Abelardo e Teresa: uma história de amor

Abelardo e Teresa: uma história de amor

          Abelardo e Teresa se conheceram quando ainda eram jovens escolares. Ele, com muito carinho, tratando-a por “Tê”, levava-a ao colégio e a buscava, bem como, ocupava-se de seu material escolar no caminho, sem se esquecer da pipoca e do chiclete da hora do recreio. Não surpreendeu, portanto, quando tanta cordialidade se transformou em amor. Crescendo, tal rotina tornou-os inseparáveis até o final da adolescência. Então, a guerra. O alistamento. A convocação. A Força Expedicionária Brasileira levava Abelardo para lutar na Itália, separando-o, dolorosamente, de Teresa. Na Itália, Abelardo conheceu a fome e o frio. A dor das feridas próprias e alheias. O desespero. A angústia. Viu pessoas que para ali foram com ele e não voltariam mais. Viu Teresa, em seus sonhos e pesadelos, por ele orando, esperando-o voltar. Algumas vezes pensando tanto nela que acordava com a impressão dela estar ali em seus braços.

            Terminado esse período hostil, Abelardo, pensamento fixo em Teresa, retornou a sua terra natal, por ela buscando imediatamente. Todavia, a busca foi em vão: boatos que antecederam sua volta proclamaram-no morto, o que, angustiando sua amada, fizeram-na dali partir não se sabia para onde. De novo, a tristeza. De novo, a solidão. Aprendia, a duras penas, que não cabia ao homem o coordenar do destino pelas próprias mãos. Mergulhando no trabalho, só lhe coube reconstruir a vida. Casando-se, construiu uma nova vida. Mas, seu olhar, muito triste, toda essa realização traía: a amada Teresa jamais foi esquecida.

            Um dia, acompanhando o irmão numa viagem de negócios, uma falha elétrica no carro forçou-os a pararem num distrito que nem no mapa constava. Sentando-se na guia da calçada, aguardavam o reparo do veículo para seguir viagem quando o olhar de Abelardo quedou-se numa senhora a estender roupas no varal da casa em frente. Estarrecido, disse, com voz trêmula, ao irmão, “È a Teresa...!”. O irmão, imediatamente, olhou na direção apontada, retrucando, “Que isso! É o sol que está forte”. Abelardo, ignorando as negativas do irmão, atravessou, como que hipnotizado, a rua e, acercando-se do portão da casa, balbuciou, “Teresa...!!”, ao que a senhora, imediatamente, atendeu. Reconhecia, naquele homem, os belos olhos azuis de outrora. Mas, faltou-lhe a voz. Faltaram-lhe as pernas. Faltou-lhe o ar. Minutos depois, refeita da surpresa, convidou-o para entrar e tomar um café.

            Então ele soube: recebendo notícias de sua morte, a vida perdeu a graça e o destino, o rumo. Casou-se, mudou-se e enviuvou-se. Da relação anterior, dois filhos ficaram. Filhos que, agora, trabalhavam em cidades próximas, tentando, eles próprios, construir a vida. Abelardo também lhe relatou a caminhada de até ali: retornando da Itália, procurou-a por vários anos, sem sucesso. Desolado, também havia se casado, mas não tivera filhos. Então o silêncio. Lágrimas deslizaram dos olhos de ambos. Ao que ele logo abreviou, “Eu voltarei em breve”.

            A caminho de casa, falando em voz alta, e ouvido pelo irmão, disse, a si próprio, que, chegando em casa, iria conversar com a atual esposa e explicar-lhe que, pelas mãos do destino, reencontrara Teresa. Explicar-lhe que, pressentindo não ter mais oportunidade futura semelhante, desta não mais poderia abrir mão. O irmão, até então em silêncio, resumindo sua interpretação do ocorrido nas seguintes palavras, “Admiro-lhe a coragem e a honestidade. Só posso desejar-lhe que, em assim agindo, você, de fato, seja feliz”. A conversa com a esposa foi longa. Havia tristeza nos olhos dela, mas, não depressão. Se aquela era a oportunidade pela qual ele esperara a vida toda, não seria ela a responsável por seu infortúnio. Continuariam amigos. E que ele buscasse, afinal, a tão almejada felicidade.

            A ela Abelardo deixou todas as suas terras e rendas, para si mantendo, apenas, uma modesta casa no município onde havia nascido, casa esta na qual gostaria de terminar seus dias ao lado de Teresa. Imediatamente retornou para o local em que a encontrara. Em lá chegando, pediu-a em casamento, pedido sufocado, tão longamente, em sua vida. Ao que ela, relatado o ocorrido aos filhos, destes recebeu votos para que fosse feliz.

            Cinco anos se passaram. Dias felizes, de alegria e muito amor. Porém, não tardou que o infortúnio lhes batesse à porta: um tumor ósseo acometera Abelardo, trazendo-lhe meses de desconforto e sofrimento. A amputação do membro acometido foi-lhe recomendada. Porém, a enfermidade, insatisfeita, reclamou-lhe mais órgãos do próprio corpo, não tardando, com sua insaciável logística, a levá-lo a morte. Nos últimos momentos, ao lado de Teresa, sabendo estar próxima a despedida, tomando as mãos destas, olhou profundamente nos seus olhos e lhe disse, “Perdoe-me se não tive muito tempo para lhe amar mais”.

 

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