
Avanços na Medicina Mente-Corpo (10)
Em 1996, um artigo especial, intitulado “Cuidados Paliativos em Neurologia”, destacou a necessidade de que os neurologistas “compreendam, ou aprendam a aplicar, os princípios da medicina paliativa.", entendimento, este, similar ao do Conselho de Graduação em Educação Médica, que recomendou aos residentes em Neurologia o recebimento de instruções em cuidados paliativos gerais, bem como, específicos para pacientes terminais. O propósito disso? Alcançar que médicos residentes em Neurologia “demonstrem conhecimento de cuidados paliativos, incluindo alívio e manejo adequado da dor, apoio psicossocial e aconselhamento para pacientes e seus familiares” .
A falta de clareza na distinção das similaridades e diferenças entre cuidado paliativo e cuidado paliativo ao fim da vida tem mostrado influenciar a concepção de que apenas pacientes aproximando-se do final de vida são os mais apropriados para receberem cuidado paliativo. Por sua vez, alguns profissionais de saúde acreditam que cuidado paliativo é “desistir dos pacientes” ou “deixá-los sem qualquer cuidado”.
Cuidado paliativo, enquanto cuidado médico especializado que é, compreende uma ação focada na melhoria da qualidade de vida de alguém, apropriada em qualquer idade e estágio de uma doença grave, podendo ser fornecida ao longo de todo o tratamento curativo. Torna-se necessário tanto para pacientes quanto seus familiares ou cuidadores, podendo incluir alívio de dor e de outras necessidades físicas, psicossociais, sociais e espirituais, passando pela eficácia comunicativa de prognóstico, valores e preferências dos pacientes. Pacientes neurológicos, mais suscetíveis a doenças crônicas, progressivas, incuráveis e degenerativas, apresentam, de modo geral, necessidades elevadas de cuidados paliativos.
Este, aplicável logo no início do curso da doença, incluindo o momento do diagnóstico, visando a ajudar o paciente a ajustar-se às inúmeras mudanças em sua vida e planos de vida, viabiliza, também, a inserção de terapias de prolongamento de vida, tais como, quimio ou radioterapia, com o propósito principal de melhorar a qualidade de vida tanto do paciente quanto da família, bem como, dos cuidadores deste paciente. Por sua vez, cuidado paliativo de fim de vida refere-se, especificamente, ao cuidado paliativo que é fornecido aos pacientes que se encontram no final de vida. Usualmente, este tipo de benefício é disponível a pacientes quando, atestado por dois médicos, estes apresentarem um prognóstico de 6 meses, ou menos, de doença que requeira foco em cuidados médicos relacionados a qualidade de vida.
Essa abordagem amplia, de várias maneiras, o enfoque do cuidado tradicional para pacientes neurológicos, ou seja, enquanto o enfoque tradicional enfatiza a preservação da função, e o prolongamento da vida, a abordagem dos cuidados paliativos dedica especial atenção ao alívio do sofrimento, elevando a relevância do planejamento do declínio da vida e conferindo à morte o papel de desfecho esperado e natural. Adicionalmente, os modelos tradicionais de cuidados paliativos não consideram de forma suficiente as necessidades genuínas dos pacientes e familiares vivendo com um quadro clínico neurológico.
Os médicos paliativistas, que são amplamente treinados em atendimento hospitalar, podem sentir-se menos confortáveis com doença neurológica ou outros diagnósticos clínicos. Pacientes com doença neurológica limitante da vida frequentemente têm uma progressão da doença de forma longa e variável comumente pontuada por incapacidade cognitiva, problemas comportamentais e de comunicação, além de sintomas motores. Esta trajetória difere do rápido declínio observado na maioria dos pacientes com câncer.
Felizmente, serviços de cuidados paliativos estão contínua e progressivamente reconhecendo as necessidades dos pacientes não cancerígenos, particularmente daqueles com condições neurológicas rapidamente progredindo, tais como, portadores de doença neuro-degenerativa. Diferenças entre neurologia e outros pacientes incluem o perfil dos sintomas, aspectos psicossociais, necessidades dos cuidados e efeitos sobre o bem-estar espiritual. Pacientes com doenças neuronais motoras vivenciam mais desmoralização, desesperança e ideação suicida do que aqueles com câncer metastático; pacientes com câncer cerebral têm quadro sintomático distinto incluindo mais problemas cognitivos, convulsões e deficiências na comunicação do que pacientes vivendo com outros tipos de cânceres.
A prática clínica tem mostrado que referente ao bem estar espiritual, pacientes neurológicos vivenciam sua doença como alguma coisa interna ao seu ser, a qual claramente contrasta os pacientes com câncer que veem “o câncer” como algo fora deles. As incapacidades físicas e cognitivas associadas com a doença neurológica também contribuem para o sentimento de ser “inútil” ou um “peso” e podem contribuir para elevar as taxas de desmoralização. Doenças neurológicas são associadas com estresse do cuidador e qualidade de vida reduzida relacionadas ao cuidar.
Cuidados paliativos também envolvem o papel do cuidador, o qual, além de oferecer serviços de apoio aos membros da família, como períodos de descanso, pausa e aconselhamento, também sinalizam a necessidade de se avaliar aspectos médicos, psicossociais e espirituais, incluindo, não apenas, o diagnóstico patológico, mas, também, outras fontes de estresse, tais como, reações normais ao viver com uma doença que ameaça a vida e é progressiva e/ou incapacitante.
A área de cuidados neuropaliativos está emergindo, florescendo, como uma subespecialidade que tem se beneficiado do contínuo e crescente interesse dos recém-graduados e residentes em Neurologia. Ela tem o potencial de ter um papel vital no manejo dos pacientes com doenças crônicas, degenerativas, incuráveis e nas doenças neurológicas em estágio final. Afinal, o propósito dos cuidados neuropaliativos, em essência, é melhorar a qualidade de vida dos pacientes ao longo de todo o seu processo de adoecimento enquanto os mesmos estão vivendo ou morrendo.