Abordagens Biológicas da Inteligência

Abordagens Biológicas da Inteligência

Uma das primeiras idéias acerca da procura por substratos biológicos subjacentes às diferentes habilidades humanas, ou inteligências humanas, origina-se dos trabalhos de Hebb. De fato, Hebb, em 1949, distinguiu  três tipos de inteligências, as quais são ainda utilizadas por muitos pesquisadores. De acordo com Hebb, a Inteligência A é um potencial inato; a Inteligência B é o funcionamento do cérebro como  consequência do desenvolvimento atual que habitualmente tem ocorrido. Estes dois tipos básicos de inteligências devem ser distinguidos da Inteligência C, ou seja, a inteligência que pode ser mensurada pelos tradicionais testes psicométricos  de inteligência. Hebb também entendia que, a aprendizagem, uma importante base de enriquecimento da inteligência, é edificada através de agrupamentos de células pelas quais, sucessivamente, conexões cada vez mais complexas entre os neurônios são construídas quando a aprendizagem toma lugar. Quase na mesma época, Halstead, em 1951, sugeriu que havia quatro tipos de habilidades biologicamente determinadas, às quais ele denominou de: (1) fator integrativo de campo; (2) fator de abstração; (3) fator de potência e, (4) fator direcional. Ele entendia que todos estes quatro tipos de habilidades estariam primariamente dependentes do funcionamento do córtex dos lobos frontais.  Uma terceira ênfase biológica ao estudo da inteligência, e que teve grande impacto na elaboração dos testes de inteligência, foi dada por Luria nas décadas de 70 e 80.  Ele entendia que o cérebro engloba três grandes principais unidades com respeito à inteligência: (1) uma unidade de ativação no tronco cerebral e nas estruturas do cérebro médio; (2) uma unidade sensorial de entrada nos lobos temporal, parietal e occipital; e (3) uma unidade de organização e de planejamento no córtex frontal.

Entretanto, os estudos experimentais com forte ênfase na natureza biológica da inteligência somente começaram a surgir no início da década de 90.  Estas abordagens tentam compreender a inteligência em termos do funcionamento do cérebro, em particular, e do sistema nervoso, em geral.  Aspectos biológicos, tais como a velocidade de condução neuronal, o metabolismo cortical de glicose, o tamanho do cérebro e a genética comportamental, estão entre alguns dos muitos temas recentemente investigados dentro deste contexto teórico.

 

 Velocidade de condução neuronal

Um exemplo típico da abordagem biológica é a análise da tarefa do tempo de inspeção. Nesta tarefa, são apresentadas como estímulos alvos - num taquistoscópio (aparelho que permite apresentar estímulos visuais em diferentes intervalos temporais) ou num monitor de computador - duas linhas verticais adjacentes seguidas de um mascaramento visual (um estímulo secundário que apaga a imagem na memória visual icônica).  A tarefa do sujeito consiste simplesmente em indicar qual das duas linhas é a maior.  Para a análise dos resultados os pesquisadores, todavia, em vez de usarem como variável dependente o tempo de reação global, utilizaram uma medida derivada da função psicofísica estimada a partir de muitas tentativas. Operacionalmente o tempo de inspeção foi a duração média em que 50% de acurácia foi alcançado, isto é, a exatidão em que os sujeitos indicaram a linha maior. As correlações entre este indicador do tempo de reação e as medidas de QI situam-se por volta de 0,40, valor este um pouco maior que aqueles usualmente obtidos em tarefas psicométricas. Assim, os pesquisadores constataram que os tempos de inspeção mais curtos correlacionam-se com escores mais elevados em testes de inteligência entre as diferentes populações de sujeitos. Em adição, alguns pesquisadores supõem que há diferentes fatores que podem estar subjacentes à estas correlações e tentam relacionar a função cognitiva do tempo de inspeção a algum tipo de função biológica, tal como a velocidade de condução neuronal. Neste caso, as teorias focalizam aspectos mais específicos do funcionamento do cérebro ou neuronal. Em outras palavras, as pessoas mais inteligentes são aquelas cujos circuitos neurais conduzem mais rapidamente a informação, ou seja, as diferenças individuais na velocidade de condução neuronal formam a base das diferenças individuais na inteligência.  Pormenorizando, os pesquisadores mostraram que sujeitos com QI(s) mais altos são também mais rápidos em seu tempo de reação e no tempo de movimento.  As correlações entre tempos de reação, central (no cérebro) ou periférica (nos braços), e inteligência usualmente variaram entre 0,10 a 0,40, suportando a hipótese de que há uma relação entre a velocidade de transmissão de informação e a inteligência, expressa pelo QI.  Porém, estes dados devem ser tomados com bastante cautela porque muitos outros estudos fracassaram em replicar este padrão de resultados.

 

Metabolismo cortical de glicose

Outra tentativa de encontrar uma variável biológica subjacente à inteligência tem sido feita nos estudos que analisaram as taxas de metabolismo cortical de glicose, tais como reveladas pela Tomografia por Emissão de Pósitrons (PET) durante a realização do clássico Teste das Matrizes Progressivas de Raven. O Teste de Raven é considerado por muitos pesquisadores como um dos testes que genuinamente medem a inteligência geral ou a inteligência psicométrica (fator “g”). Os dados obtidos mostraram que as taxas de metabolismo da glicose foram menores para os sujeitos mais inteligentes do que para aqueles menos inteligentes, sugerindo que as pessoas mais inteligentes necessitam dispender menos esforços daquelas menos inteligentes para resolverem problemas de raciocínio. O que permanece a ser esclarecido, todavia, é a direção causal destes resultados. Poder-se-ia sensatamente argüir que as pessoas brilhantes gastam menos glicose porque são de fato inteligentes ou são mais inteligentes porque elas gastam menos glicose. Ou ambos, pois tanto um QI alto quanto um metabolismo de glicose baixo, poderiam estar relacionados a uma terceira variável causal. Em outras palavras, não podemos assumir que um evento biológico é uma causa (no sentido reducionista), pois, ele pode, entretanto, ser um efeito.

 

Tamanho do cérebro

Outro enfoque consiste em considerar o tamanho do cérebro. Alguns estudiosos, controlando o tamanho do corpo, têm correlacionado o tamanho do cérebro com os QI(s) mensurados em testes de inteligência. Num estudo típico envolvendo 40 sujeitos, as correlações com o QI(s) foram de 0,65 para os homens e de 0,35 para as mulheres, com uma correlação de 0,51 para ambos os sexos combinados. As análises posteriores com estes mesmos sujeitos revelaram que, nos homens, um hemisfério cerebral relativamente maior, prediz melhor o raciocínio verbal do que o raciocínio não verbal, enquanto que, nas mulheres, um hemisfério esquerdo maior, prediz melhor a habilidade não verbal do que a habilidade verbal. Embora estas correlações entre QI (s) e tamanho do cérebro sejam sugestivas, ainda não sabemos exatamente o que elas de fato significam.

 

Genética Comportamental (Genoma Comportamental ?)

Finalmente, outro enfoque é aquele embasado na genética do comportamento.  Uma enorme literatura a este respeito tem mostrado que aproximadamente metade da variância total dos escores de QI(s) parece ser explicada pelos fatores genéticos e, também que, a hereditariedade do QI é maior para os adultos do que para as crianças. Todavia, a maioria dos pesquisadores concorda que os efeitos da hereditariedade e do ambiente não podem ser analisados e validados separadamente. As pesquisas experimentais ou correlacionais a serem realizadas no futuro devem compreender como  a hereditariedade e  o ambiente trabalham se interagem para produzirem uma inteligência fenotípica, concentrando-se especialmente na variação ambiental dentro da família, a qual parece ser mais importante do que a variação entre famílias.  Mas, para terem sucesso estas pesquisas requerem a elaboração de testes de inteligência cuidadosamente preparados e psicometricamente validados.

Em resumo, embora o cérebro seja evidentemente o órgão responsável pela inteligência humana, ainda não possuímos, apesar dos grandes e recentes avanços experimentais e biotecnológicos, indicadores biológicos/fisiológicos/neurais suficientemente categóricos da inteligência.  Provavelmente, na próxima década, ou mesmo no fim desta, tenhamos estudos mostrando índices psicofisiológicos da inteligência clinicamente úteis. Assim, esperamos…

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