As faces diabólicas da desigualdade humana (VIII)

As faces diabólicas da desigualdade humana (VIII)

Considerando que o 1% mais rico abocanha um quarto da renda e 40% da riqueza dos Estados, e que, 25 anos atrás, essas porcentagens eram de 12% e 33%, respectivamente, bem como, que essa crescente desigualdade está destruindo o mito dos EUA como terra de oportunidade, são informações que abalam os pilares da democracia, prejudicando a eficiência da economia. Acerca disso, o Prêmio Nobel de Economia, Joseph Stiglitz, em The Great Divide (2015), analisa os movimentos que levaram a rupturas, e desagregações, na sociedade norte-americana nas últimas décadas. Destacando que a disparidade social fabricada nos Estados Unidos, e replicada em todo o mundo, impede uma recuperação mais robusta da economia, reforçando iniquidades e concentração de riqueza,seu argumento central é que a desigualdade acelerada é fruto de políticas deliberadas e poderia ser evitada. De modo similar, em trabalho anterior, The Price of Inequality (2012), Stiglitz afirma que a desigualdade não surge num vácuo, mas, é um produto da interação das forças de mercado e das machinações políticas, profundamente modelada por "nossas políticas e nossos políticos", com efeitos desastrosos sobre a sociedade e a economia como um todo, particularmente, privilegiando aqueles no topo a expensas do resto da sociedade. Tomados juntos, ele defende, em ambos os trabalhos, uma maior taxação para os mais ricos, demolindo argumentos contrários.

Por sua vez, Anthony Atkinson talvez seja o economista que melhor, e mais consistentemente, trabalhou a questão da desigualdade social nas sociedades contemporâneas. Globalmente, em sua obra, podemos destacar três aspectos: (1º) sua preocupação sobre a compreensão das causas, e consequências, da pobreza, tratando o tema numa perspectiva ampla e sem preconceitos; (2º) respostas sobre como reformar economias onde os mercados não estão funcionando bem, considerado na visão de quem pensa o conjunto da sociedade e, não apenas, parte dela; e (3º) a questão das desigualdades, demonstrando que economia é, antes de tudo, uma ciência social e moral, ou seja, na qual pobreza e desigualdade são inseparáveis, cabendo aos governos combatê-las. Em seu livro Inequality - What Can Be Done (2007/2016), ele afirma que não dá para separar pobreza e desigualdade, bem como, que, para reduzi-las,torna-se necessário pensar na distribuição dos resultados porque ambos estão interconectados

Considerando que, embora as desigualdades entre os países, bem como, aquelas dentro deles, ainda sejam, nos dias de hoje, muito elevadas, e que, em média, as pessoas vivem hoje em condições muito melhores que aquelas que vieram antes nós, Angus Deaton (2013), em The Great Escape: Health, Wealth and the Origins of Inequality, defende que compreender como isto ocorreu pode ajudar-nos, ou fornecer indicadores, sobre o que é necessário fazer para ajudar aquelas que ainda estão debatendo. Seu argumento? Que as pessoas, atualmente, vivem vidas mais longas, melhores e mais gratificantes do que em quase qualquer momento anterior. Característica óbvia nas nações mais desenvolvidas, e avançadas na América do Norte, Europa, Japão e Austrália. Já em alguns países da África e do Sul da Ásia, todavia, a história é mista, o que, entretanto, não nega a existência de pequenos ganhos.

Já os epidemiologistas Richard Wilkinson e Kate Pickett, em seu livro, The Spirit Level: Why More Equal Societies Almost Always Do Better (2009), analisaram as consequências sociais da desigualdade de renda. Usando estatísticas de fontes confiáveis, e independentes, eles comparam os indicadores de saúde e desenvolvimento social em 23 das nações mais ricas do mundo e separadamente para os estados norte-americanos. Suas impressionantes conclusões é que as sociedades que fazem melhor para seus cidadãos são aquelas com os diferenciais de renda mais reduzidos, tais como Japão e os países Nórdicos e o estado de New Hampshire, nos Estados Unidos. Os mais desiguais – Estados Unidos como um todo, o Reino Unido e Portugal – fazem pior. Na obra, muitas medidas de qualidade vida, incluindo expectativa de vida, são correlacionadas com o grau de desigualdade econômica em cada país, com uma variedade de problemas, tais como, saúde mental, obesidade, doença cardiovascular, má vontade em se engajar com educação, gravidez em adolescentes, uso ilegal e prescrição de drogas, falta de mobilidade social e negligência com os cuidados infantis, aumentando com o aumento da desigualdade.

Em L´Économie des Inégalités (2014), Thomas Piketty analisa o conceito de desigualdade em suas múltiplas facetas e considera, principalmente, que a mesma é consequência da concentração do capital de alguns poucos e pode ser transmitida de geração ou deriva das diferenças salarias, que por sua vez seriam produto do jogo da oferta e demanda do mercado de trabalho. Em The Capital in the Twenty-First Century (2013), outro de seus livros, Piketty sua tese central sendo que, por ocasião de a taxa de retorno do capital ser maior do que a taxa de crescimento econômico ao longo do tempo, o resultado é a concentração de riqueza, e esta distribuição desigual da riqueza, instabilidade social e econômica ocorrem. Sua proposta? Um sistema global de taxação progressiva da riqueza para reduzir a desigualdade, evitando que grande parcela da riqueza fique sobre o controle de uma pequena minoria. Interessante é que ele também argumenta que a desigualdade não é um acidente, mas um evento do capitalismo que só pode ser revertida através da intervenção do estado. Ou seja, se o capitalismo não for reformulado, repensado, a ordem democrática será ameaçada. Na realidade, o que Piketty tenta responder é: “Qual a relação entre salários, produtividade e desigualdade?”.

Em seu livro On Inequality (2015), Harry G. Frankfurt apresenta que os pobres sofrem porque eles não têm o suficiente, não porque outros têm mais, e alguns têm muito, muito mais. Nosso objetivo de justiça social não deve necessariamente ser centrado na igualdade econômica ou em menos desigualdade, mas, ao contrário, somos moralmente obrigados a eliminar a pobreza e não incessantemente buscar a igualdade ou reduzir a desigualdade. Sob nosso ponto de vista, analisar as fontes da desigualdade é, indubitavelmente, importante, mas, tanto os economistas, quanto os sociólogos, tendem a discuti-las no vácuo, ignorando as características que os indivíduos trazem para o mercado de trabalho.

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