Abordagens Cognitivistas da Inteligência

Abordagens Cognitivistas da Inteligência

A abordagem cognitivista introduz  na análise da inteligência o seu próprio processamento ou o estudo do seu próprio exercício.  O enfoque não é centrado nos fatores internos subjacentes (aptidões ou traços, estruturas ou esquemas), mas no próprio ato inteligente assumido como resolução de tarefas e de problemas. As unidades de análises são os processos cognitivos requeridos diretamente na realização e, nesse sentido, defende-se que este enfoque representa um avanço e uma grande alternativa à abordagem psicométrica clássica.

Em vez de conceber o cérebro como amálgama, mesmo que organizada, de aptidões, a abordagem cognitivista enfoca a manipulação de símbolos por parte do cérebro enquanto resolvendo problemas, isto é, no processamento da informação que ocorre. O termo cognitivista dado a esta abordagem pretende salientar um método mais experimental de análise em contraposição à metodologia mais correlacional na abordagem psicométrica.

 

A Teoria das Inteligências Múltiplas

Dentro da abordagem cognitivista da inteligência, com preocupações na análise da base neurológica da cognição, e na ligação entre áreas e localizações encefálicas e o processamento da informação, encontra-se a Teoria das Inteligências Múltiplas proposta por Howard Gardner, Professor da Universidade de Harvard, EUA. De acordo com esta teoria poderíamos falar em várias inteligências, nomeadamente sete inteligências: inteligência linguística, inteligência musical, inteligência lógico-matemática, inteligência espacial, inteligência cinestésica-corporal e inteligência social subdividida em inteligência intrapessoal (auto-conhecimento) e interpessoal (compreensão e relacionamento com os outros). Cada diferente forma de inteligência seria relativamente autônoma, cujo desenvolvimento dependeria do tipo de estimulação proveniente do meio e do momento em que essa estimulação ocorreria.

Por inteligência linguística, associada ao lóbulo temporal esquerdo, se entende as habilidades para lidar com os significados das palavras, para organizar gramaticalmente as frases e para usar adequadamente a linguagem na comunicação diária e na resolução de problemas.

A inteligência musical caracteriza-se pelas competências de melodia, ritmo e timbre que os indivíduos apresentam, estando a sua localização cerebral sobretudo associada ao hemisfério direito (zona frontal e temporal).

A inteligência lógico-matemática caracteriza-se por ser abstrata e fundamentada nas capacidades de aprender e aplicar relações, nomeadamente com números, princípios, quantidades ou símbolos. A sua localização no cérebro é mais difusa; aliás, esta inteligência pode estar associada a várias outras competências, como por exemplo, a leitura, o ritmo ou a orientação espacial que se integram em outros tipos de inteligência. Mesmo assim, os lóbulos parietais esquerdos e lóbulos contíguos parecem desempenhar um maior impacto na sua manifestação. 

A inteligência espacial  identifica-se com as competências do sujeito em lidar com imagens, identificar promenores, perceber formas, visualizar movimentos, transformar, rotacionar ou transladar  figuras, elaborar esquemas, formar imagens e proceder a representações espaciais de problemas ou situações. Esta diversidade de aspectos suscita algumas dificuldades específicas de precisão da sua localização cerebral, muito embora o processamento de códigos figurativos esteja tradicionalmente associado ao hemisfério esquerdo.

Por inteligência corporal-cinestésica se entende a destreza dos sujeitos em lidar com o corpo e com os objetos quando estão envolvidos a motricidade grossa e fina, o controle motor e as coordenações de movimentos. A localização cerebral destas competências tem sido tradicionalmente identificada com o cerebelo e com o hemisfério esquerdo.

Finalmente, compreende a inteligência pessoal como a capacidade do sujeito lidar (entender, representar e aplicar)  com situações pessoais e sociais envolvendo opiniões, sentimentos, motivações ou relações interpessoais. A sua localização no cérebro parece estar sobretudo nos lóbulos frontais,  tal como parece ocorrer com outras dimensões da personalidade (humor, motivação, excitabilidade, atividade). Recentemente, Gardner propôs um  outro tipo de inteligência como parte confirmada de sua teoria, ou seja, a inteligência naturalística,  que compreende  as  habilidades  das pessoas  em discernir os diferentes padrões da natureza. Ele também sugere que pode ainda haver dois outros tipos de potenciais candidados à comportamentos inteligentes: a inteligência espiritual e a inteligência existencial. A inteligência espiritual envolve uma interação com as coisas cósmicas ou com  os temas existênciais, e o reconhecimento do espiritual como uma realização de um estado de ser. A inteligência existencial, de outro lado, envolve uma preocupação com os aspectos mais filosóficas de nossa existência terrenea. Gardner entende que as evidências para estas duas últimas formas de inteligências são menos robustas do que as evidências para as oito primeiras.

Entretanto, quaisquer que sejam as evidências usadas para sustentar os diferentes tipos de inteligências propostos por Gardner, não há ainda relatos na literatura  especializada de pesquisas experimentais diretamente dirigidas para testarem a validade da Teoria das Inteligências Múltiplas como um todo. Além disso,  parece bastante vaga a idéia de que cada uma das inteligências apontadas possa emergir de uma estrutura pré-programada de índole genética. Assim, a verificação empírica desta teoria é, no mínimo, uma tarefa árdua como o é a tentativa de tomar as especializações de áreas cerebrais para apoio a essa explicação.

 

 A Teoria Triádica da Inteligência

Enquanto Gardner enfatiza a independência dos vários tipos de inteligência, a Teoria Triádica da Inteligência proposta por Robert Sternberg, Professor da Universidade de Yale, EUA,  destaca a dimensão na qual as diferentes formas de inteligência funcionam juntas. A teoria triádica da inteligência inclui a subteoria componencial que é a base mental para lidar com o mundo exterior assegurando a representação das sensações e as respostas motoras; a subteoria experiencial que inclui a capacidade para lidar com a novidade e a automatização do processamento de informação; e a subteoria contextual que salienta os processos de adaptação, de seleção e de modelagem do contexto ou ambiente.

Segundo Sternberg,  a idéia central nesta abordagem é que estes componentes representam habilidades latentes de alguma espécie que dão origem às diferenças individuais mensuradas nos testes de inteligência e nos desempenhos da vida real. A análise situa-se ao nível das tarefas- ou da sua execução segmentada- mas nunca a um nível tão básico ou simples como a velocidade de processamento.  Esta abordagem sugere que devemos prestar menos atenção às noções tradicionais de inteligência e enfatizar muito mais a noção de inteligência para o sucesso, ou seja, a habilidade para se adaptar, modelar e selecionar ambientes para alcançar os nossos objetivos e também aqueles usualmente valorizados pela nossa sociedade e cultura. Três grandes conjuntos de habilidades são importantes para a inteligência para o sucesso:  analítica,  criativa e  prática.  As habilidades analíticas envolvem as estratégias que são utilizadas para analisar e avaliar as opções disponíveis na vida. Elas incluem elementos tais como: identificar a existência de um problema, definir a natureza do problema e delinear a estratégia para resolver o problema e monitorar os processos de solução. As habilidades criativas são requeridas, em primeiro lugar, para gerar as opções na solução de problemas. As pessoas criativas são aquelas  que  “compram  barato  e  vendem  caro”  no mundo  das

ideias. As habilidades criativas exigem a ponderação do problema e de seus elementos na busca de uma nova solução. Finalmente, as habilidades práticas são requeridas para implementar as opções e fazê-las funcionar no nosso cotidiano. As habilidades práticas estão envolvidas quando a inteligência é aplicada em ambientes reais. O aspecto mais importante da inteligência prática é a aquisição e o uso do conhecimento tácito, que é o conhecimento que alguém de fato necessita para alcançar o sucesso num dado ambiente e que não é explícitamente ensinado e que não é usualmente verbalizado. Sternberg tem demostrado que a inteligência prática, ainda que possa ser ensinada, é independente da inteligência psicométrica ou do QI.  Assim, uma pessoa inteligentemente bem sucedida equilibra os processos de adaptação, modelagem e seleção, utilizando cada um quando convenientemente necessário.

Em resumo, esta teoria pode ser considerada, neste momento, como uma tentativa inacabada de compreensão global e consistente de todos os problemas que se levantam ao nível da estrutura e do desenvolvimento da inteligência.  De qualquer modo, as teorias cognitivas parecem suplantar a perspectiva psicométrica na abordagem dos fenômenos intelectuais. Na abordagem psicométrica atende-se preferencialmente aos sujeitos (as respostas), enquanto na cognitivista se focaliza as tarefas (os estímulos).  Isto justifica a ênfase dada pela corrente psicométrica na análise das correlações verificadas entre as realizações dos sujeitos em diferentes testes e a procura de fatores-unidade de estudo-para explicar a variância dos resultados verificados (estrutura mental). Ao contrário, o enfoque cognitivista valoriza fundamentalmente os processos-unidade de estudo- que possam explicar, ao nível de cada indíviduo, a realização em diferentes tarefas (processamento mental), seguindo de perto uma metodologia experimental, em oposição à metodologia correlacional.

 

A Teoria da Inteligência Integrada

Recentemente, em 1995, Perkins propôs a teoria da inteligência verdadeira que tenta integrar tanto as concepções clássicas quanto às concepções modernas da inteligência.  De acordo com Perkins, há três aspectos básicos que compõem a inteligência: neural, experiencial e reflexiva. A inteligência neural está no funcionamento do sistema neurológico das pessoas; com o sistema de algumas pessoas funcionando mais rapidamente e de forma mais precisa do que o sistema neurológico de outras. Estas características mais precisas devem-se ao melhor padrão de conectividade no labirinto dos neurônios, embora não esteja claro o que este termo de fato significa. Este componente da inteligência parece ser em grande parte geneticamente determinado e é imutável, isto é, não aprendido. Este tipo de inteligência assemelha-se, de algum modo, ao conceito de inteligência fluída da Teoria Hierárquica proposta por Cattell. O componente experiencial da inteligência é aquele que tem sido aprendido a partir da experiência. Ele é a extensão e organização do conhecimento e, portanto, é muito similar à noção de inteligência cristalizada proposta por Cattell. Finalmente, o componente reflexivo da inteligência refere-se ao papel das estratégias na resolução de problemas e na memória e, portanto, parece ser similar ao constructo de metacognição ou monitoramento cognitivo.

 

A Teoria Bioecológica da Inteligência

De acordo com esta teoria, a inteligência não pode ser compreendida independente do contexto, do ambiente ou da cultura em que as pessoas estão inseridas.  Os teóricos adeptos desta teoria consideram  que a inteligência está estritamente ligada à cultura,  de tal forma que a concebem como algo que uma cultura cria para definir a natureza do desempenho inteligente e para explicar a razão pela qual as pessoas se desempenham de forma melhor do que outras nas tarefas que a cultura, por acaso, valoriza.  Em outras palavras, de acordo com esta abordagem bioecológica, os múltiplos potenciais cognitivos, o contexto e o conhecimento são todos elementos essenciais que formam a base das diferenças individuais nos desempenhos. Cada um dos múltiplos potenciais cognitivos envolve relações a serem descobertas, pensamentos a serem monitorados e conhecimentos a serem adquiridos dentro de um dado domínio.

Embora estes potenciais sejam embasados biologicamente, o seu desenvolvimento está largamente ligado ao contexto ambiental e, por consequência, é difícil, se não impossível, separar claramente as contribuições biológicas das ambientais para a inteligência.  Portanto, as habilidades podem ser expressas diferencialmente em diferentes contextos. Por exemplo, se às crianças for dada essencialmente uma mesma tarefa, ora num contexto envolvendo um videogame e ora num contexto envolvendo uma tarefa cognitiva no laboratório, elas podem desempenhar muito melhor quando realizando a tarefa no contexto de um videogame.  A este propósito, podemos constatar facilmente que crianças brasileiras, cuja pobreza forçou-as a se tornarem vendedoras ambulantes, não mostram qualquer dificuldade na realização de cálculos aritméticos complexos quando vendem coisas, na praia ou nas ruas, mas têm grandes dificuldades em realizar cálculos semelhantes em salas de aula, num ambiente acadêmico. Assim, parece que os contextos social, mental e físico, todos afetam e interagem para resultar no desempenho inteligente.

 

A Teoria da Inteligência Emocional

Diferente da inteligência acadêmica é a inteligência social, ou seja, o processo envolvido em compreender situações sociais e se conduzir com sucesso. Uma parte crítica da inteligência social é a inteligência emocional que consiste na habilidade de perceber, expressar e regular as emoções; na habilidade para acessar e/ou gerar sentimentos quando eles facilitam o pensamento; na habilidade para entender a emoção e o conhecimento emocional; na habilidade para regular as emoções com o objetivo de promover o crescimento emocional e intelectual. O conceito foi introduzido por Peter Salovey e John Mayer, em 1990, e, posteriormente, expandido e popularizado por Daniel Goleman, em 1995, em seu famoso livro “Inteligência Emocional”. 

Há, entretanto, poucas evidências experimentais e psicométricas sustentando a existência do constructo de inteligência emocional.  Alguns estudos têm mostrado que a percepção emocional de carácteres numa grande variedade de situações parece estar correlacionada com os escores de testes envolvendo a empatia e o envolvimento emocional. Porém, embora o conceito seja interessante e carrega um grande apelo afetivo-emocional, sua validação está ainda longe de ser estabelecida psicométricamente.

 

Comentários Finais

Como podemos verificar pelas idéias brevemente apresentadas sobre as principais abordagens sobre a inteligência, os estudos são tão vastos que não só não existe uma visão conceptual e metodológica comum como é igualmente difícil encontrar uma visão consensual acerca das perspectivas que permitem organizar a multiplicidade de estudos disponíveis.

A enunciação das diferentes formas de organizar a multiplicidade dos estudos leva a que sejam claramente evidentes sobreposições nas teorias consideradas mais relevantes, como ficou evidente nesta breve revisão. Se o consenso sobre este campo e as suas grandes áreas parece difícil, decorre desta situação um fato inegável: a vitalidade e a diversidade de estudos demonstram o grande interesse que os problemas relativos à cognição, ou cognições, despertam entre os estudiosos da mente humana.

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