As faces diabólicas da desigualdade humana (IX)

As faces diabólicas da desigualdade humana (IX)

Richard Hernstein e Charles Murray, ao longo de seu polêmico livro “The Bell Curve”, ao tratarem da existência do que se convencionou chamar “elite cognitiva”, sustentaram tal ideia com os seguintes argumentos: (1º) nos últimos 50 anos, a educação tem se tornado cognitivamente compartilhada, com as escolas mais prestigiosas deixando de terem suas vagas preenchidas pela elite socioeconomicamente mais afluente, agora pela elite cognitiva; (2º) ao longo do século, especialmente nos últimos 50 anos, a proporção de pessoas no topo mais elevado da distribuição do QI ganhando entrada nas ocupações cognitivamente mais demandantes tem aumentado dramaticamente; (3º) QI é um dos mais simples preditores da produtividade no trabalho; (4º) durante a última metade do século, o valor econômico do QI no mercado de trabalho tem aumentado e (5º) todas as forças tecnológicas e econômicas que levaram a este padrão de desenvolvimento podem ser esperadas continuar ao longo do século 21.

Na parte 2 desse mesmo livro, intitulada “Classes Cognitivas e Comportamento Social”, eles examinaram a relação do Q em relação a uma variedade de desfechos sociais e econômicos, tais como pobreza, desemprego e estrutura familiar. Muitos destes resultados espelham a desigualdade de renda, mas desigualdade de renda não foi a preocupação daqueles autores no, então, polêmico livro. Em outro livro, IncomeInequalityand IQ (1998), Charles Murray sustenta a hipótese de que as diferenças individuais, englobando todos os aspectos do funcionamento cognitivo e social, especialmente a inteligência mensurada pelo QI, mais do que qualquer identidade de grupo, tais como, gênero, ocupação, etnia ou status social, seriam responsáveis pelas desigualdades econômicas. Ele discute que outras fontes, como distinção de classes sociais que por sua vez criam diferentes oportunidades na vida e levam a recompensas econômicas desiguais, supostas pelos economistas e sociólogos, são certamente importantes, bem como, as características individuais como dedicação ao trabalho, charme, honestidade, criatividade e coragem, ainda que, diferentemente do QI, estes últimos, enquanto atributos pessoais, são difíceis de serem mensurados. Ele defende a suposição de que a mais importante diferença individual, inteligência, o tipo de traço mensurado pelos testes de QI, ou seja, a rapidez mental, a habilidade para processar com acurácia informações complexas, é de longe o fator mais importante que os indivíduos trazem para o mercado de trabalho e, por consequência, como as pessoas têm diferentes graus de inteligência, as desigualdades econômicas, escolásticas e sociais associadas a eles, dentre outras, aparecem e muitas delas sendo intratáveis.

Em "Coming Apart", Murray retorna ao principal argumento do "The Bell Curve", mas desta vez focalizando apenas os trabalhadores americanos no auge de seus anos de produtividade que ele define estar entre 30 a 49 anos. Fruto de suas análises estatísticas sobre os censos norte-americanos de 1960 a 2010, para descrever dois grupos extremos. Um é a "Nova Classe Alta", aproximadamente os 5% da sociedade que ocupam posições superiores nas indústrias, nas ocupações e nas academias (baixos salários, mas com alto prestígio) considerando que os mesmos pertencem aos quadros das melhores universidades norte-americanas. Os membros dessa classe são economicamente produtivos e mantêm posições de poder, tanto por direito próprio quanto por suas excursões em altos cargos governamentais. Contrastando, a "Nova Classe Baixa" que é, por ele, definida por pessoas que têm no máximo diplomas de ensino médio e trabalham em atividades administrativas ou em ocupações não-técnicas.

Decorrente destas subdivisões, Murray destaca que a afluência da Nova Classe Alta permite-os a luxúria de isolarem-se em comunidades de pessoas muito similares a si próprios. Eles são divorciados da sociedade como um todo, e, frequentemente, não respeitam as pessoas que são afetadas pelos programas industriais e políticos que eles próprios criaram. Estes são "snobs" ocupando as vagas das mais prestigiosas universidades e vivem tomando vinho com Country Clubs. São os "Snobs intelectuais supereducados". Importante é que o sistema educacional acentua este isolamento ao longo do tempo, pois os afluentes (e muito provavelmente mais inteligente) podem prover às suas crianças com escolas de elite e outros privilégios do bem-material da sociedade.   Por outro lado, uma grande parcela da Nova Classe Baixa não é tão feliz. Murray apoiado em suas análises estatísticas mostra uma marcada deterioração no "capital social" na classe baixa. Isto é refletido em praticamente todas as arenas da vida destas pessoas, incluindo estrutura familiar (poucos com os dois pais presentes nos lares), um decaimento das redes sociais, deterioração na ética do trabalho, criminalidade.

As conclusões de Murray não são baseadas em grosseiras opiniões pessoais, mas sustentadas por dados. Seu trabalho tem sérias implicações para os estudiosos políticos e sociais, pois ele documenta as recompensas e prêmios para a inteligência, ou seja, ele demonstra que a vida é um teste de inteligência aplicado seriamente. 

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