As faces diabólicas da desigualdade humana (VI)

As faces diabólicas da desigualdade humana (VI)

Discutindo, e analisado, a relação entre o capitalismo e a desigualdade, Weber, em seu livro The Protestant Ethic and the Spirit of Capitalism (1904), afirmou que, no século 16, ao norte da Europa, o surgimento do Protestantismo foi responsável pelo rápido desenvolvimento econômico de países, particularmente na Holanda e na Inglaterra. Segundo ele, os valores predominantes do Catolicismo, a saber, virtudes da pobreza e retirada do mundo para uma vida de oração no mosteiro, eram hostis ao desenvolvimento do capitalismo, particularmente em entender a importância do capital para o empreendimento capitalista e sua condenação da atividade de emprestar dinheiro a juros, considerada atividade de usura. Tal teoria weberiana ganhou ampla aceitação enquanto explicação parcial para o desenvolvimento econômico do Ocidente a partir do século 16 em diante, todavia, sua limitação foi ser considerada local à Europa, não podendo explicar, por exemplo, o rápido crescimento econômico da Costa do Pacífico na segunda metade do século 20.

Por sua vez, Jerry Müller, em sua análise Capitalism and Inequality: What the Right and the Left Get Wrong, publicada em 2013, entende que a desigualdade está aumentando em quase todo o mundo capitalista pós-industrial. Sua explicação par isto? O fato de desigualdade ser “um produto inevitável da atividade capitalista, e expandir igualdade de oportunidade apenas aumenta-a porque alguns indivíduos e comunidades são simplesmente mais hábeis do que outros para explorarem as oportunidades para o desenvolvimento e o avanço que o capitalismo oferece” (p.30). Para nós, este é um argumento muito interessante, uma vez que enfatiza que a desigualdade que existe hoje deriva menos da disponibilidade desigual de oportunidades “do que da habilidade desigual para explorar as oportunidades”. Afirmando que a habilidade desigual “origina-se das diferenças no inerente potencial humano que os indivíduos começam e nas maneiras que as familias e comunidades capacitam e encorajam o florescimento daquele potencial humano”, Müller não associa diretamente “habildiade desigual” à diferenças em inteligência, mas usa, claramente, termos como “capital humano” e “habilidade cognitiva” em nada distantes de inteligência. Ao lado disso, o autor se refere, também,  ao “patrimônio hereditário” e ao “desempenho de grupo diferencial” entre agrupamentos baseados em religião, raça e etinicidade. Seu argumento central para tal? O de que, no atual ambiente, “capital humano é mais importante que nunca em determinar as mudanças de vida”. (pp.33, 40,44-45).

Brink Lindsey, em Human Capitalism: How Economic Growth Has Made Us Smarter and More Unequal, publicado em 2013, expressa sua preocupação com a crescente desigualdade que muitas nações experimentam à medida que suas economias se desenvolvem. Acreditando que a desigualdade resulta de uma falha humana, por ele denominada “desenvolvimento do capital humano”, que envolve o aumento do valor das pessoas no trabalho através da educação, cuidados com a saúde e outras intervenções dirigidas para tal, o autor acredita que tais investimentos são parte integrante da garantia de que o capitalismo estimule o crescimento econômico e capacite aqueles que estão rebaixados na escala salarial. Para Lindsey, o desenvolvimento do capital humano é tanto causa quanto consequência de uma economia capitalista que funciona bem. Ou seja, para ele, o desenvolvimento cognitivo leva a uma sociedade mais complexa, que inclui mais conhecimento, mas especialização na divisão do trabalho e maior escolha para os indivíduos. Esta complexidade, portanto, seria o que aumenta a demanda por mais desenvolvimento cognitivo, levando as pessoas a investirem mais em educação. A importância disso? À medida que o desenvolvimento cognitivo aumenta, a economia cresce e o ciclio continua.

Em muitas nações, no entanto, um maior desenvolvimento econômico leva a um maior desenvolvimento de “capital humano” para apenas um pequeno segmento da população. Quando uma grande parcela da população é deixada de fora, a oferta de trabalhadores altamente qualificados se torna mais limitada, mesmo que a demanda por ele aumenta. Esse aumento da demanda aumenta ainda mais o valor da mão-de-obra altamente qualificada, enquanto os trabalhadores com menos habilidades são deixados para trás. Neste caso, Lindsey destaca três implicações: (1ª) isso limita o crescimento econômico geral nas economias em desenvolvimento ao restringir a oferta de trabalhadores altamente qualificados, resultando em menos indivíduos inovando ideias e competindo na vanguarda da economia; (2ª) aqueles deixados para trás no ciclo de desenvolvimento do capital humano começam a sentir que aqueles que estão no topo estão agindo de forma injusta e alterando injustamente as regras a qualquer momento, o que pode resultar em instabilidade; e (3ª) isso desafia a noção libertária tradicional da responsabildiade pessoal individual, uma vez que o potencial do capital humano depende, geralmente, do desenvolvimento do capital humanos dos pais, os quais, uma vez menos educados, são menos propensos a incutir em seus filhos o valor do desenvolvimento humano.

Conclusão? Para Lindsey, os governos, e o desenvolvimento das organizações, devem utilizar os princípios libertários quando intervindo para remedias a desigualdade. Deixando claro que os métodos atuais empregados em educação nas escolas públicas, bem como, em promover o bem-estar da população, fazem mais para perpetuar a desigualdade do que para remediá-la. Para o autor, o desenvolvimento econômico, e, por conseguinte, de capital humano, ocorreram melhor quando as intervenções se concentraram, principalmente, no aumento do valor do trabalho dos pobres. Em suma, o capitalismo, traduzido na complexidade da natureza do trabalho, tem, de fato, nos feito tanto muito mais hábeis, quanto mais desiguais. Por quê? Pelo fato de nem todos saberem, poderem e conseguirem lidar bem com a complexidade crescente do mundo de trabalho na contemporaneidade.

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