Caminhos cruzados

Caminhos cruzados

             Para as bandas de Barretos, num certo agosto, abastada pecuarista, de quem corria fama de rainha do gado no Brasil, deu a luz às gêmeas Vivianne e Lidianne, idênticas, fisicamente, mas de personalidades extremamente opostas. A primeira, justa e benemerente; a segunda, soberba e avara. E, como é de costume, aos olhos da mãe, ambas eram, apenas, boas meninas. Levadas, algumas vezes, mas, ainda assim, boas meninas. Eis que, ao completarem quinze anos, vieram a saber do adoecer materno, cuja brevidade de dias se contaria, com sorte, nos dedos de uma das mãos. A mãe, generosa e feliz da maternidade que tivera, prevendo dias difíceis, presenteara-as, então, com duas joias idênticas, de altíssimo valor, alertando-as para tal, bem como, se esse dia chegasse, que não titubeassem, ambas, em se desfazerem do aparato.

            Falecida a senhora, dividiram-se os bens e cada uma das filhas seguiu seu destino. Viviane, sempre ajudando aos mais pobres. Lidianne, multiplicando centavo sobre centavo. Os anos passaram. A velhice as alcançou e, por obra do destino, a mesma doença que lhes ceifara a saúde da mãe a elas também chegou. Médico procurado, foram assistidas de imediato. Entretanto, palavras de otimismo jamais ouviram. Com o caminhar dos dias, não tardou receberem a mesma notícia, ouvida, anos antes, pela mãe: o final estava próximo.

            Vivianne, lançando mão do que tinha, mandou erigir uma capela ao lado de sua casa. Dedicar-se-iria, no tempo que lhe restava, às obras do Senhor. Já Lidianne viu aumentada sua agressividade, tornando a vida de seus empregados quase insuportável. Sabedor do infortúnio que as acometia, o velho capataz da fazenda materna, agora ancião, por ambas procurou, recomendando-lhes que procurassem um médium na região de Goiás. Vidente famoso, seu sucesso em curar doenças corria o mundo. Lenda viva, era amigo até do papa. E como é de praxe, na inexistência de alternativas, as gêmeas, juntas, por ele procuraram. Ocorrências relatadas, uma cirurgia mentalizada para ambas foi marcada.

            Lençóis e aventais brancos numa sala não menos clara. Posicionamento de mãos e orações. Um silêncio feito, apenas de respirações às vezes leves, às vezes pesadas. Ao final do procedimento, o pagamento. Aceito? Não. Prontamente recusado. Ao contrário disso, um pedido. Constatada a recuperação nos dias que se seguissem, que presenteassem, com aquele colar, a primeira pessoa necessitada que lhes cruzasse o caminho.

            O tempo passou. Vivianne, prontamente recuperada, atendeu, de imediato, ao combinado. Mas o mesmo não ocorreu com sua irmã. Igualmente restabelecida, eis que, ao cruzar uma avenida, Lidianne viu cruzar seu caminho uma senhora de pele escura, coberta, apenas, por um apodrecido lençol azul. Descalça, certamente faminta, a senhora ajudava a erguer uma criança que escorregara próximo de si, quando seus olhares se cruzaram. Lidianne tinha a mão sobre o colar. O colar cujas contas queimavam sob sua mão. Sabia o valor da joia. E quão aquém estava aquela mulher dela. Rejeitando a lembrança da promessa, desviou-se da tal senhora e seguiu seu caminho.

            A resposta não tardou chegar. De sintoma a sintoma, Lidianne voltou a adoecer. Desesperada, procurou o médium. Amparava-a a solícita irmã. Ao vê-las, o olhar do médium observou, atento, as faces rosadas de Vivianne e a palidez mortal de Lidianne, para a qual, de imediato, ele retrucou: “Você não cumpriu o combinado, não?”. “Aquela negra não valia nem o fecho do colar”, respondeu ela. Ao que ele, entristecido e sombrio, lhe esclareceu: “Engana-se. Nem um milhão de colares iguais, ou superiores, ao seu, valiam, sequer, a graça de poder tê-la visto... aquela senhora era Nossa Senhora Aparecida”.

 

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