
Caminhando em círculos
É
crença comum, e amplamente divulgada, tanto na literatura (Mark Twain, em O Desbaste e Leon Tolstoi, em Senhor e Servo), quanto em filmes (O Senhor dos Anéis: As Duas Torres e O Vôo da Fênix) e televisão (Antônio
Fagundes, em O Rei do Gado), que pessoas
perdidas em ambientes não familiares terminam, freqüentemente, caminhando em
círculos. Embora não corroborada por dados empíricos, esta crença, permeando a
cultura popular, tem semeado várias hipóteses tentando explicar este suposto
comportamento. De acordo com uma destas, humanos e animais, em geral, têm a
tendência de virar numa direção. Esta tendência tem sido sugerida ser mediada
pelas assimetrias hemisféricas do sistema dopaminérgico. Outra sugere, como responsáveis,
as assimetrias biomecânicas, tais como, as diferenças no comprimento, ou nas
forças, das pernas. Baseado nesta explicação, muitos humanos teriam uma perna
maior, ou mais potente, que outra, criando, portanto, um pequeno, mas constante,
viés na direção oposta. Estes vieses seriam mais evidentes na ausência da informação
visual.
Baseando-se no estudo que
colaboradores e eu publicamos no Journal
of Experimental Psychology, em 1992, pesquisadores testaram, originalmente,
a habilidade dos humanos para caminharem em linha reta em terrenos não
familiares e diferentes: uma grande floresta e o Deserto do Saara. As
trajetórias de caminhar ao longo de várias horas, capturadas por meio do GPS (Sistema
de Posicionamento Global), revelaram que participantes caminharam em círculos,
repetidamente, quando não podiam ver o sol. Ao contrário, quando o sol era visível,
desviavam-se, algumas vezes, da linha reta, mas não caminhavam em círculos.
Tomados em conjunto, os dados mostraram
que os seres humanos, realmente, tendiam a caminhar em círculos quando
atravessando terrenos não familiares e sem referências direcionais confiáveis. Já
se tais referências, ou o pôr-do-sol, estavam presentes, as pessoas eram hábeis
em se manter, razoavelmente, em linha reta, mesmo num ambiente cheio de
obstáculos, tal como uma floresta. Por sua vez, com o sol visível, os
participantes exibiram pouco desvio sistemático da linha reta, ainda que o pôr-do-sol
mudasse, substancialmente, seu curso em poucas horas. As trajetórias
desviaram-se pouco da linha reta, especialmente, na floresta, sugerindo, com
isso, que os participantes foram, parcialmente, hábeis em compensar a mudança
de curso do pôr-do-sol. Os pesquisadores descartaram a explicação em termos de
assimetrias biomecânicas, sugerindo que os desvios de curso em linha reta
resultaram de ruídos acumulativos no sistema sensório motor, o qual, sem referências
direcionais externas para recalibrar a direção de linha reta subjetiva, ocasionaram
pessoas caminhando em círculos.