Genes e comportamentos: Uma relação complexa

Genes e comportamentos: Uma relação complexa

Há dois mundos da genética. As análises genéticas do comportamento incluem tanto as estratégias da genética quantitativa quanto as estratégias da genética molecular. Estes dois mundos da genética estão rapidamente crescendo e juntos evoluindo na tentativa de identificar os genes para traços complexos, como as desordens (por exemplo: esquizofrenia, obesidade) e as dimensões comportamentais (por exemplo: inteligência, personalidade). As pesquisas em genética quantitativa, como os estudos de gêmeos e de adoção envolvendo comportamentos humanos complexos, têm concluído que quase todas as dimensões e desordens comportamentais humanas mostram, pelo menos, um grau moderado de influência genética. Todavia, a grande novidade é que a pesquisa em genética quantitativa está indo além de meramente estimar a herdabilidade, ou seja, questionando a mudança e continuidade evolutivas nas influências genéticas, a conexão entre o normal e o anormal e, também, a interface entre genes e ambiente. A direção mais excitante, talvez seja capitalizar as descobertas e técnicas derivadas do Projeto do Genoma Humano para identificar alguns dos genes específicos responsáveis pela inequívoca herdabilidade dos traços comportamentos, em especial, a inteligência geral (g) mensurada por testes de QI. A integração destas duas abordagens é especialmente valiosa, porque os achados da genética quantitativa podem informar a fonte para os genes e, inversamente, a identificação dos genes constitui-se numa grande promessa para o avanço do nosso entendimento dos problemas pós-herdabilidade acerca da genética dos traços humanos complexos.

Assim, o campo da genética do comportamento tem um enorme potencial para revelar as influências genéticas e comportamentais tanto sobre o comportamento normal quanto o desviante. Quando genes específicos forem identificados, nós poderemos começar a explorar como eles interagem com os fatores ambientais ao longo do desenvolvimento humano. Como ciência, a genética do comportamento, portanto, procura (1) determinar em que extensão a variação de um traço numa população (por exemplo, a inteligência, o QI) é devido aos processos genéticos, e em que extensão ele é devido à variação ambiental desses fatores (interações hereditariedade-ambiente e correlações), e (2) identificar a arquitetura genética (genótipo) que está subjacente ao comportamento.

O Geneticista comportamental

Durante as últimas três décadas, para explicarem as diferenças no comportamento (no caso, a inteligência), as ciências do comportamento (em particular, a Psicologia), praticamente, mudaram de uma era de explicações estritamente ambientais, para uma visão mais equilibrada em que reconheceram a importância da natureza (genética), bem como da criação (o ambiente). Primeiramente, esta variação ocorreu para as desordens comportamentais, incluindo as raras desordens como o autismo (que tem uma incidência de um por 1.000 na população), a esquizofrenia (um em 100), e, também, as mais comuns, como dificuldade de leitura (um em 50). Mais recentemente tem sido amplamente aceito que a variação genética tem uma importante contribuição nas diferenças entre os indivíduos, tanto na amplitude normal do comportamento, quanto naquela do comportamento anormal.

Não obstante as influências genéticas no comportamento serem atualmente mais aceitas, os geneticistas do comportamento são, provavelmente, os últimos a terem assentos na mesa rodeada por especialistas em ciências sociais e humanas visando conversações acerca de políticas públicas sociais. Obviamente, uma das razões é que eles exploram as influências genéticas no comportamento (por exemplo: a herdabilidade dos traços, das habilidades, do QI, das desordens psiquiátricas, etc.). Em contraste, os cientistas políticos e sociais, em sua maioria, preferem atacar variáveis teoricamente manipuláveis, tais como, educação, treinamento ou redistribuição de renda. Essas variáveis podem parecer mais úteis para a tomada de decisões de políticas sociais e públicas do que o conhecimento dos efeitos genéticos sobre o comportamento humano. Ademais, os pesquisadores atuando na arena das políticas sociais não parecem estar cientes de que o trabalho em genética do comportamento lida também com efeitos comportamentais: suas descobertas mais importantes caem na esfera de como os tipos de ambientes – não genes – afetam-nos.

Outra razão refere-se ao fato de que por considerações históricas e sociais, um traço, especialmente quantitativo como o da inteligência, é altamente controverso. Aceitar que uma habilidade cognitiva geral tem uma distribuição normal na população, variando desde uma extremidade inferior, englobando indivíduos com dificuldades mentais, até uma extremidade superior, incluindo indivíduos talentosos, parece ainda, para muitos, inaceitável.

Finalmente, uma quarta razão é que a maioria dos cientistas sociais, incluindo os psicólogos, faz associações incorretas quanto à origem de diferentes palavras, como hereditariedade, hereditário, genético. Certamente, poucos conhecem o significado correto de herdabilidade. Herdabilidade nunca se refere à quantidade da mensuração do traço per se que é atribuível aos genes. Herdabilidade se refere apenas à variação no traço (fenótipo) observada (isto é, mensurada como a variância) entre os indivíduos em uma população definida. Ela também é uma função da quantidade da variância ambiental (isto é, não genética) entre os indivíduos.

Hereditariedade, de outro lado, simplesmente refere-se à transmissão de genes dos pais para os seus descendentes; genes são as unidades físicas da hereditariedade. Isto implica que um dado traço ou característica dos indivíduos depende da presença de certos genes ou que o gene ou genes afetando o traço são transmitidos de pais para filhos (se ou não o fenótipo aparece nos pais). Hereditário, significa quase a mesma coisa, mais frequentemente implica a passagem de genes parentais que afetam algumas características observáveis de um ou de ambos os pais, para um ou mais de seus descendentes. Hereditariano é alguém que sustenta que alguma parte da variação nos traços mentais e comportamentais, bem como nos traços físicos, é atribuível à variação genética dentro da espécie. A palavra genética pertence aos genes, ou às características conhecidas por serem influenciadas pelos genes.

E, por último, como mencionado, tecnicamente herdabilidade é definida como a proporção estatisticamente estimada da variância da população num dado traço que é atribuível a fatores genéticos. Isto é, o grau de herdabilidade de qualquer traço é a proporção da variância total do traço devido à variância genética. O termo herdabilidade é inaplicável (e, de fato, formalmente sem significado) se aplicável às características hereditárias para as quais a variância da população é zero (ou próximo à zero no caso da variação devido a um gene mutante ou a um simples gene e raro). Virtualmente todos os bebês nascem com uma cabeça, duas mãos e tem dez dedos, por exemplo. Como estas características humanas são codificadas nos genes, elas são características hereditárias. Mas, porque essas características normalmente não variam entre os indivíduos, o conceito de herdabilidade é simplesmente inaplicável a elas.

Depreende-se, assim, que a genética do comportamento fornece uma ferramenta preciosa e poderosa para analisar também os efeitos ambientais e, dessa forma, a presença dos cientistas que atuam nesse domínio, na arena das discussões sobre políticas públicas sociais torna-se imprescindível.


Genes e comportamento: Uma relação complexa

Há uma grande lacuna entre o que as pessoas leigas (incluindo pesquisadores de outros campos) acreditam e conhecem sobre inteligência e testes de inteligência, e o que os pesquisadores das ciências do comportamento entendem destes últimos. Invariavelmente, as pessoas leigas leem na mídia, escrita e falada, que a avaliação da inteligência é circular – inteligência é o que os testes de inteligência medem. Ao contrário, a inteligência geral, usualmente definida a partir de seu componente denominado “g”, é uma das medidas mais confiáveis e válidas no domínio comportamental; sua longa estabilidade após a infância é maior do que qualquer outro traço comportamental até então mensurado e, além disso, ela (g) é capaz de predizer, muito melhor do que qualquer outro traço, importantes resultados ou êxitos sociais, tais como o nível ocupacional e o educacional de uma pessoa. Os diferentes testes de QI são diferentemente saturados de “g” e todos são meros veículos de “g”. Sem “g” os testes de QI perdem muito de sua validade preditiva e, na maioria das vezes, esta validade preditiva tende a ser aproximar de zero. Um dos protótipos de “g” é o Teste Raven de inteligência geral.

Embora não imune a algumas críticas, o conceito de inteligência geral é amplamente aceito entre os especialistas, ainda que seu significado não esteja, até então, muito claro: seria a inteligência (g ou QI) devido a um simples processo geral decorrente das estratégias de alto-níveis denominadas de funções executivas ou de velocidade de processamento de informação, ou ela apenas representaria uma concatenação de processos cognitivos mais específicos? Particularmente, a ideia de uma contribuição genética para a inteligência geral (g, QI) tem provocado intensa controvérsia. Apesar disso, há considerável consenso entre os cientistas – mesmo entre aqueles que não são geneticistas – de que “g” ou QI é substancialmente herdado. Realmente, há uma quantidade muito maior de estudos afirmando a genética de “g ou QI”, do que aquela realizada com qualquer outra característica humana. Inúmeros estudos envolvendo mais de 8.000 pares de pais - filhos, 25.000 pares de irmãos, 10.000 pares de gêmeos e centenas de famílias adotivas, todos categoricamente indicam que os fatores genéticos contribuem significativamente para a inteligência geral ou “g”.

Sem dúvida, hoje, a maioria dos geneticistas do comportamento concorda que vários fatos bem estabelecidos na genética do comportamento são praticamente impossíveis de serem explicados ou entendidos sem evocar algum grau de herdabilidade do QI (g). Esses fatos são: (1) Gêmeos monozigóticos (MZ) criados juntos (MZT) são muito mais similares em QI do que os gêmeos dizigóticos (DZ) criados juntos (DZT). (2) Gêmeos monozigóticos criados separados (MZA) são muito mais similares em QI do que os gêmeos dizigóticos criados juntos (DZT). (3) Os QI(s) das pessoas adotadas, que nunca conheceram seus pais biológicos, são muito mais altamente correlacionados com os QI(s) de seus pais biológicos do que com os QI(s) de seus pais adotivos. (4) As pessoas não relacionadas que foram criadas juntas desde a infância mostram uma menor correlação de QI, uma com a outra, no início da juventude, que aquela obtida com irmãos biológicos, e elas mostram ainda uma correlação de QI virtualmente zero na adolescência e quando adultos.

Entretanto, é importante notar que herdabilidade descreve qual é a contribuição genética para as diferenças individuais numa particular população em um dado momento, não o que poderia ser. Se as influências genéticas ou as influências comportamentais mudam (por exemplo, devido à migração, maior oportunidade educacional, melhor nutrição), então o impacto relativo, dos genes e do ambiente, alterar-se-á. Herdabilidade não tem nada a dizer sobre o que deveria ser. Se um traço tem alto grau de herdabilidade, isto não significa que ele não possa ser alterado. Mudança ambiental é possível. Confusão e, certamente, uma compreensão errada destes e de outros aspectos da genética do comportamento, têm levado a várias interpretações errôneas ou equivocadas acerca de sua importância e real contribuição. Em outro manuscrito abordaremos algumas delas.

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