COVID-19 e a Saúde Mental (5): Medo e Estresse Peritraumático

COVID-19 e a Saúde Mental (5): Medo e Estresse Peritraumático

As ameaças e as consequências da Covid-19 à saúde individual e os aspectos relacionados às mesmas têm sido investigados de maneiras muito diferentes, incluindo saúde psicológica, comportamento dos indivíduos e perspectiva governamental. Paralelo a isso, os riscos de morte e as sérias consequências decorrentes da doença têm levado profissionais da saúde e cientistas a assistir diferentes populações visando manejar as dificuldades relacionadas à saúde mental. Especificamente, indivíduos podem ter elevado estresse psicológico e desempenhar de forma inapropriada comportamentos ameaçadores à vida induzidos pelo elevado estresse provocado pela atual pandemia. Com o propósito de responder à necessidade de avaliar os correlatos associados à saúde mental, vários pesquisadores ao redor do mundo, e quase simultaneamente ao longo dos últimos quinze meses de pandemia, têm desenvolvido diferentes instrumentos para entender as respostas psicológicas à Covid-19 (Taylor et al, Journal of Anxiety Desorders, 2020; Abad, Da Silva et al, Advances in Infectious Diseases, 2020).

Dentre estes instrumentos, uma escala foi desenvolvida e aplicada, tendo seus dados comparados entre diferentes populações ao redor do mundo. Esta escala trata do medo em relação à Covid-19, sendo composta por 7 itens que visavam avaliar, de forma unidimensional, o medo como uma dimensão especial da coronafobia ao longo dos primeiros meses da pandemia. Por sua vez, outra escala, também aplicada no contexto, foi a Escala de Estresse Peritraumático, a qual, diferente da escala anterior, permitiu capturar várias reações físicas e psicológicas, incorporando medidas de depressão, ansiedade, evitação, comportamento compulsivo, fobias específicas, mudanças cognitivas, sintomas físicos e perda do funcionamento social.    Baseando-se nessas escalas, Abade, Da Silva et al (2020) utilizaram ambas para analisar o medo e o estresse peritraumático da população brasileira durante a pandemia da bCovid-19. Veiculando-as via Google Forms em ambiente virtual, alcançaram originalmente 1875 participantes, consistindo a amostra final de 1844 respondentes completos. Esses participantes também responderam a um questionário sócio-demográfico que incluiu questões específicas sobre prevalência de doenças crônicas e níveis de isolamento social durante a pandemia da Covid-19. Esses questionários tendo sido apresentados em 5 categorias de respostas que variavam desde “Fortemente Discoda” a “Fortemente Concorda”, dependendo da natureza do item de cada escala.

Primeiramente, os autores avaliaram as características dos participantes, tais como gênero, idade, status marital, número de crianças, nível educacional, status ocupacional e níveis de isolamento durante a Covid-19. Desse total, 643 participantes (34,9%) declararam prevalência de doença crônica, sofrimento contínuo e indicadores de desordens psicológicas (16,1%). Esses indicadores são relevantes porque o surto pandêmico atual não apenas traz sofrimento físico mas, também, psicológico, incluindo nesse último, perdas de vidas, perturbações da qualidade de vida, pânico público, estresse mental, ansiedade patológica, estresse pós-traumático e depressão. Participantes com doenças crônicas, como hipertensão, diabetes, doenças cardiovasculares e pulmonares obstrutivas crônicas, também foram anotadas pelos participantes. Interessante destacar que 80% foram do sexo masculino e 90% do sexo feminino.

Globalmente, em ambas as escalas, os escores médios das mulheres são mais elevados. Nos escores da escala de estresse peritraumático as mulheres se situaram predominantemente no nível moderado a severo, com 47,3% e 27,2% respectivamente. Ao passo que, os homens se situaram nos níveis normal e moderado em 41,6% e 48,4% respectivamente. Similarmente, na escala de medo, os escores da frequência para mulheres foram no nível moderado (44,5%) enquanto os escores dos homens estavam no nível normal (68,8%). Ainda, os escores para as mulheres são mais elevados (15,4%) do que para homens (4,8%) no nível severo de medo.

Os resultados indicaram que o sexo feminino foi associado com um progressivo aumento na ansiedade, depressão e estresse. Esses escores estão em harmonia com os resultados de um grande levantamento sobre estresse psicológico obtido junto à população chinesa ao longo da Covid-19, onde as mulheres mostraram significativamente níveis mais elevados de estresse psicológico e mais provavelmente desenvolvendo desordens de estresse pós-traumático que sua contraparte masculina. Ademais, os escores do estresse peritraumático, 41,1 e 33,2, na pesquisa brasileira foram mais elevados que os da população chinesa, respectivamente 24,87 e 21,41.       Tomados em conjunto, tanto os dados da Escala de Medo quanto os dados da Escala de Estresse Peritraumático mostram escores com grande diferença entre sexo e gênero como uma resposta à pandemia. Assim, fica evidente que as vozes femininas devem ser muito bem representadas nos espaços políticos, visando estratégias mitigadoras da propagação da Covid-19, de modo a enriquecer as intervenções multifacetadas de controle tanto dos efeitos primários quanto secundários da Covid-19.

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