropi e resolvi falar com o doutor Pupo (diretor da cervejaria) e ele disse que arranjaria o bagaço de cevada”.
Velloni foi pessoalmente dar a notícia a Mazzaropi, que o agradeceu. Ao saber de sua atuação em teatro, o ator o convidou para assistir a uma filmagem. “Assisti à filmagem e no final o Pio Zamoner, que era o diretor disse ao Mazzaropi que eu poderia fazer o papel do Dr. Irineu. Fiz o papel, o Pio gostou e chamou para os outros filmes”. Daí para a frente foram aparecendo convites não só para os filmes de Mazzaropi, mas também outros.
De Mazzaropi ele só tem boas lembranças. “Era muito honesto. Foram muitas as vezes que mandou meu pagamento em casa”. Diz também que o comediante era muito divertido e durante as filmagens costumava contar piadas que não estavam no script. “Os outros atores riam e a cena tinha que ser gravada novamente”. Mas tem tristeza também. “Nos últimos dois anos, com câncer de medula, ele ficou muito triste. Participava das filmagens, mas em seguida ia para seu caminhão que era na verdade uma casa”. Mazzaropi morreu em 13 de junho de 1981.
Falando com o prefeito na Alemanha
São muitas as histórias contadas sobre José Velloni. Algumas ele confirma, outras não desmente. O professor de economia Vicente Golfeto atribui a ele a fama de pão-duro, sovina. Mas ele devolve, dizendo que o professor também o é. “Se o José Velloni pular do décimo andar, pode pular atrás que tem coisa boa lá embaixo”, costuma dizer Golfeto. É também dele uma engraçada história de doação.
“Era véspera de eleição e algumas religiosas foram à Câmara pedir doações. A maioria dos vereadores doou o recurso que podia. Quando chegaram ao gabinete do Velloni elas receberam dele um cheque. Passada a eleição as religiosas voltaram à Câmara para agradecer e foram ao gabinete do vereador fazer uma observação. Agradeceram, mas mostraram a Velloni que o cheque não estava assinado. De pronto ele respondeu: ‘doação comigo é assim, só no anonimato’”. Ao ouvir a história, o ex-vereador apenas sorri.
Há também histórias sérias que ele próprio conta. Uma vez pediu ao prefeito Duarte Nogueira para implantar redes de água e esgoto na Travessa Hilário, no Ipiranga. Ele marcou um dia para começar e não começou. “Fui à Prefeitura e cobrei. Já eram 17h30, mas ele afirmou que começaria ainda naquele dia. Marcou para as 20h30 uma visita ao local e me convidou para ir com ele. Em seguida convocou três auxiliares para o serviço. Quando chegamos na travessa, na hora marcada, o trabalho já tinha começado”, conta.
Outro caso aconteceu com o plantio de árvores na Rua General Osório. A situação foi parecida e as árvores foram plantadas por volta de 21h30. “Eu tinha muito prestígio com os prefeitos, mas sempre correspondi à altura”. Velloni sempre brigou pelos seus eleitores. Tanto que era bom de voto. “Tinha eleitor que ia votar com o meu número escrito na mão. Em uma eleição, tive 12% dos votos da Vila Tibério”, recorda.
Essa luta em favor dos moradores rendeu outra boa história. Era final de expediente e ele tinha atendido 26 pessoas, quando chegou uma moradora para reclamar que seu pedido não havia sido atendido pelo prefeito. O vereador pegou o telefone e, na frente da moradora, discou alguns números e fingiu dar a maior bronca no prefeito pelo não atendimento. Quando desligou a mulher perguntou: “mas o prefeito não está na Alemanha?”. Ao que ele respondeu com a tranqüilidade de um artista: “e onde a senhora pensa que eu telefonei?”
Depois disso, voltou à carga e conseguiu resolver o problema da contribuinte.