Por que vocês não dançam?
Groningen, 4 de fevereiro de 2022
“Why don’t you dance?” é um conto curto, mas muito poderoso do autor americano Raymond Carver (1938-1988). É um conto de amor e solidão, esperança e dor, onde um homem coloca todos os móveis de sua casa para fora, na calçada, para serem vendidos. Um casal de jovens passa por ali à noite e resolve parar, querem comprar a cama e a TV, talvez uma mesa. A garota deita na cama, o garoto liga a TV, eles mexem um pouco nos objetos. Um senhor aparece, subindo a rua. Está trazendo cerveja e whisky. Ele oferece bebida ao casal, senta no sofá e coloca música. O casal negocia com ele o preço da cama, da TV e da mesa. O homem não está muito preocupado com o valor de suas coisas, mas sutilmente mostra prazer em ver seus pertences nas mãos do novo casal (ao que tudo indica, no passado, ele dividia a casa com uma mulher), e o casal está feliz em barganhar os móveis para o novo apartamento.
Depois de ouvirem música e beberem bastante, o senhor fala para o casal dançar. E o garoto e a garota dançam, tanto que o disco acaba duas vezes. E depois dançam ainda mais. O garoto diz que está muito bêbado. A garota convida o senhor para dançar e aperta o seu corpo contra o dele, deita a cabeça em seu ombro. E fala, pela segunda vez, que ele deve estar desesperado ou algo assim.
O confronto das três personagens em uma situação em que pouco se fala sugere uma prazerosa ironia quando os papéis parecem trocados: o casal, aparentemente forte, se fragiliza, e o homem, aparentemente fragilizado, se enche de força. Há uma tranquilidade nesse homem que balança o jovem casal, talvez os anos de experiência, a dor, a esperança (ou a desesperança) que sugere certa estabilidade. E o desespero percebido pela garota em relação ao homem não se define se é dela, ou se está no meio da relação dela com o garoto, ou se é do senhor, ou se pertence a todos eles. Quando a garota diz ao senhor que os vizinhos estão vendo eles dançarem, ele responde tranquilamente que deixe que olhem, que eles achavam que já tinha visto de tudo ali, mas nunca tinham visto aquilo.
O texto oferece a sensação de uma noite quente e estrelada onde corpos estranhos se aproximam e orbitam em histórias não ditas, mas de alguma forma trocadas. A garota, ao dançar com seu parceiro, é uma menina, e ao dançar com o homem, é uma mulher. O velho se realiza na dança do casal e na dança com a menina e o garoto se percebe vulnerável com a bebida e pouco pode fazer. E é nessa dança que o conto envolve o leitor, deixando-o também embriagado e quiçá, um pouco constrangido, como a garota, que no final da história, tenta contar para os amigos o que houve naquela noite, mas depois de um tempo desiste. A noite transformou a alma dos três, mesmo sem ter sido percebido pela razão. A história mostra que certos encontros podem transformar nossas vidas e podem ser breves e inusitados como uma dança na calçada.