As faces diabólicas da desigualdade humana V

As faces diabólicas da desigualdade humana V

A importância da inteligência para a vida das pessoas tem sido mostrada em vários estudos que encontraram altas correlações da inteligência, mensurada por testes de QI, com muitos desfechos relevantes. Inteligência mensurada é considerada o melhor preditor do desempenho escolar, sendo mais potente que outros plausíveis preditores. Importante: habilidades cognitivas mensuradas no início da vida são grandes preditores de eventos futuros, tais como, saúde e longevidade, nível de escolaridade, ocupação profissional e renda. A implicação disso tudo é que habilidade cognitiva não é, apenas, um desfecho das circunstâncias na vida de uma pessoa, mas, em alguma extensão, em alguma causa. Esta conclusão é, teoricamente, plausível, em adição de ser compatível com as relações observadas. Habilidades de solução de problemas é parte da inteligência, e impacta todos os aspectos da vida: prevenção de acidentes, estratégias de estudo, manipular informação tecnológica, navegar no mercado de trabalho e manipular os eventos da própria vida. Habilidades de solucionar problemas é uma parte essencial da competência em toda e qualquer ocupação. Desse modo, as pessoas tendem a se agregar intelectualmente, criando ambientes pessoais de acordo com seu nível intelectual e preferências individuais.

          A importância da inteligência, bem como, de outras qualidades pessoais, não é confinada às vidas pessoais dos indivíduos. Esses traços também modelam as comunidades que as pessoas formam e as visões de mundo, estilos de vida e formas de governança que adotam. Inteligência é postulada ser uma grande força motivadora do desenvolvimento econômico e cultural. Em suporte a essas hipóteses, muitos estudos encontraram que diferenças regionais em inteligência dentro dos países são robustamente associadas com fenômenos sociais e econômicos. Um exemplo? Estudos mostraram que a há grandes diferenças nas habilidades cognitivas em treze regiões nas ilhas britânicas, 90 regiões na França, 19 regiões na Itália, 18 regiões na Espanha, 16 regiões na Espanha, 47 municípios no Japão, 12 regiões na Turquia, 31 regiões na República Popular da China e 12 regiões do Reino Unido. Particularmente, nos Estados Unidos, inteligência, mensurada no teste de QI, correlacionou-se de forma elevada com o produto doméstico bruto, bem como, com a renda per capita, indicadores de saúde, criminalidade e a eficácia da governança. Muitos outros estudos também registraram correlações significativas entre diferenças regionais na inteligência e uma variedade de fenômenos sociais em saúde, fertilidade, mortalidade infantil e maternal, expectativa de vida, sanitarismo, criminalidade e outros indicadores de riqueza e pobreza.

          Em um estudo que publicamos, recentemente, com colaboradores, usamos os escores do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) como indicador de inteligência para demonstrar correlações estatisticamente significativas para os 27 Estados brasileiros, entre inteligência e 9 indicadores de desenvolvimento sócio econômico, a saber, educação superior, renda per capita, mortalidade infantil, disponibilidade de água, expectativa de vida, fertilidade, pobreza, violência 2014 e violência 2015. Os dados foram surpreendentemente robustos. A maioria das correlações dos escores do PISA com indicadores de prosperidade econômica (renda, pobreza, disponibilidade de água) e saúde (mortalidade infantil, expectativa de vida) foram próximos ou acima de 0.80, sendo as correlações com educação superior e fertilidade não tendo sido muito menores. Também, as varáveis sócioeconômicas foram correlacionadas uma com a outra como esperado, em extensão similar às suas correlações com os escores do PISA. Já as correlações das duas medidas de violência, 2014 e 2015, são menores tanto com os escores do PISA, quanto com outros indicadores socioeconômicos.

          O principal resultado de nosso estudo é que a habilidade cognitiva, refletida pelos escores do PISA das crianças de 15 anos de idade, é relacionada a uma variedade de desfecho socioeconômico ao nível dos Estados brasileiros. Uma explicação para a robustez das correlações é a desigualdade da distribuição de renda: no Brasil, há Estados com nível de desenvolvimento similar aos países pobres na Ásia e África, bem como, há Estados com nível de desenvolvimento próximo da Europa. Outra explicação é o investimento em Educação. Embora educação primária seja obrigatória e livre no Brasil, Estados iguais a Paraná e São Paulo têm altos níveis de matrículas escolares, enquanto Estados iguais a Maranhão e Alagoas, não. Estas desigualdades entre Estados invariavelmente conduzem a altas correlações.

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