As faces diabólicas da desigualdade humana (XI)

As faces diabólicas da desigualdade humana (XI)

           Nos últimos anos, tem havido um progressivo aumento da disparidade de renda entre aqueles com altos e baixos níveis de educação. Neste contexto, há um longo debate sobre tal fato representar uma elevação do retorno da habilidade cognitiva ou uma elevação do retorno da educação formal. A resposta, indubitavelmente, tem importantes consequências para as políticas públicas. Se o aumento da disparidade é devido, exclusivamente, a uma elevação no retorno da educação, então, há razão para otimismo, haja vista que, aqueles com baixa renda podem ser educados, ou treinados, para empregos melhor remunerados. Todavia, se o aumento na disparidade de renda for devido a uma elevação no retorno da habilidade cognitiva, haverá menos otimismo sobre educação, e treinamento, poderem aumentar as rendas dos menos capazes. Por quê? Pelo fato de habilidade cognitiva ser muito mais difícil de mudar, mesmo em jovens e adolescentes.

            No livro “Meritocracy and Economic Inequality” (2000), Kenneth Arrow e colaboradores incluem inúmeros capítulos de estudiosos (sociólogos, economistas e cientistas sociais) no qual discutem, com profundidade, a relação entre inteligência, escolaridade, investimentos pós-escolaridades no treinamento e renda, nos quais é revelado que o papel da inteligência, com muita frequência, é subestimado como um determinante da renda ao longo da vida. Na mesma obra, outras análises também tentam demonstrar que os antecedentes familiares são fatores, no mínimo, tão importantes, ou mais, do que um escore de inteligência na determinação de sucesso econômico. Outros autores, ainda na mesma obra, argumentam que o sucesso econômico depende, primariamente, da igualdade de oportunidades que a sociedade fornece aos seus cidadãos, de forma que, elevando-se a escolaridade dos indivíduos, elevam-se também os escores nos testes cognitivos, os quais, por sua vez, elevam as rendas.

            Nesta mesma linha de raciocínio, o livro organizado por Marta Arretche (2015), intitulado “Trajetórias das desigualdades: como o Brasil mudou nos últimos cinquenta anos”, é um excelente material para se entender diferentes aspectos das desigualdades sociais, econômicas, educacionais, de saúde e geográficas que grassam pelo país. Nele, vários são os capítulos interessantes. Pontualmente, destaco, na segunda parte do livro, as relações entre educação e renda, tema clássico da literatura sobre desigualdades, uma vez que esta relação opera em duas direções, a saber, a que afirma que a origem social afeta o acesso à educação e o desempenho escolástico, assim como, há um prêmio associado à educação que distingue indivíduos mais e menos escolarizados no mercado de trabalho. De fato, há, nesta obra, vários estudiosos que analisam a íntima associação entre nível de escolaridade e as colocações melhor remuneradas, bem como, demonstram a existência de alta correlação entre escolaridade e participação política. Importa, neste caso, que, independente da direção, e profundidade, das análises realizadas, encontra-se, invariavelmente, uma alta correlação entre educação e renda, e vice-versa, ficando difícil demonstrar, matemática e estatisticamente, a direção desta causalidade, ou seja, o quê causa o quê.

            O que me impressiona neste livro? O fato de, em nenhum momento, ser destacado o papel da inteligência, ou habilidade cognitiva, como um fator causal dos diferentes indicadores de desigualdade no Brasil. Pouco também, nota-se, é discutido sobre as desigualdades existentes entre os diferentes Estados brasileiros, ainda que tenha sido discutido, em alguns capítulos, as diferenças regionais. É certo que grandes avanços, ou reduções, de indicadores de desigualdade foram mencionados (expectativa de vida, acesso à escolaridade, redução da mortalidade e aumento de renda), mas, pouco se discutiu sobre haver um ranking de ordenamento das desigualdades entre os diferentes Estados brasileiros, ranking, este, que tem permanecido constante ao longo dos últimos trinta anos, em especial quando se considera os dados censitários de 1991, 2000 e 2010, sem nos esquecermos dos recentes dados sobre desigualdade publicados pelo IBGE.

            Talvez fosse interessante que, em nova edição deste brilhante livro, tais perspectivas fossem acrescidas, em especial, a das diferenças individuais, destacando-se, com foco, o papel da inteligência no desenvolvimento econômico e como determinante das disparidades entre os diferentes Estados brasileiros.

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