As faces diabólicas da desigualdade humana (XV)

As faces diabólicas da desigualdade humana (XV)

           As ciências físicas são unificadas por alguns poucos constructos comuns, tais como massa, energia, pressão, átomos, moléculas e momentum, os quais definidos e mensurados de igual maneira, explicando, por si, uma vasta gama de fenômenos na física, astrofísica, química e bioquímica. Tal fato tem sido benéfico para o desenvolvimento das ciências físicas pelo fato de ter permitido a transferência de conceitos de um campo para outro. A física é, neste contexto, a mais básica das ciências naturais pelo fato de os fenômenos das demais áreas poderem ser explicados por suas leis. Por este motivo, a física tem sido chamada a rainha das ciências físicas.

            Contrastando, às ciências sociais têm faltado constructos comuns unificadores deste tipo. Suas disciplinas, compreendendo psicologia, economia, ciência política, demografia, sociologia, criminologia, antropologia e epidemiologia, sendo largamente isoladas umas das outras, com cada qual respondendo por seus constructos teóricos e vocabulário próprio. A psicologia, considerada a mais básica das ciências sociais, está envolvida com as diferenças entre indivíduos, quando as demais se preocupam, principalmente, com as diferenças entre grupos, tais como, classes socioeconômicas, populações raciais e étnicas, regiões dentro dos países e nações. Esses grupos, agregados de indivíduos, têm as leis estabelecidas em psicologia aplicáveis a seus fenômenos, coletivos que são e preocupações das demais ciências sociais.

            Embora a contribuição do constructo psicológico inteligência possa ser considerado um constructo explanatório para as ciências sociais, o mesmo raramente tem sido assim reconhecido. Vejamos alguns exemplos. Em sociologia, o livro clássico Foundation of Social Theory (1990), de Coleman, tem sido descrito como o livro mais importante em teoria social, nos últimos tempos. Contudo, em suas quase mil páginas, nenhuma menção é feita á inteligência. Em criminologia, a significância da baixa inteligência como um fator na criminalidade tem sido, largamente, ignorada. Nada tem mudado nas quase 1300 páginas do Oxford Handbook of Criminology que, também, não contém nenhuma menção sobre inteligência. Em epidemiologia, numerosos estudos têm mostrado que correlatos socioeconômicos da saúde, tais como, mortalidade, obesidade, acidente, câncer pulmonar e acidentes vasculares, com exceção a um reconhecimento de que tais condições possam ser explicadas pela inteligência.

            Em economia, é aceito que a renda familiar é determinada significativamente pelo capital humano, conceito que pode ser definido como o estoque de conhecimento e habilidades que capacitam as pessoas a desempenharem no trabalho, produzindo valor econômico. Algumas vezes, este constructo inclui habilidade cognitiva, mas, novamente, é raro qualquer menção feita à inteligência. Um exemplo? Richard Easterlin, já em 1981, em conferência na Associação Americana de História Econômica, afirmou “Acredito que possamos, seguramente, desmistificar que, o fracasso da difusão rápida do conhecimento moderno dever-se às diferenças significativas da inteligência das populações”. Acrescente-se a isso que, até então, não se conheciam estudos que estabelecessem diferenças no QI básico das pessoas no mundo. Ocasionalmente, tem havido tentativas isoladas, é verdade, de mostrar que inteligência possa explicar fenômenos sociais dentro, e entre, nações. Mas, quando isso ocorre, a resistência dos cientistas sociais têm sido enorme.

            Todavia, nas duas últimas décadas, têm havido estudiosos, dentre os quais eu e meu grupo nos incluímos, que têm investigado, sistematicamente, o papel da inteligência mensurada indiretamente pelos testes de matemática, ciência e compreensão de leitura, conhecido como PISA, e sua relação com diferentes indicadores de desigualdade dentre e entre nações. Os resultados dessas análises suportando nosso argumento central, da importância do QI nacional, estadual e regional como o fator explanatório mais significativo subjacente às desigualdades globais nas condições humanas. Um exemplo? O QI, assim mensurado, tem se correlacionado modera e fortemente com renda per capita, indicadores de pobreza, mortalidade infantil e maternal, expectativa de vida, longevidade, porcentagem de matrículas em educação terciária, taxa de crescimento econômico, fertilidade, índice de democratização e vários outros indicadores de saúde e escolástica. Contexto no qual é raro encontrar um indicador de desigualdade que não tenha alguma correlação moderada ou elevada com a inteligência.

            Assim considerando, faz-se necessário considerar a inteligência como o maior fator explanatório das nossas desigualdades ou disparidades socioeconômicas. Basta de ela ser um pária nas ciências sociais. Talvez ela mereça, nas ciências, ocupar a cadeira de rainha.

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