Os Desafios de Estudar a Percepção de Tempo (3): Há um sentido sensorial para o tempo psicológico?

Os Desafios de Estudar a Percepção de Tempo (3): Há um sentido sensorial para o tempo psicológico?

Muitas vezes, quando discutimos nossas impressões acerca da percepção do tempo, ou, mais especificamente, a natureza do tempo psicológico, perguntamo-nos se, de modo similar à visão, audição, tato, paladar e olfação, movimento e equilíbrio, possuidores de órgão sensoriais específicos, haveria um sentido genuinamente responsável por nossas impressões temporais. De fato, contrário ao que é possível a esses órgãos sensoriais, nós, com grande dificuldade, poderíamos especificamente indicar a natureza de um estímulo temporal, pois é quase que impossível, atualmente, pelo conhecimento que temos, descrever um receptor para tal estímulo e, certamente, também ainda não podemos identificar uma área cerebral dedicada ao tempo. Segundo Simon Grondin, em “The perception of time: your questions answered” (2020), a questão da relação entre o tempo e os sentidos pode ser abordada de duas maneiras: 1ª) o processamento de informação temporal deve ser considerado como sendo amodal e, por consequência, devemos estudar como os desempenhos temporais diferem de acordo se estímulos sensoriais, usados para disparar os mecanismos necessários a este procedimento originam-se de uma ou outra modalidade; 2ª) devemos examinar se é razoável conceber que o processamento temporal possa emergir dos sentidos, e em qual deles especificamente ou integrados?

            Seguindo as colocações de Grondin, um resultado clássico no campo da percepção de tempo envolve a comparação da duração percebida de intervalos indicados por um som versus por uma luz. Embora não haja resultados conclusivos, os estudos revelam que, na maioria das vezes, intervalos durando de 0,1 a 1,2 segundos são julgados como sendo mais longos quando marcados por estímulos auditivos do que quando marcados por estímulos visuais. A mesma tendência parecendo aplicar-se a intervalos maiores. Ademais, tais resultados parecem ser mais robustos quando os intervalos são preenchidos no lugar de os intervalos serem vazios quando usados para delimitar o tempo a ser julgado. Também devemos considerar que, quando usamos modalidade auditiva, a variável intensidade prepondera como um sinal para marcar o tempo. Enquanto que, quando usamos a modalidade visual, a variável preponderante é o movimento. Ainda dentro desse contexto, em condições sensoriais onde o intervalo auditivo é percebido como maior do que o mesmo intervalo visual, se os mesmos sinais auditivos e visuais marcam simultaneamente o intervalo, a duração percebida será mais próxima àquela obtida somente com a apresentação auditiva. Efeito, este, conhecido como dominância auditiva. Por que isso ocorre? Várias hipóteses têm sido levantadas para explicar o porquê de um intervalo parecer maior quando apresentado numa modalidade auditiva do que numa modalidade visual.

            Uma dessas hipóteses, elaborada no contexto da existência de um relógio interno, consiste em supor que, estímulos auditivos, mais do que estímulos visuais, contribuem para uma aceleração do ritmo de emissão de pulsos. Outra hipótese baseia-se na possibilidade de que um tempo de ativação inicia-se mais rapidamente quando os intervalos são marcados por estímulos auditivos no lugar de estímulos visuais. Também tem sido observado, em estudos que realizaram comparações dos níveis de discriminação de intervalos marcados por sinais indicados em várias modalidades sensoriais, que o ápice da eficiência, no processamento temporal, ocorre, inevitavelmente, quando os estímulos alcançam a audição. A discriminação é muito mais sensível e melhor com sons do que com sinais visuais ou táteis. Ademais, se a apresentação envolve simples intervalos ou sequências de intervalos, a discriminação é muito melhor com sucessões de sons curtos do que com sucessões de flashes de luzes. Também, se os intervalos são vazios, ou cheios, a superioridade da visão sobre a audição é manifestada para intervalos variando de 0,125 a 4 segundos.

            Por outro lado, quando consideramos o processamento intramodal de duração, segundo Simon Grondin, o efeito da intermodalidade durante a discriminação de intervalos, adicionado à dominância auditiva registrada para duração percebida, dá a impressão de que cada modalidade sensorial poderia ser responsável por se próprio processamento de informação temporal. Considerando essa possibilidade, intervalos intermodais, não sendo hábeis de serem processados dentro de uma modalidade, devem fazer uso de um mecanismo, talvez o relógio interno, o qual é menos eficaz do que aquele que ocorre dentro de uma modalidade. Outra concepção, mais psicobiológica, supõe que qualquer processamento temporal envolve o córtex auditivo. Assim, o desempenho temporal mais fraco na visão do que na audição poderia ser mais bem compreendido se considerarmos a necessidade de transferir os sinais sensoriais visuais em um código auditivo. De fato, inúmeros dados, baseados em pesquisas envolvendo estimulação direta transcranial, suportam a ideia do papel crucial do córtex auditivo no processamento temporal.

            Se o processamento de informação ocorre dentro das modalidades, as diferenças entre os níveis de eficiência de processamento poderiam simplesmente depender das diferenças de eficiências entre mecanismos específicos. Além disso, há muitas razões que suportam a ideia de que o processamento da duração de eventos visuais dependem diretamente dos mecanismos neurais pertencentes à visão, enquanto que a resolução da sucessão rápida de eventos prova ser mais importante na audição. Assim, no lugar de depender das propriedades de um relógio interno, a qualidade do processamento da informação temporal dependeria da qualidade da organização de eventos sucessivos. De forma que, similar a uma organização perceptual de estímulos visuais, configurada em um espaço, haveria uma organização perceptual de eventos auditivos no tempo.

            Certamente, seria exagerado afirmar que julgamentos temporais são baseados no funcionamento dentro dos sentidos. Entretanto, podemos avançar a ideia de que julgamentos da duração de intervalos curtos podem depender do processamento de informação dentro das áreas corticais específicas para estes sentidos. Mas, para que isso ocorra, os marcadores temporais usados durante uma tarefa de julgamento temporal tem de pertencer à mesma modalidade sensorial; pois, se os marcadores originam-se de diferentes modalidades sensoriais, a informação temporal será muito mais difícil de se processar.

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