As faces diabólicas da desigualdade humana (VII)

As faces diabólicas da desigualdade humana (VII)

Estudiosos, refletindo sobre o papel da globalização enquanto fator gerador, ou redutor, das desigualdades entre, e no interior, dos países, apresentam teses que se complementam, entre si, ou se opõem radicalmente. Vejamos alguns deles. Surjit S. Bhalla, em seu livro Imagine There´s no Country: Poverty, Inequality, and Growth in the Era of Globalization (2002), contrário à sabedoria convencional, argumenta que pobreza e desigualdade estão declinando como uma consequência da globalização. De acordo com seus dados, desigualdade, ao término do ano 2000, estava em seu nível mais baixo ao longo de 50 anos, rejeitando, portanto, a afirmação do Banco Mundial de que os países mais pobres têm crescido num ritmo mais lento do que os países mais ricos. Para o autor, ocorre o oposto: nações pobres têm crescido mais rapidamente. Todavia, seus dados indicam que pobreza tem declinado principalmente na China e Índia, com a África subsaariana permanecendo como exceção. Em nosso ponto de vista, a situação piorou porque a “população tem mais que dobrado durante as últimas 4 décadas, o que significa que o número absoluto de pessoas pobres tem também mais que dobrado”.

Por sua vez, em The Globalization of Inequality, Bourguignon, interessado na desigualdade global, indaga se o aumento na desigualdade observada nos Estados Unidos, em alguns países Europeus e em alguns países emergentes pode ser considerado consequência de um processo de globalização, o qual, ao mesmo tempo, tem drasticamente reduzido as diferenças salariais entre as nações desenvolvidas e as em desenvolvimento. Dito de outro modo, a diminuição da desigualdade entre os países fomenta a desigualdade dentre das nações?. A resposta à primeira questão é sim. Para a segunda, não necessariamente, se os tipos de políticas corretas são implementadas. Na sua análise, “a excessiva desigualdade tem efeitos negativos na eficiência econômica e no bem-estar individual. A exclusiva apropriação do progresso econômico por uma pequena elite vai minar a estabilidade das sociedades. Muitas destas políticas têm sido discutidas pelos políticos, mas poucas delas têm, de fato, sido introduzidas.

A tese do historiador austríaco Walter Scheidel, exposta no livro The Great Leveler: Violence and the History of Inequality from the Stone Age to the Twenty-First Century, é a de que, durante toda a trajetória das sociedades humanas, só a violência foi capaz de refrear a marcha da desigualdade. O que justifica isso? Ele aponta quatro fenômenos por ele denominados de forças niveladoras, as quais, reconhecidamente, diminuíram a desigualdade ao longo da história: guerras, revoluções radicais, falência do estado e pandemias letais.  Na realidade, Scheidel busca mostrar que a desigualdade tem facetas mais complicadas do que faz crer o discurso comum. E, ainda que o autor não sugira que a igualdade seja uma meta impossível, o mesmo levanta várias razões para suspeitarmos que a tarefa seja, realmente, muito difícil.

Outros analistas, supondo que a desigualdade de hoje poderá conduzir a uma catástrofe amanhã, entendem que a desigualdade econômica se tornará um pesadelo nas próximas décadas, com as sociedades atuais desprovidas de armas para enfrentar o problema. Para eles, as inovações no campo da robótica e da inteligência artificial, que já vêm tornando muitos empregos não competivos, podem nos levar a um mundo em que será impossível encontrar um trabalho básico com um salário decente. Contexto, este, em que não é impossível que mudanças funestas, como o surgimento de estruturas sociais racistas ou elitistas, tenham consequências terrivelmente prejudiciais para os menos pivilegiados. Assim considerando, podemos questionar: será a benevolência da sociedade capaz de compensar e cuidar daqueles que serão os prejudicados no caso de acontencimentos funestos de tal ordem ocorrerem? 

Em seu livro Taxing the Rich: A history of Fiscal Fairness in the United States and Europe, Kenneth Scheve e David Stasavage fizeram um exame de 20 países num período de dois se´culos para saber como as sociedades responderam aos menos afortunados. Sua principal conclusão parece desalentadora: os impostos cobrados dos ricos no geral não subiram quando a desigualdade e as dificuldades econômcias aumentaram. Pelo contrário, eles sobem quando o bem-estar social aumenta, em grande parte “poque a mobilização para guerra mudou as crenças sobre justica fiscal”. Conclusões contrárias ao discurso popular, principalmente aos dos políticos.

Já em uma série de 11 ensaios, principalmente adaptações de palestras anteriores, Zygmunt Bauman, em Collateral Damage: Social Inequalities in a Global Age, mostra como a sociedade liberal globalizada produz causalidades devido à distribuição desigual de riqueza. Para ele, a sociedade liberal fecha os olhos para a desigualdade que produz, apresentando-se como um sistema gerador de riqueza, no qual a busca da felicidade está aberta para todos, ainda que “a sobrevivência do mais apto como o principal meio para implementar”. Nestes ensaios, Bauman reflete sobre as inseguranças da modernidade líquida e as desigualdades produzidas pelo sistema.

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